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quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Resenha DVD: Noite Sem Fim


À essa altura, todo mundo já deveria ter aprendido duas coisas:
Primeiro, não se meta com Liam Neeson.
O ator irlandês que se tornou action hero depois de cruzar o cabo da boa esperança é desses caras que podem te matar com uma mãozada na cara, e por Deus, se tu se meter na frente dele, ele o fará (eu disse isso fazendo a minha melhor imitação de Liam Neeson, e ela é bem razoável.).
A segunda é que Liam Neeson não faz dois filmes ruins em sequência. E olha que filme ruim com o Liam Neeson ainda são porcarias divertidíssimas como a série Busca Implacável. O lance é que, para cada vez que ele vira Bryan Mills e destrói algum país da Europa procurando a esposa ou a filha, ele aparece no cinema com um filme de orçamento e lançamento mais modesto que, via de regra, é excelente.
Quem não lembra de A Perseguição e Caçada Mortal? Dois excepcionais exemplares de cinema de macho com cérebro e coração como há muito tempo não se via?
Pois então, eu, assim como os malfeitores que não aprendem a não se meter com Neeson, cometi um "veri siriãs misteic" (Essa também foi imitando a voz e o sotaque do Liam Neeson), e deixei passar esse Noite Sem Fim quando passou no cinema.
Azar meu, que só consegui alugar o filme ontem, e perceber quão sério havia sido meu erro.
No longa de Jaume Collet-Serra (Mesmo diretor de Sem Escalas e Desconhecido), Liam Neeson é Jimmy Conlon.
Jimmy é um ex-matador da máfia irlandesa de Nova York. No passado, ele chegou a ser chamado de "O Coveiro", e tem ao menos dezesseis mortes atribuídas a seu nome, embora jamais tenha sido preso devido ao apoio de Shawm Maquire (Ed Harris), chefão do crime organizado e amigo de longa data de Jimmy.
Conlon já foi grande, temido e respeitado, mas envelheceu, perdeu o respeito, e foi soterrado pelos anos de amargura, uísque e culpa.
Jimmy deixou de ser O Coveiro para se tornar um bebum que dorme e acorda no mesmo pub, servindo apenas de chacota para os bandidos mais jovens e durões enquanto mendiga um dinheiro para consertar o aquecedor de sua casa e é forçado pelo filho de Shaw, Danny (Boyd Holbrook, que esteve com Neeson em Caçada Mortal), a ser o Papai Noel da festa de natal na residência dos Maguire com resultados constrangedores.
Assim como seu amigo Shaw, Jimmy também tem um filho, mas enquanto Danny Maguire faz de tudo para ganhar o respeito do pai através do crime, incluindo tentar acrescentar heroína entre as "commodities" negociadas pelo pai, Michael Conlon (Joel Kinnaman, do atroz RoboCop de José Padilha) se mantém o mais distante possível de seu pai.
Michael trabalha como motorista de limousines em Manhattan e faz serviço voluntário em um ginásio de boxe com órfãos. É um bom homem, com uma bela esposa, Gabriela (Genesis Rodriguez), duas filhas, e um terceiro rebento a caminho.
Quando Shaw se nega a contrabandear a heroína, os traficantes albaneses que estavam negociando com Danny se sentem ofendidos, e resolvem ir à casa do rapaz para um acerto de contas. Eles vão, numa limousine conduzida por Michael, e quando a negociação não anda conforme os albaneses esperavam, Michael se vê na mira de Danny, e posteriormente de Shaw, e sua única chance de sobrevivência é Jimmy. O pai com quem ele não fala há anos.
É excelente.
O longa jamais tenta reinventar a roda, e nem precisa. As histórias de máfia irlandesa que nos fazem realmente acreditar que todo o descendente de irlandês norte-americano é tira ou bandido (E que em Boston não faz diferença ser um ou outro) podem ser um tremendo clichê, mas um clichê está longe de ser necessariamente ruim. Especialmente quando há um elenco acima da média trabalhando para que a história funcione, e o roteiro de Brad Ingelsby dá a todos os personagens, dimensão e verossimilhança.
Tome Neeson, por exemplo. Ali em cima eu brincava com seus papéis de exército de um homem só, nada a ver com o Jimmy Conlon. Jimmy não é "ativado" como uma máquina assassina de repente. Ele é um homem de mais de cinquenta anos, com a malandragem da rua, conhecedor dos atalhos, que vai pegando no tranco conforme aquece como um motor a álcool. Mais do que isso, suas motivações são claras, suas lealdades palpáveis. Ele é muito mais do que um bandido em busca de redenção, é apenas um sujeito mau tentando fazer o que é certo porque, que diabos, não há mais nada a fazer.
Da mesma forma Joel Kinnaman consegue criar verdadeira empatia em seu Michael, um papel com um potencial do caralho pra ser chato de doer. O bom moço que odeia o pai que foi embora quando ele era criança poderia ser um daqueles personagens intragáveis, mas o ator sueco consegue dar lastro ao comportamento ranheta do personagem, e torná-lo relacionável para a audiência.
Ed Harris é outro capítulo à parte. O veterano ator consegue transformar o vilão do filme em alguém afável, agradável, um pai duro, mas justo, de quem é difícil não gostar (a cena entre ele e Liam Neeson num restaurante na metade do filme, é excepcional, daquelas que, sozinhas, já fazem ver o filme valer a pena.). Aliás, "heróis" e "vilões" são rótulos complicados em Noite Sem Fim, já que todos os personagens, à exceção de Pryce, o matador de aluguel vivido por Common, têm mais de um lado, mais de uma camada.
Contando com um trabalho de edição soberbo de Craig McKay e boa fotografia de Martin Ruhe, mais um ótimo elenco que ainda inclui Bruce McGill, Vincent D'Onofrio, Holt McCallany e uma ponta de Nick Nolte, Noite Sem Fim é mais um exemplar da filmografia cada vez mais interessante de Liam Neeson, e de seu talento e carisma.
Vale demais a locação.

"-Quando cruzarmos aquela linha, o faremos juntos."

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