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terça-feira, 3 de julho de 2012

Street Smart


A Suzana, dezesseis anos, bonita, descolada, e avoada que não podia ser mais. Não que fosse burra, não era, mas certamente não era "book smart", o tipo de pessoa estudiosa que aprende ouvindo e lendo, era "Street smart" total, daquelas pessoas espertas que vão muito mal na escola, o que lhe causava sérios problemas em casa, mas tinha traquejo pra se livrar dos maiores perrengues. Andava com as companhias erradas, e diziam seus pais, tinha mais sorte que juízo.
Tinha passado mal duas vezes naquela semana, e ouviu de seu pai, o desembargador Fernandes, que era pra ir ao médico dar jeito nisso pra poder se dedicar aos estudos, que ele, com a idade dela, já trabalhava, estudava e ajudava o pai com os afazeres da oficina mecânica, e blá, blá, blá, tudo isso sob o olhar acusador de sua mãe, dona Sofia, que com dezesseis anos já era normalista e noiva do desembargador.
Aí foi a Suzana ao médico. Marcou hora pra de manhã, espertamente pensando em ter uma justificativa pra matar aula naquele dia.
Passou a manhã fora, o dia todo fora, dona Sofia já agoniada, ligou pro celular da filha para repreendê-la, mas não obteve resposta. Ficou fula, mas não era incomum ter uma ligação ou duas eventualmente ignoradas por aquela menina desmiolada.
Ligou novamente meia hora mais tarde, outra vez sem sucesso. E uma terceira ligação uma hora depois, novamente infrutífera. Aí, dona Sofia já estava nervosa, pensando no que podia ter acontecido à Suzana.
Quando o desembargador chegou em casa precisamente às dezoito e trinta e seis, mesmo horário em que chegava todos os dias, ao invés de encontrar a esposa o esperando com o cachimbo e os chinelos, a encontrou desesperada dentro de casa, exclamando à sua mera visão:
-Astolfo, a Suzana sumiu!
Em que se pese que a Suzana não era uma menina caseira, ela também não era do tipo que passa o dia todo fora de casa. Sempre aparecia em casa de duas a três vezes durante o dia pra mudar de roupa, tomar banho, recarregar o celular ou pedir dinheiro, logo, aquela ausência de mais de dez horas, incomunicável, não era natural. Sabendo disso, o desembargador Fernandes já começara a se movimentar para ligar para os amigos da Suzana em busca de notícias quando a porta da frente fez barulho, e a Suzana, muito cabisbaixa, entrou em casa, e, antes que o desembargador e a dona Sofia pudessem repreendê-la, deu o mais profundo suspiro de todos os tempos.
-Oi, gente...
O desembargador ainda pensou em começar um discurso, mas vendo a expressão preocupada de dona Sofia, entregou-lhe a palavra. E ela usou:
-Onde tu andava, minha filhinha? A gente tava morrendo de preocupação, tu sumiu, não atendia o celular...
-Ah, é... Desculpa... Tava no silencioso...
-Minha filha - Começou o desembargador -O que houve?
A Suzana sentou, joelhos cruzados, e, olhando pros próprios pés, disse:
-Pois é... Eu fui ao médico, sabe... E...
-E o que, minha filha? - Perguntou a dona Suzana, aflita.
-Eu tô com câncer terminal, mãe. -Bombardeou a Suzana. -O médico me deu mais seis, sete meses de vida. Um ano no máximo. - Completou.
A dona Sofia e o desembargador Fernandes correram até a filha abraçando-a com carinho, os dois choravam.
-Minha filha - Disse a dona Sofia -Desculpe a nossa intolerância. Nós te amamos tanto...
O desembargador, abraçando a filha e a esposa, também falava:
-Conte com o nosso amor, minha filha, com o nosso carinho e proteção. Vamos fazer tudo pra te ver bem. Tu nunca mais vai ouvir uma palavra de crítica nessa casa, eu te prometo, e tu sabes que quando eu prometo, tu podes levar a sério.
E a dona Sofia completou olhando pro teto, mas falando com o céu:
-Eu daria qualquer coisa pra te ver saudável, minha filhinha, qualquer coisa!
A Suzana, então, desvencilhou-se do abraço, e acariciando os ombros dos dois disse:
-Então eu tenho uma baita notícia pra vocês: Eu não tô com câncer, não, tô grávida. Só não tenho certeza quem é o pai, mas ou é o Buiú, ou é o Zôio, ou o Cadão, enfim, se precisarem de mim tô lá no quarto.
E subiu lépida as escadas, deixando na sala a dona Sofia, em um misto de alívio e baque, e o desembargador contando até mil enquanto esperava os punhos pararem de tremer de fúria pra ir à cozinha pegar um antiácido e se perguntava se queimaria no fogo eterno do inferno se desejasse que a filha desenvolvesse mesmo um câncer, pequenininho, do tipo tratável, no estômago.

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