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quarta-feira, 13 de maio de 2015

Academia


Suava feito um cavalo, sentado à bicicleta ergométrica no segundo andar da academia ouvindo o enjoado som do trance music que enchia o ambiente mesmo através do próprio fone de ouvido, sintonizado estrategicamente em uma rádio de notícias AM.
Perguntou-se o que estava fazendo lá.
Era um notório detrator da musculação. Desprezava aparelhos de ginástica. Odiava de maneira quase orgânica o exercício físico enclausurado. Criara-se correndo na beira do Guaíba e em parques, jogando bola em canchas de concreto públicas a céu aberto. Toda a sua noção de exercícios e esportes estava intimamente ligada a estar na rua.
Volta e meia tinha ímpetos e voltava a correr na rua, provavelmente seu exercício preferido, a vida moderna, porém, ia tomando-lhe o tempo.
Entre todas as suas obrigações, minguavam os momentos em que podia dispôr de intervalos extensos o bastante para, de fato, aproveitar uma corrida, especialmente nos horários de que gostava, no final da tarde, ou no início absoluto da manhã.
Em ambos havia impeditivos:
O final da tarde tornava quase impossível transitar sossegado na orla. O espaço fervilhava de gente, o que ele detetava.
Nas horas jovens do dia, tudo era mais agradável, entretanto, esbarrava-se no trabalho, na insegurança, e, especialmente, na cama, que insistia em agarrá-lo e não deixá-lo sair do calor das cobertas, especialmente no inverno.
A academia parecia, então, a saída mais adequada.
Pagaria uma mensalidade e poderia desfrutar do espaço para se exercitar por uma hora e meia sem maiores percalços.
Mas, minha nossa, como ele odiava.
Todos os seus sentidos ficavam lhe dizendo tudo o que estava errado a cada chegada à academia. E se, a princípio, ele achou que aquela sensação se desvaneceria com o tempo, logo percebeu que estava errado, pois três meses haviam se passado sem que ele houvesse sentido qualquer diferença em suas disposições para com o lugar.
Ainda assim, não tardou um mês para que sentisse os benefícios em seu corpo, perdeu peso, viu seus músculos se tonificarem e aumentarem de volume, de modo que não viu motivo para parar de frequentar a academia.
Mas ainda a odiava.
Odiava os marombeiros que se sentavam alegremente ao redor dos halteres mais pesados para trocar dicas sobre malhação e nutrição, e ideias a respeito de shakes proteicos concentrados entre cada série de repetições com pesos imensos.
Odiava os magricelas que, entre cada série, sentavam na tábua do supino e passavam dez minutos mexendo no telefone celular.
Os neo-malhados tirando foto de si próprios diante dos espelhos quando sentiam que o inchaço dos músculos alcançara seu pico.
As gostosonas que chegavam à academia com um treinador pessoal e se punham a malhar feito alucinadas numa clara tentativa de se transformarem em panicats.
As mulheres de meia-idade erguendo pesinhos de meio quilo e puxando barras horizontais numa desesperada tentativa de transparecer uns anos a menos.
Odiava o cheiro de borracha e suor na academia, e o cheiro de saco suado no vestiário. As camisetas regatas e as bermudas até as canelas, as luvas sem dedos e as munhequeiras.
Odiava o instrutor que só foi de apresentar a ele após um mês de academia, casualmente num dia em que não havia nenhuma beldade fazendo agachamento no térreo.
Mas o que realmente odiava eram as repetições. As séries de vinte com pesos que aumentavam assim que deixavam de ser doloridos. Os quarenta minutos de bicicleta, o suor, e os abdominais. Ah, como odiava os abdominais. Os frontais superiores, sim, mas especialmente os inferiores. E os oblíquos?
Ah, tinha que matar o desgraçado que inventou os abdominais oblíquo.
Aliás, chegara à conclusão de que era o ódio à academia o combustível para continuar indo. Ao entrar no "templo ao corpo", sentia a fúria ferver, e extravasava na bicicleta, na esteira, nos pesos e fazendo abdominais. Retos superiores, inferiores e os malditos oblíquos.
Foi nesse espírito que o César, camarada boa praça, de sorriso largo e músculos definidos, aproximou-se amigável e puxou conversa:
-Bah, tu é encarnado, hein, velho? Te vejo todo o dia, aqui.
-É... Tem que ser. - Disse o outro, sem muita disposição pra conversa.
-Tu sua pra caramba. Isso é bom. Te puxa... Se tu precisar de umas dicas, cara, só perguntar. - Concluiu César, com a autoridade de um sujeito nos seus quarenta e tantos anos que obviamente passara boa parte dos últimos vinte dentro de academias.
O outro olhou pro César, ergueu uma sobrancelha e disse:
-Tu sabe algum jeito de eu colher os benefícios da academia sem precisar vir aqui?
O César não entendeu.
-Como assim?
O outro reformulou e desenvolveu:
-Tu tem alguma dica de como perder peso, ficar saudável, um pouco mais forte e dar uma tonificada nos músculos sem precisar vir à academia, nem malhar em lugar nenhum?
O César riu:
-Não...
-Então, meu amigo, tu não tem nenhuma dica útil pra mim. Mas obrigado.
O César saiu, sem entender, e o outro ficou lá. Odiando cada segundo que passava dentro da academia.
Mas, enfim, colhendo os frutos.

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