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quinta-feira, 29 de junho de 2017
Resenha Série: House of Cards - Temporada 5
Ano passado eu disse, após terminar de assistir à quarta temporada de House of Cards que seria um longo ano de unhas roídas esperando pela quinta temporada, mas a verdade é que não chegou a tanto. O calendário de seriados e filmes foi generoso o suficiente para que Frank, Claire e companhia não tenham causado pânico enquanto se preparavam para o seu retorno no final do mês passado.
Nesse ano, por sinal, não devorei House of Cards tão rapidamente quanto fizera ano passado. Comportadamente não assisti a mais do que um episódio por dia, e ainda intercalei o seriado com Better Call Saul e Last Week Tonight com John Oliver, de modo que a temporada me durou quase um mês, no qual pude me re-aclimatar aos meandros da política na série, que já foi cabeluda demais pra soar verdadeira e agora, tanto nos EUA quanto no Brasil, deixa os escritores na obrigação de fazer malabarismo pra surpreender como outrora (ainda assim comparar Frank a Trump e Temer é bastante ofensivo ao presidente Underwood).
A quinta temporada retomou de onde a quarta terminara.
Francis e Claire Underwood (Kevin Spacey e Robin Wright) estão em pé de guerra contra o ICO, o dublê do Estado Islâmico na série. Ou ao menos tentam... O congresso não parece particularmente disposto a outorgar a declaração de guerra que Frank pleiteia junto à Casa já que ele está no meio de uma eleição que, francamente, pode tanto ganhar quanto perder para o candidato republicano, Will Conway (Joel Kinnaman), a epítome pública do bom-mocismo.
A ideia do casal é tornar a Casa Branca a casa dos Underwood, com Francis vencendo a eleição, quiçá a reeleição, e Claire o sucedendo, de modo a fazer os dois permanecerem no comando do país mais poderoso do mundo por vinte anos, pelo menos. A questão é que a escalada de Francis até a presidência não foi um caminho suave, e ele fez todo o tipo de inimigos pelo caminho, cometeu todos os pecados possíveis, e agora ele deixou de ser pedra para se tornar vidraça.
Todos os antagonistas estão à espreita, aguardando o momento de tentar destruir Frank por alguma coisa que ele fez, ou deixou de fazer, nos anos anteriores. O editor do Herald, Tom Hammerschmidt (Boris McGiver) se tornou quase obsessivo com Frank, e não cansa de cavar atrás de provas que possam ligar o presidente à morte de Zoe Barnes ou de Rachel Posner, seja diretamente, seja através de Doug Stamper (Michael Kelly).
Acossados por todos os lados, não tarda para que Frank e Claire comecem a desconfiar de todos e cada um ao seu redor, incluindo um do outro. O casal que já fora desgraçadamente unido não tem uma cisão tão definitiva nessa temporada como tivera no ano anterior, mas as coisas certamente não voltaram aos eixos após Claire tentar voar por conta própria anteriormente, e, como já ficou claro, a única coisa capaz de ferir um Underwood, é outro Underwood.
Ou ao menos era o que se acreditava.
Eu já havia percebido que, historicamente, todos os antagonistas em House of Cards parecem formigas que surgem para serem esmagados pelos Underwood. Mesmo os Conway, que apareceram inicialmente como ameaças em potencial ao casal protagonista (Will e Hannah pareciam versões mais jovens, bonitas e antenadas de Claire e Francis) logo deixaram claro que não tinham bala na agulha para competir, o mesmo valendo para o general Brockhart de Colm Feore, ninguém parece capaz de competir com o maquiavelismo ilimitado de Frank e Claire, ao menos até o surgimento do conselheiro político de Conway, Mark Usher (Campbell Scott) e a oficial do Departamento de Comércio Jane Davis (Patricia Clarkson).
Se Usher já havia dado as caras nos episódios iniciais da temporada, deixando bem claro que a verdadeira ameaça a Frank e Claire era ele próprio, e não Will, Jane Davis aparece apenas na metade da temporada, durante uma crise que força o alto escalão do governo a se abrigar em um bunker sob a Casa Branca, e não tarda a percebermos que a personagem é uma víbora manipuladora, uma hábil titereira que não tem o menor pudor em mexer as cordinhas como melhor lhe aprouver.
