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sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Resenha Cinema: Trumbo - Lista Negra


Desde 2004, circula em Hollywood uma compilação dos melhores roteiros não filmados ao longo do ano. São histórias que os profissionais do cinema gostaram, mas que, por alguma razão, seja custo, dificuldade ou simplesmente o mercado, não se tornam filmes.
Essa galeria de grandes roteiros não filmados é chamada de Black List, ou, a Lista Negra.
O nome faz referência, entre outras coisas, à infame lista negra de roteiristas barrados em Hollywood durante a década de cinquenta quando, na aurora da Guerra Fria, os comunistas eram caçados como bruxas, e Hollywood estava na mira do Comitê Doméstico de Atividades Não-Americanas do congresso dos EUA.
Em Trumbo, nessa época, o próspero roteirista Dalton Trumbo (Bryan Cranston) é um comunista vivendo nos EUA.
Trumbo foge do estereótipo comunista "tradicional". Uma contradição ambulante, o roteirista era homem de posses, conforme o lembra seu colega Arlen Hird (Louis CK.), um bon-vivant que ama seu trabalho e constantemente o realiza deitado em sua banheira enquanto bebe uísque fumando em uma estilosa piteira. Mora em uma ampla propriedade com um lago particular e participa de festas da alta sociedade. Ainda assim, ele toma parte em reuniões político-partidárias, piquetes de grevistas, e distribui panfletos sobre comunismo e liberdade de expressão em eventos de Hollywood, para desgosto da "Right Wing" de gente como John Wayne (David James Elliot) e (especialmente) a colunista Hedda Hopper (Helen Mirren), que chega a conseguir a demissão de Trumbo junto à MGM.
Não tarda para que as inclinações políticas do roteirista o coloquem, junto a vários de seus correligionários e colegas, na mira do congresso dos EUA.
Conclamando a primeira emenda da constituição norte-americana, ele se recusa a responder qualquer uma das perguntas que lhe são dirigidas durante seu interrogatório.
Trumbo sabe que o desacato ao congresso pode levá-lo à prisão, mas espera que, na Suprema Côrte, de maioria liberal, sua apelação o absolva. Não é o que acontece.
Com a substituição de dois dos juízes antes da audiência de Trumbo e seus colegas, a maioria liberal se perde, e o roteirista é encarcerado.
Após um breve período em uma prisão federal, Trumbo é libertado para descobrir que ser colocado na Lista Negra de Hollywood é particularmente complicado para aqueles que se recusam a renunciar a seus ideais políticos.
Jamais desmentindo suas ideologias, Trumbo não consegue trabalho.
Já que seu nome é amaldiçoado nos grandes estúdios, ele passa, então, a escrever roteiros descartáveis a baixos preços para produtores de filmes B, como os irmãos King (vividos por Stephen Root e um hilário John Goodman).
Empregando sua esposa, Cleo (Diane Lane), e seus filhos Christopher, Mitzi (Mattie Liptak, Becca Nocole Preston) e Nikki (Elle Fanning) como secretários, motoristas e entregadores, Trumbo produz roteiros de baixo custo em ritmo industrial para manter sua família, e não tarda para que ele traga vários de seus colegas ao esquema de pseudônimos, garantindo o trabalho para outros roteiristas da Lista.
Não bastasse a prolífica produção de lixo cinematográfico com alienígenas, gangsteres e piratas, Trumbo ainda acha tempo para escrever o roteiro de A Princesa e o Plebeu, repassado a seu amigo Ian McLellan Hunter (Alan Tudik), que ainda gozava de bom trânsito entre os estúdios, e que acabaria vencendo o Oscar de melhor roteiro em 1954, e, mais tarde, ele ainda escreveria Arenas Sangrentas, sob o pseudônimo de Robert Rich, e, adivinhe, ganharia outro Oscar de melhor roteiro em 1956, ambos prêmios que ele não pôde receber devido à exposição negativa junto à opinião pública.
