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quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Resenha Cinema: A Grande Aposta


Na semana passada falei de Trumbo - Lista Negra, filme estrelado por Bryan Cranston e dirigido por Jay Roach. Me referi ao longa como um drama biográfico que tinha, em seu íntimo, uma insuspeita leveza designada tanto pela persona do biografado, quanto pela veia cômica de seu diretor, egresso de comédias.
Ora veja. Ontem assisti a A Grande Aposta, e, novamente, vi um filme potencialmente sério, onde havia um tema espinhoso sendo tratado de maneira leve, e até divertida, por um cineasta que tem comédias no currículo.
Adam McKay, o sujeito por trás dos dois O Âncora - A Lenda de Ron Burgundy (e sua sequência, no Brasil chamada Tudo Por Um Furo), Ricky Bobby - A Toda Velocidade, Quase Irmãos e Os Outros Caras (uma comédia que já brincava com o mau comportamento das grandes corporações financeiras dos EUA) foi quem adaptou o livro de Michael Lewis The Big Short: Inside The Doomsday Machine, sobre como a bolha imobiliária das hipotecas quase destruiu a economia dos EUA e por consequência do mundo entre 2007 e 2008.
No longa de McKay, acompanhamos três histórias paralelas e independentes sobre pessoas que anteviram a formação dessa bolha, e se movimentaram para lucrar com a irresponsabilidade dos grandes bancos dos Estados Unidos.
O primeiro, é Michael Burry (Christian Bale).
Burry é um médico com problemas de interação social que atribui a seu olho de vidro, resultado de uma doença na infância.
Se Burry tem problemas se relacionando com outras pessoas, sua capacidade analítica é coisa de Sherlock Holmes, e sua capacidade de esmiuçar números o tornou um bem sucedido administrador de fundo de investimentos à descoberto na Califórnia.
Em 2005, após se deparar com números assombrosos nas estruturas hipotecárias dos EUA nos últimos anos, Michael desenvolve um plano.
Ele tenciona criar uma espécie de seguro para títulos imobiliários, apostando contra eles. Michael aposta que a estrutura de hipotecas dos EUA, que os grandes bancos consideravam infalível, irá falhar.
Se ele estiver correto, ele ganha uma fortuna absurda, se estiver errado, ele paga uma fortuna em prêmios para os "segurados". Uma aposta de altíssimo risco em um mercado tido como o mais sólido do mercado financeiro desde a década de setenta.
A jogada de Burry chama a atenção de Jared Vennett (Ryan Gosling), um financista do Deutsche Bank que vê nas ações do ex-médico a possibilidade de fazer, ele próprio, uma pequena fortuna em comissões.
Jared passa a vender a ideia dos títulos de "short" hipotecários a possíveis interessados, mas dada a decantada solidez dos títulos, dá com a cara em uma porta após a outra. Isso muda quando ele encontra o fundo de investimento de Mark Baum (Steve Carell), um pessimista profeta do apocalipse financeiro de Wall Street, que, descrente no início, acaba percebendo o lastro das ideias de Burry após fazer, com sua equipe formada pelos analistas Danny Moses, Porter Collins e Vinnie Daniels (Rafe Spall, Hamish Linklater e Jeremy Strong) uma pequena e assustadora investigação no mercado imobiliário da Florida.
Ao mesmo tempo Charlie Geller (John Magaro) e Jamie Shipley (Finn Wittrock), dois jovens financistas "baby", que trabalham com fundos à descoberto de garagem na ordem de "meros" trinta milhões de dólares, também esbarram com as teorias de Burry, e resolvem fazer dinheiro com elas. Entretanto, sem prestígio ou trânsito entre os grandes bancos, precisam apelar para Ben Rickert (Brad Pitt).
Rickert, vizinho de Shipley no Colorado, é um ex-papa dos investimentos que, enojado com o mundo do capital financeiro, passou a viver de maneira absolutamente sustentável, quase hippie, longe de toda a sujeira de Wall Street.
Resistente de início, Rickert acaba ajudando Charlie e Jamie a apostarem contra a economia norte-americana em nome do lucro.
O que nenhum dos jogadores antevia, era que o jogo no qual estavam embarcando era uma sombria sopa de corrupção, fraude, ganância e pura burrice, que envolvia os bancos, as maiores empresas de capital dos EUA, agências de risco e até mesmo ramos do governo federal norte-americano.
Como foi dito lá em cima. A Grande Aposta é uma comédia. E graças a Odin por isso. Nós já tivemos filmes sérios a respeito do tema, como o muito bom Grande Demais para Quebrar, mas a verdade é que A Grande Aposta se vale de sua própria leveza para garantir que o mote do filme, repleto de jargão financeiro e essencialmente trágico (milhões de pessoas perderam seus empregos e casas no mundo todo devido ao estouro da bolha imobiliária, ninguém foi punido, as regras financeiras do mercado dos EUA não mudaram uma vírgula, e as companhias que foram à bancarrota acabaram sendo resgatadas pelo governo dos EUA à custa do contribuinte, e seus CEOs continuaram nadando em rios de dinheiro de bonificações escandalosamente gordas.) consiga se manter um entretenimento atrativo, afinal, "A verdade é como poesia. E a maioria das pessoas odeia a porra da poesia.".
Brincando com a edição, com os personagens quebrando a quarta parede em momentos chave pra aliviar a tensão, usando um jogo de câmeras quase vertiginoso e até apelando para celebridades para ajudar a explicar os mecanismos mais obscuros do mercado financeiro (aparecem para ajudar nas explanações o chef Anthony Bourdain, a cantora Selena Gomez, o economista Richard Thaler, além da deliciosa Margot Robbie), Adam McKay mantém A Grande Aposta divertido durante toda a sua duração.
Contando com um elenco acima da média que ainda conta com Melissa Leo, Marisa Tomei, Max Greenfield e a gatinha Karen Gillian (destaque para Christian Bale, ótimo em um papel relativamente pequeno, e Steve Carell, equilibrando drama e comédia sem perder a mão), A Grande Aposta vai além de perucas e truques de edição para contar de maneira cômica uma história pessimista em seu âmago, amparada em atuações comprometidas e tendo como lastro fatos irrefutáveis.
Parabéns para McKay e seu co-roteirista Charles Randolph. Eles alcançaram um equilíbrio difícil de se ver no cinema de hoje em dia. Divertido e inteligente.
Assista no cinema. Vale demais o ingresso.

"-Eu não entendo... Por que eles estão confessando?
-Não estão confessando. Estão se gabando."

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