São esses dois personagens que finalmente dão uma balançada na estrutura de House of Cards e, eu posso estar me precipitando e na próxima temporada os dois podem ser rápida e inapelavelmente comidos por Frank e Claire, mas isso seria realmente desapontador, haja vista que os dois parecem ser adversários à altura para os nossos heróis (?), oferecendo um bem vindo elemento de desconhecido à trama, já que as intenções de ambos jamais ficam totalmente claras para a audiência, e ajudam a manter Frank e Claire na defensiva, algo que nunca é muito saudável já que, o presidente em especial, tem uma veia toda particular para destruir o tabuleiro quando sente que está prestes a perder o jogo e, como fica claro no final de temporada, por mais que Usher, Davis, e mesmo Claire sejam competidores fortes, Frank ainda parece ser a pessoa mais disposta a jogar o tempo todo, mesmo quando faz escolhas erradas.
É bacana perceber que House of Cards segue fazendo um bom trabalho, ainda que não tenha descoberto uma forma de se equilibrar totalmente. As temporadas eventualmente falham na hora de equilibrar algo. No ano 3, por exemplo, o foco nas tramas paralelas desequilibrou a série ao tirar os holofotes do casal protagonista, na quarta temporada, pareceu o oposto, com Frank e Claire tão envolvidos em sua guerra pessoal que o restante da série parecia não andar, a quinta temporada balanceou bem o tempo dado aos protagonistas e aos coadjuvantes, fechando arcos e trazendo reverberações de fatos de toda a temporada para dentro do armário dos Underwood. Se alguma coisa ainda permanece por ser azeitada é a forma como House of Cards vai da política à tragédia grega em um átimo, algo que não chega a ser um problema, haja vista que a série sempre teve como sua principal característica não ser um programa sobre política, mas sim sobre a busca por poder de duas pessoas embalada por atuações acima da média de um elenco muito bom encabeçado por um casal de atores de primeiríssima grandeza.
Vai ser interessante ver, na temporada seis, como as coisas andarão com o cenário como ficou no episódio final.
Aliás, aqui vai um pequeno spoiler para aqueles que não se importam com isso, ou que, porventura estejam curiosos:
Sim.
Nessa temporada Claire Underwood se dirige à audiência da mesma forma que Frank faz desde o início, e é bem bacana.
Vamos lá pra mais um ano de expectativa até o ano que vem e a estréia da sexta temporada...
"-Bem-vindos à época da morte da razão..."
segunda-feira, 26 de junho de 2017
Resenha DVD: Passageiros
Ao ver o trailer de Passageiros no cinema no ano passado eu tive a impressão de que o longa, que em sua prévia tentava se vender como uma ficção científica, era, de fato, uma comédia romântica passada no espaço.
Uma impressão que me apanhou com tanta vontade que eu passei longe do filme quando ele chegou aos cinemas em meados de janeiro. Eu provavelmente sequer teria assistido passageiros em DVD, ontem, se a única outra opção de filme que eu ainda não havia assistido na prateleira de lançamentos da locadora não fosse Resident Evil 6.
Eu certamente poderia esperar Passageiros passar na TV a cabo, mas acabei alugando o filme, e, ontem de noite, o assisti, confesso, meio a contragosto de início.
O longa nos mostra a espaçonave Avalon, que, em algum período não especificado do futuro, está cumprindo uma viagem de 120 anos rumo ao planeta colônia Homestead II, levando consigo 5000 passageiros e 258 tripulantes em animação suspensa durante o percurso.
Após uma chuva de meteoros, porém, a Avalon sofre uma avaria, e, como resultado imediato, uma de suas cápsulas de hibernação é desativada, e um passageiro é despertado antes da hora.
