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sexta-feira, 15 de abril de 2016

Resenha Cinema: Ave, César!


Com dois meses de atraso com relação à estréia americana chegou aos cinemas brasileiros Ave, César!, novo filme dos irmãos Coen, cada vez mais, cineastas fundamentais da sétima arte contemporânea.
Após um drama que foi, fácil, o melhor filme do ano de seu lançamento (2013 nos EUA, 2014 no Brasil), o excepcional Inside Llewyn Davis, e o roteiro do ótimo Ponte dos Espiões, os irmãos que escrevem, produzem, dirigem e editam filmes sempre acima da média resolveram deixar as coisas mais leves, e partiram para a comédia franca, e realizaram uma que consegue ser boba e esperta ao mesmo tempo.
O longa acompanha um dia conturbado na vida de Eddie Mannix (um maduro Josh Brolin, sem medo de encarar um papel de protagonista em um filme estrelado por uma constelação), um executivo de cinema, que em um período não especificado entre as décadas de 40 e 50 ocupa o posto de "Chefe de Produção Física" no Capitol Pictures, um grande estúdio que produz filmes que vão de faroestes cheios de acrobacias sobre o cavalo, a dramas românticos e épicos bíblicos.
A despeito de ser um executivo, Mannix mete a mão na massa como um autêntico representante da classe operária. Seu trabalho consiste em uma série extremamente ampla de obrigações que vão de apanhar atrizes em festinhas de moral duvidosa a pedir o consenso de religiosos para o roteiro de filmes bíblicos do estúdio e garantir a paz entre astros, estrelas e os diretores e produtores do Capitol.
No dia em que acompanhamos Eddie, ele está com o prato bastante cheio.
Enquanto precisa procurar um pai para o filho da estrela Dee Anna Moran (Scarlett Johansson), cada vez mais grávida dentro de sua fantasia de sereia durante um musical aquático, para desespero do departamento de relações públicas incumbido de cuidar da inocente imagem da rabugenta diva, ele força, a mando do presidente do estúdio, a transição do ingênuo e dramaticamente pouco dotado caubói cantor Hobie Doyle (Alden Ehrenreich), em um ator dramático na fita "Felizes Dançamos", para desespero do diretor Lawrence Lorentz (Ralph Fiennes, em ponta brilhante), enquanto um par de colunistas de fofocas de Hollywood (irmãs gêmeas vividas por Tilda Swinton, excelente) ameaça levar a público uma história desabonadora a respeito do passado de Baird Whitlock (George Clooney, ótimo no papel do galã mezzo burro mezzo charmoso), grande astro do estúdio que acaba de ser sequestrado por um grupo de roteiristas comunistas.
Não bastasse tudo isso, o devotado católico Mannix, que se confessa diariamente, está sendo tentado por um executivo a trocar seu emprego no Capitol por uma posição na Lockheed, fabricando jatos, trabalhando em um horário fixo normal e fazendo parte, não de um circo, mas de um empreendimento tão sério quanto a bomba de hidrogênio.
Por cerca de 27 horas nós adentramos o mundo de Eddie (uma versão light de um executivo de estúdio verdadeiro, que chegou a aparecer no longa Hollywoodland - Bastidores da Fama, interpretado por um sinistro Bob Hoskins) enquanto ele decide seu futuro, e trabalha para fazer o estúdio funcionar, resgatar Baird, e manter seu sequestro, e seu passado nebuloso, fora dos jornais.
Ave, César! é um filme adorável.
Engraçado, divertido e repleto de homenagens e referências ao cinemão de antigamente embrulhado em uma trama com cara de farsa que é, em seu íntimo, uma declaração de amor a um tipo de cinema, ainda que guarde uma nada sutil crítica aos estúdios estrangulando autores na ilha de edição.
Das cenas épicas em que o Baird Whitlock de Clooney recita seus textos repletos de canastrice diante de cenários pintados em painéis, ao número do balé aquático de Johansson, passando pelo inacreditavelmente homoerótico ato "Sem Damas" de Burt Gurney (Channing Tatum) e seus colegas marinheiros, a trama do astro sequestrado por comunistas infiltrados em Hollywood e iniciado na ideologia por um professor Marcuse que é a cara do sociólogo alemão Herbert Marcuse, nada em Ave, César! pede para ser levado a sério.
Com sequências simplesmente hilárias (as instruções de Lorentz a Doyle são de doer a barriga de tanto rir, ponto alto do filme onde Fiennes e Ehrenreich fazem o ingresso se pagar em poucos minutos, e a reunião de Mannix com representantes religiosos é sensacional), um trabalho excepcional de um elencão que ainda inclui Jonah Hill, Veronica Osório, Frances McDormand, Alison Pill, Clancy Brown, Christopher Lambert e Wayne Knight sob a condução de Joel e Ethan Coen, dois realizadores espetaculares cobrindo de dialética e espetáculo uma história bastante simples:
O caubói e o proletário contra os comunistas.
Nas mãos de outros diretores, poderia ser ridículo, nas mãos dos Coen, é obrigatório. Assista no cinema.

"-Quisera que fosse tão 'simpre'."

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