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quarta-feira, 20 de abril de 2016
Transbordante
O mendigo, trajando andrajos encardidos sob o sol inclemente do verão que não acaba emparelhou comigo na rua, e me sorriu.
Antevi, um cínico que sou, o pedido por um trocado, como acontecera outras mil vezes nas ruas da cidade. Sorriso de sem teto, geralmente é prenúncio de pedido. Não sou dessas pessoas que se indignam ante o que chamam de achaque. Poucas vezes na vida tive a sensação de estar sendo "achacado" ao ser abordado por um pedinte. Talvez seja porque eu sou um sujeito muito tranquilo e não me enerve frente à abordagem, talvez seja por eu ser um sujeito de dimensões avantajadas e receber um tratamento menos agressivos dos pedintes, não sei. De toda a sorte, não me sinto ofendido ou agredido quando me pedem na rua. Eu sou pobre, sempre fui, e, se sou capaz de reconhecer a diferença entre um desesperado e um vagabundo, pois os dois tipos já me pediram dinheiro na rua, também sei compreender o tipo de desespero que leva uma pessoa a abdicar de seu orgulho, vencer a vergonha, e suplicar a um estranho até que isso se torne um hábito.
De qualquer forma, quando o mendigo me sorriu, eu de imediato me pus a fazer a contabilidade mental do parco conteúdo de minha carteira, tentando lembrar se havia lá dentro uma cédula de dois reais de que eu pudesse dispôr para aplacar, ainda que parcialmente, a fome, sede ou necessidade de um outro ser humano em apuro.
Mas o mendigo, não me fez a esperada pedida.
Sorrindo, ele me cumprimentou com um oi, e me contou ter achado vinte reais na rua. Mostrou-me a cédula suja, dobrada na mão, e me disse como era bom, de vez em quando, "dar um pé-quente".
Eu sorri de volta, dizendo-lhe que era bom ter sorte na hora da necessidade, ao que ele aquiesceu, apertando o passo e seguindo seu caminho, ainda sorridente.
Foi bonito, eu confesso, ser abordado por alguém que não conseguiu resistir à vontade de partilhar sua alegria, que de ter tão pouco, sentiu-se impelido a alardear a medida de boa sorte a que tivera acesso, pois é do homem sentir orgulho do que lhe acontece de bom, e talvez, esbarrar com aquela nota de vinte na calçada, tenha sido o que de melhor acontecera àquele sujeito em um bom tempo.
Em um mundo tão desagradável, tão repleto de gente vil que se locupleta do sofrimento alheio, ser alvo de uma felicidade tão intensa que transbordava, foi um bálsamo agridoce. É bom ver alguém alegre, mas triste saber que eu vivo em um mundo onde para muitos desafortunados, reles vinte reais são tão extraordinários.
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