Ele é Jim Preston (Chris Pratt), um jovem mecânico que viajava a Avalon em busca de um novo começo. Jim estava na "classe econômica" da Avalon, pensando em fazer uma vida em Homestead II onde a colonização está no começo e seus dotes profissionais seriam bem-vindos. O problema é que, conforme vaga pela espaçonave vazia, Jim se dá conta de que foi o único a despertar 90 anos antes da hora.
Pra piorar a situação, a eventualidade de uma falha nos tubos de hibernação é solenemente ignorada pela espaçonave, sendo tratada como impossível por todos os sistemas de ajuda automatizados à bordo, e uma mensagem de socorro levaria 19 anos vagando pelo espaço até chegar à Terra, e uma resposta aos seus apelos cerca de 50 anos para alcançar a Avalon.
Isso deixa Jim absolutamente sozinho na espaçonave, exceto pelos robôs de serviço e pelo androide bartender Arthur (Michael Sheen).
Por mais polido que Arthur seja, porém, não tarda para que as opções de lazer fugazes da espaçonave comecem a parecer pouco para Jim, que durante um ano joga basquete, videogame e assiste filmes sozinho no cinema enquanto come do bom e do melhor na espaçonave já que jamais terá de pagar a conta, mesmo.
Depois de um ano, Jim está prestes a cometer suicídio quando, casualmente se depara com o casulo de hibernação de Aurora Lane (Jennifer Lawrence).
Jim começa a pesquisar nas fichas dos passageiros e descobre que ela é uma jornalista e escritora de Nova York, lê seus livros, assiste seus logs de vídeo, e começa a se apaixonar pela moça.
Um ano sozinho no espaço deixou o sujeito prestes a despirocar, e ele flerta ardentemente com a ideia de despertar Aurora para ter alguém consigo na Avalon além de Arthur.
Ciente, porém, da gravidade da decisão de despertar a guria antes da hora, ele hesita, mas finalmente a necessidade de contato humano fala mais alto, e Jim sabota a animação suspensa de Aurora, acordando-a.
Ele a procura depois de ela se recuperar do despertar químico, explica a ela que ainda faltam 89 anos para a Avalon chegar a Homestead II, e a consola feito um autêntico tarado, sem mencionar que foi ele quem a acordou antes da hora.
Estando sozinho com Aurora na espaçonave, não é difícil para Jim se conectar com a moça, e logo, os dois são um casal.
As coisas seguem tão bem quanto possível, com o filme mostrando de maneira algo tímida o romance de Jim e Aurora, até ela descobrir que seu despertar não foi acidental, e azedar de vez a relação dos dois.
Se as coisas já estavam ruins para o casal, a situação piora consideravelmente quando a Avalon começa a experimentar falhas críticas em seu funcionamento autônomo, despertando um dos tripulantes e deixando claro que a espaçonave não será capaz de chegar a Homestead II sozinha. Isso obriga Aurora e Jim a colocarem suas diferenças de lado e trabalharem juntos para tentar salvar as 5255 pessoas que hibernam dentro da espaçonave além das próprias vidas e, talvez, seu romance.
Passageiros é um filme estranho...
Ele não é um filme ruim, entretém por seus cento e dezesseis minutos, tem um elenco que, apesar de econômico é simpático, bonito e talentoso, e até tem sua cota de bons momentos, mas ao mesmo tempo, eu não posso deixar de pensar que se, no lugar de Chris Pratt, nós tivéssemos, por exemplo, Peter Sarsgaard ou Cillian Murphy, Passageiros seria um filme de horror, e não um romance.
Por que, se pararmos para analisar, o que Jim faz com Aurora é algo desumano.
Ela própria, à certa altura, se refere ao seu despertar forçado como assassinato. E por mais que o roteiro de Jon Spaiths tente nos convencer da inocência de Jim, inclusive oferecendo emendas para seu comportamento abusivo (sejamos francos, o que ele faz é acordar a guria e dizer pra ela "ou tu fica comigo, ou passa os próximos 90 anos sozinha", se isso não é abuso, eu não sei o que é), o único motivo pra audiência não achar que Jim Preston é um psicopata e um criminoso é a cara de cachorro pidão de Chris Pratt. Se houvesse um ator capaz de emular um comportamento minimamente esquisito, toda a dinâmica do longa seria alterada.
