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sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Resenha Cinema: Steve Jobs


Jobs, filme de 2013 estrelado por Ashton Kutcher, é uma das piores cinebiografias que eu assisti em tela grande na minha vida, pegando parelho com as "biopics" chapa-branca que quase todo o ano aparecem no cinema nacional endeusando alguma personalidade como se o biografado fosse perfeito, magnânimo e glorioso além da mortalidade. O filme de Joshua Michael Stern parecia um capítulo da Bíblia da Igreja de Jobs funcionando como veículo para Kutcher, produtor do filme, tentar se provar como ator sério, e obviamente, não funcionou.
O longa era chato, aborrecido, equivocado e o protagonista simplesmente não tinha bala na agulha pra retratar o biografado.
O grande trabalho feito pelo filme Jobs, foi deixar a audiência interessada no que seria conhecido por algum tempo como "a outra biografia".
O longa que adaptaria a biografia oficial de Steve Jobs escrita por Walter Isaacson teria roteiro de Aaron Sorkin (A Rede Social) e, inicialmente, direção de David Fincher.
Fincher, inclusive, teria pedido ao estúdio que conseguisse Christian Bale para protagonizar o longa, no que se avizinhava como um dream team para levar Jobs à telona com a pompa e circunstância merecidas.
Eventualmente, as exigências de controle de marketing e alto salário de Fincher o levaram a deixar a produção, que ficou com Danny Boyle.
O diretor de Quem Quer Ser um Milionário queria Leonardo DiCaprio para o papel, mas o astro preferiu gravar O Regresso com Alejandro Gonzales Iñarritu, e após flertar com Matt Damon e Bradley Cooper, Boyle e o estúdio fecharam com Michael Fassbender, um ótimo ator que não se parece em absolutamente nada com o verdadeiro Steve Jobs (ao contrário, por exemplo, de Ashton Kutcher, que era a cara do CEO da Apple, e de Christian Bale que provavelmente faria até uma cirurgia plástica para se parecer com o biografado...).
Após assistir ao filme, fica fácil dizer que a falta de semelhança física não fez absolutamente nenhuma falta para Fassbender.
O ator de Doze Anos de Escravidão e Macbeth toma o papel para si e o devora com contida voracidade.
Ao contrário do modelo berço ao túmulo usado por Matt Whiteley para o longa de 2013, Aaron Sorkin escreveu uma história em três atos, cada um passado nos bastidores do lançamento de um produto da Apple ao longo de 14 anos.
O primeiro, o lançamento do Macintosh, em 1984, mostra a minúcia com que Jobs gerenciava cada mínimo aspecto de suas criações.
Da cor da camisa que usaria, que deveria combinar com a cor do console Macintosh, dos disquetes e da sua própria (O disquete é azul, o Macintosh é bege, eu sou bege, a camisa precisa ser branca) à tentativa de desligar as luzes de saída para criar a atmosfera ideal de mistério dentro do auditório, Jobs queria ter controle total sobre o ambiente.
A mesma busca desesperada por controle e perfeição se repete em 1988, durante a apresentação de sua nova companhia, NeXT, e seu cubo que precisa ser perfeito o suficiente para estar no Guggenheim, e em 1998, para a apresentação do IMac.
Nas três apresentações, porém, a busca por controle de Jobs é desafiada pela presença de pessoas que faziam parte de sua vida, e que, de uma maneira ou de outra, tinham poder para tirá-lo de seu mundo particular.
Em 1984 é a ex-namorada Chrisann (Katherine Waterston) e a filha de cinco anos Lisa (Makenzie Moss) que Steve se recusa a reconhecer como sua, fazendo exigências financeiras enquanto o programador Andy Hertzfeld (Michael Stuhlbarg) luta contra o relógio para fazer o Macintosh dizer "Olá" sob as ameaças abertas do chefe e Steve Wozniak (um comedido Seth Rogen, fazendo um ótimo trabalho), pede que Jobs reconheça o trabalho da equipe responsável pelo Apple II, grande sucesso comercial da empresa.
Em 88, enquanto se prepara para lançar um "dicionário falante de treze mil dólares" sem sistema operacional, Steve novamente precisa lidar com Lisa (agora interpretada por Ripley Sobo) e Woz, com quem trocara farpas publicamente pela imprensa, e com John Sculley (Jeff Daniels), seu ex-CEO, e figura paterna que caiu em desgraça após demitir Jobs da Apple, e finalmente em 1998, quando, devolvido à presidência da Apple, se prepara para apresentar o IMac, e lida com Lisa (dessa vez vivida por Perla Haney-Jardine) e sua matrícula na universidade, Woz, novamente clamando reconhecimento para a equipe do Apple II, revelações a respeito do desgosto de alguns associados, e reconciliações, sempre amparado por sua fiel escudeira Joanna Hoffman (Kate Winslet, sempre excelente).
É fácil imaginar que Steve Jobs poderia ser um filme chato. Praticamente todo rodado em interiores, dividido em três atos relativamente curtos onde a ação se resume a andar e falar, o longa não é exatamente um tipo excitante de filme, porém, a direção de Danny Boyle e a edição de Bernard Bellew garantem que absolutamente nada em Steve Jobs seja aborrecido. Toda a vez que uma conversa recheada de jargão tecnológico começa a se alongar, um fragmento do passado surge na tela na forma de um flashback, constantemente sobrepondo-se à ação que acompanhávamos, dando-lhe uma nova nuance. A fotografia de Alwin Kuchler é esperta, e enche os corredores e bastidores com movimento e vida ao situar sequências inteiras diante de telões invertidos, ou criar atmosferas de tensão com o burburinho e os flashes de multidões indo ao delírio diante de um novo produto.
Os diálogos de Aaron Sorkin que transformaram Jesse Eisenberg em um Exterminador do Futuro verborrágico em A Rede Social estão aqui, na boca de um grupo de personagens menos monocórdicos e sarcásticos, e com atores que sabem o que estão fazendo.
Fassbender esmerilha como Steve Jobs, deixando claro que não está interessado em interpretar um messias tecnológico, mas sim um homem "mal construído" e repleto de falhas de caráter e personalidade, mas ainda assim, incansável, direcionado e magnético.
Kate Winslet está ótima como a voz da razão de Jobs, oferecendo um pouco de coração e consciência ao Darth Vader corporativo que é todo cérebro.
Além deles, e do já mencionado Seth Rogen, Michael Stuhlbarg manda bem em seu tempo de tela, e Jeff Daniels não fica devendo nada a Fassbender ou Winslet mesmo funcionando em uma nota absolutamente diferente.
Ao retratar um homem brilhante, sem tentar elevá-lo a um pedestal, nem tentar redimi-lo de suas falhas, mantedo-o fascinante, Boyle, Sorkin e Fassbender alcançaram um tremendo triunfo, e deram uma aula de cinebiografia que deveria ser seguida com mais frequência.
Assista no cinema, vale demais a pena.

"-Computadores não deveriam ter falhas humanas. Eu não vou estragar esse dando-lhe as suas."

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