Trumbo vislumbra uma possibilidade de sair do anonimato quando é procurado quase ao mesmo tempo por Kirk Douglas (Dean O'Gorman, o Fili da trilogia O Hobbit) para trabalhar no roteiro de Spartacus, e pelo diretor Otto Preminger (Cristian Berkel, de Operação Valkíria), para adaptar o romance Exodus em um filme a ser estrelado por Paul Newman.
Percebendo que ambos desejam o melhor de seu trabalho, Trumbo começa a fazer um joguete para que um dos dois aceite seu nome verdadeiro no poster do filme, o que colocaria fim à Lista Negra ao provar que mesmo escritores que estavam lá, seguiam trabalhando em Hollywood.
Ainda que classificado como um drama biográfico, e trilhando um caminho sombrio em meio à uma das páginas mais vergonhosas da história dos EUA, Trumbo é um filme leve.
Parte disso se deve à direção de Jay Roach. O cineasta é egresso de comédias como Entrando numa Fria e a série Austin Powers e ele consegue mesclar a seriedade de um filme com alma política (curiosamente seu único filme que não é uma comédia, é o longa Game Change, sobre os bastidores das eleições presidenciais americanas de 2008, tema que ele visitaria novamente na comédia rasgada Os Candidatos) à uma certa veia cômica inerente ao ego político, mas, se o background de Roach é metade da leveza de Trumbo, a outra metade é seu personagem central.
Trumbo é vivido com graça por Bryan Cranston, um ator que é acima da média até fazendo propaganda de pasta de dente.
Ele consegue manter o personagem central destacado sem jamais deixar o clima pesado demais por muito tempo. Mesmo seu momento mais problemático, quando ele se afasta da família em um frenesi workaholic regado a uísque e anfetaminas para garantir a entrada de dinheiro para si e seus pares, as eventuais explosões e destemperos logo encontram novamente uma faceta mais jovial, conciliatória e divertida de um homem que amava seu trabalho e a vida que levava.
Auxiliado por um ótimo elenco, destacando-se uma doce Diane Lane, uma energética Elle Fanning, além de um ótimo (e subestimado) Michael Stuhlbarg, vivendo Edward G. Robinson, icônico ator de Hollywood que, em um ato de auto-preservação, renunciou suas ideias políticas e delatou amigos ao congresso norte-americano, Cranston brilha justificando suas indicações ao Globo de Ouro, Oscar e outras premiações.
Obviamente, Trumbo - Lista Negra não passa sem falhas. O roteiro de John Macnamara, baseado na biografia de Trumbo por Bruce Cook deixa de mostrar momentos importantes da vida do protagonista, como o tempo em que ele viveu no México com sua família, ou o período em que, desiludido com o comunismo pelo mundo, renunciou à ideologia, momentos que são relegados à breves menções, além disso, eventualmente, o script coloca Trumbo em um pedestal de inocência absoluta como frequentemente ocorre com biografias.
Por sorte, a história é rica, divertida, pungente e bem atuada o suficiente para que esses pequenos deslizes passem despercebidos a qualquer um que não seja um membro do "Tea Party", e que entenda que, muito mais do que um filme pró-comunismo (não é o caso), ou pró-liberdade de expressão (também não é o caso, apesar de estar mais próximo da verdade), Trumbo é a história de um homem.
Um homem astuto, talentoso e teimoso, que lutou com as armas que tinha por aquilo que considerava certo.
A pena, nos final das contas, é mais forte que a espada.
Assista no cinema, vale a pena.

"-Você tem razão. Eu não estou disposto a perder tudo. Mas estou disposto a arriscar tudo em nome de um bem maior. Você percebe, aí está a diferença. Um radical vai lutar com a pureza de Jesus Cristo, e será derrotado. Um homem rico, vai lutar com a astúcia de satanás, e vencerá."

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