O diretor Morten Tylum, do ótimo O Jogo da Imitação conduz a história de maneira distante, mesmo quando Jim está sozinho na nave, só sabemos o que ele está pensando porque ele fala a respeito em voz alta, seja consigo, seja com Arthur, e apesar de Lawrence ser uma atriz com mais recursos, o roteiro pede apenas que ela seja gatinha, o que ela é.
Com um belo design de produção, fotografia OK, e trilha sonora nada memorável, talvez a grande sacada de Passageiros seja a crítica velada que o longa faz à automação corporativa, haja vista que a despeito de todo o seu avanço tecnológico, a Avalon é incapaz de oferecer sequer uma resposta satisfatória à qualquer pergunta que vá um centímetro além de localização dentro de um shopping center.
Ainda assim, isso se perde porque é impossível não perceber que o longa está se esforçando de todas as formas pra disfarçar o fato de que Jim destruiu a vida de Aurora e a condenou a passar a vida ao lado dele. Por mais que, em certos momentos, nós sejamos capazes de nos esquecer disso e até torcer pelo casal, esse elefante espacial está sempre na sala, e é impossível não voltar a notá-lo.
Ainda assim, conforme eu disse antes, o filme não é ruim, e como entretenimento funciona, ainda que a moralidade das ações do protagonista sejam questionáveis demais e questionadas de menos, Passageiros certamente vale duas horas numa noite de domingo.
"-Se você viver uma vida comum, você só terá histórias comuns."
sábado, 24 de junho de 2017
Resenha Cinema: Mulher-Maravilha
Finalmente!!!!!
Desculpem abrir a resenha com um desabafo seguido de tantas exclamações, mas foi inevitável.
Especialmente porque esse desabafo se deu em duas frentes: Ontem eu finalmente consegui assistir Mulher-Maravilha após dar com a cara na porta do cinema não uma, não duas, mas quatro vezes!
Tantas que acabei me convencendo de que o ideal era esperar a febre passar, mais ou menos como ocorrera com Deadpool ano passado. Que eu aprenda a lição e compre ingressos antecipados da próxima vez.
O segundo desabafo é que finalmente a Warner/DC entregou um filme irretocável de super-herói, capaz de rivalizar com as produções do Universo Cinemático Marvel diante de qualquer fã de quadrinhos e de cinema, e não apenas dos fãs inveterados da DC.
Mulher-Maravilha é tudo o que os demais filmes do universo compartilhado DC não haviam sido, e eu digo isso nos sapatos de alguém que gostou de O Homem de Aço e que achou que, em algum lugar de Batman vs. Superman: A Origem da Justiça, há um bom filme arruinado por Lex Luthor e Apocalypse.
Mulher-Maravilha não incorre nos erros de nenhum desses filmes, e nem do desgraçado Esquadrão Suicida, e é acertado, redondinho, e cativante, de uma maneira toda sua.
O roteiro de Allan Heinberg (com história de Jason Fuchs e Zack Snyder) e a direção de Patty Jenkins pegam na veia ao não tentar transformar Mulher-Maravilha em uma história trágica, sombria e carrancuda como seus co-irmãos, mas em narrar um conto de esperança, otimismo e aprendizado.
No longa, após um breve interlúdio no presente, viajamos ao passado para conhecer as origens da Mulher-Maravilha.
Diana nasceu em Themyscira, uma ilha paradisíaca criada com o último sopro de vida de Zeus após ele travar guerra contra Ares e se ver exaurido de toda a sua força. A Ilha Paraíso foi um presente do maior dos deuses do Olimpo às Amazonas, uma raça mística de mulheres-guerreiras que inspiraram os homens e lutaram ao lado dos deuses contra a corrupção do deus da guerra.
Em Themyscira as amazonas mantinham guarda sobre a arma definitiva forjada por Zeus: A Matadora de Deuses, uma espada tão poderosa que poderia eliminar mesmo Ares.
Um idílio oculto dos mortais na Terra, sob o reinado de Hipólita (Connie Nielsen) a ilha permanece segura, com as amazonas treinando arduamente para a batalha da eventual volta de Ares. A única habitante proibida de tomar parte nos treinamentos era a pequena Diana (Lilly Apell), filha de Hipólita.
Ainda assim, ou talvez por isso, Diana era quem mais desejava participar dos treinamentos, especialmente sendo sobrinha de Antíope (Robin Wright), irmã de Hipólita e mais poderosa guerreira da ilha, que percebendo o desejo de Diana, aceita treiná-la em segredo.
Eventualmente Hipólita descobre o estratagema, mas ao invés de pôr fim aos treinos de ambas, ela concorda de maneira relutante, mas ordena que Antíope treine Diana de maneira mais severa do que qualquer outra amazona em toda a História de Themyscira, e assim é feito.
Conforme os anos passam, Diana (Gal Gadot) cresce para se tornar uma guerreira tão exímia que é capaz de igualar Antíope em perícia e superá-la em poder, algo que vem a calhar quando um avião pilotado pelo espião americano Steve Trevor (Chris Pine) cai próximo da Themyscira, inadvertidamente atraindo soldados alemães até a ilha.
A chegada de Trevor e dos alemães à morada das guerreiras interrompe o idílio das amazonas com a notícia da guerra. "Que guerra?" pergunta Diana. "A Guerra", responde Trevor, "A Guerra para acabar com todas as guerras".
Trata-se da Primeira Guerra Mundial, e Trevor é um espião a serviço da Inteligência Britânica que, durante uma missão, descobriu que o general alemão Ludendorff (Danny Houston) e sua química de confiança, doutora Isabel Maru (a gatinha Elena Anaya) estão trabalhando em um novo tipo de gás venenoso, uma versão tão potente do gás-mostarda que mesmo máscaras de gás serão insuficientes para proteger os soldados e civis que forem atacados com tal arma.
Trevor deseja voltar à Inglaterra e entregar essa informação ao alto-comando do exército britânico, mas Hipólita não está disposta a simplesmente libertá-lo. Diana, porém, reconhece um um conflito tão terrível, que está custando a vida de tantos inocentes, uma óbvia influência de Ares, o deus da guerra banido por Zeus. E, como a mais poderosa guerreira amazona, ela entende que é seu dever de nascença deter os planos pérfidos do deus caído.
Assim, Diana se arma com a Matadora de Deuses e parte para Londres junto com Trevor, para, juntos, irem ao encontro de Ludendorff e impedir seus planos de boicotar o armistício negociado pelas nações custe o que custar.
Como eu disse ali em cima: Mulher-Maravilha é um filme de super-herói irretocável.
Mais do que isso, é um bom filme independente de rótulos.
É interessante que, enquanto nos últimos anos as grandes histórias publicadas pela DC e algumas animações sempre tenham escolhido retratar a Mulher-Maravilha pelo seu viés de guerreira amazona fria e vingativa, o longa de Patty Jenkins tenha escolhido vê-la como uma jovem idealista e ingenua.
Isso faz maravilhas pelo filme, pois finalmente oferece à DC um personagem que é sorridente, otimista e poderoso, como o Superman de Henry Cavill poderia ter sido, mas não foi por conta do espetáculo de tristeza e caras amarradas de Batman vs. Superman.
O grande poder da Mulher-Maravilha não é sua impressionante proeza física, seu Laço da Verdade ou sua espada matadora de deuses, mas sua compaixão.
Talvez por isso tenha sido tão impostante ter uma mulher no comando do longa.
Patty Jenkins é capaz de entender os desejos e pensamentos de uma mulher de uma forma que Zack Snyder já deixou bastante claro que não consegue, e isso se reflete na forma como o longa é conduzido, e sua história narrada, carregada de uma sensibilidade que inexiste em outros filmes do gênero.
Não quer dizer que Mulher-Maravilha seja um "chick flick", porém.
Há excelentes cenas de ação, tanto estreladas pela protagonista (a sequência iniciada em Terra de Ninguém é de longe a melhor do filme, evocando o mesmo senso de assombro da primeira aparição do Superman em 1978, ou do Homem-Aranha em 2002) quanto pelas demais amazonas em Themyscira, aliás, maneiro ver mulheres com mais de quarenta anos caindo na porrada. Hollywood pode ser muito injusta com mulheres que ainda não têm idade pra fazer papel de avó e que são "velhas demais" pra papéis de destaque. Connie Nielsen, Robin Wright e companhia mostram quanta lenha têm pra queimar se lhes for dada a oportunidades.
Mas por mais que haja uma bela quantidade de pancadaria no longa, uma produção extremamente caprichada e uma trilha sonora bacana de Rupert Gregson-Williams (o tema da Mulher-Maravilha de Junkie XL ainda é a melhor música do longa) e uma fotografia lindona de Matthew Jensen, o longa pertence de fato, a Gal Gadot e Chris Pine.
Pine consegue se sair muito bem em um papel que tinha tudo pra ser o de "donzelo em perigo". Seu Steve Trevor tem profundidade emocional, uma ironia divertida, não é transformado em um borra-botas para que Diana possa brilhar e a química que ele compartilha com Gadot é absolutamente inegável.
Quanto à protagonista, é hora do meu "mea culpa".
Eu fui um dos muitos que esculhambaram a escalação da atriz israelense para o papel da maior heroína dos quadrinhos, criticando sua aparência, seu físico e seu talento.
Bem, Gadot pode continuar não tendo uma beleza das mais convencionais, e fica até esquisita em certos ângulos, mas ela sem sombra de dúvida abraçou a personagem de maneira convincente e quase comovente.
Ela consegue ser curiosa, piedosa, sincera e casca-grossa sem jamais soar forçada ou parecer estar interpretando personagens diferentes quando faz cada uma dessas coisas, a Mulher-Maravilha interpretada por ela é magnética, evocando um heroísmo clássico comparável ao de Christopher Reeve em Superman e de Chris Evans em Capitão América, que provavelmente era quem tinha chegado mais perto até aqui.
O resto do elenco não recebe a mesma atenção que o casal principal. Saïd Taghmaoui é falsário Sameer, Ewen Bremner é Charlie, um atirador de elite escocês, Eugene Brave Rock é Chefe, um índio americano contrabandeando bens para os dois lados da guerra em nome do lucro. Nenhum deles é particularmente desenvolvido, mas todos têm uma história passada que é abordada de maneira correta, Saleem queria ser ator, mas tem "a cor errada", Charlie é assombrado pelos horrores que presenciou na guerra, e Chefe vê uma guerra onde não está em nenhum dos lados como uma oportunidade financeira após ter sido derrotado em sua própria guerra contra o homem branco.
O discurso político permeia o longa através desses personagens tanto quanto de Diana, vista como incapaz por todos os homens poderosos que lhe cruzam o caminho, e o fato de os atores os interpretarem de maneira comprometida, ajuda a fazê-los mais memoráveis.
Não é, porém, o caso dos vilões. Tanto Ludendorff quando a Doutora Veneno são personagens rasos e unidimensionais, e seus planos genéricos de destruição global são quase sonolentos, existindo apenas para oferecer um alvo à fúria da Mulher-Maravilha. Nenhuma novidade para quem se acostumou aos filmes do universo Marvel, com vilões absolutamente esquecíveis em nove de cada dez filmes, e que não chega a causar danos irreversíveis ao longa da princesa das amazonas.
A despeito de suas pequenas falhas, Mulher-Maravilha é um ótimo filme de origem, equilibrando ação, comédia e romance em uma embalagem bela e colorida, embalada por boas atuações do elenco (que ainda tem David Thewlis, Lucy Davis e James Cosmo) e uma direção segura.
O Homem de Aço pode ter sido o início desse claudicante universo cinematográfico DC, mas a Mulher-Maravilha é quem dá o primeiro passo decidido na direção correta. Que seja o primeiro de muitos.
"-Não é sobre merecer. É sobre o que você acredita. E eu acredito no amor. Apenas o amor pode realmente salvar o mundo."
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quarta-feira, 21 de junho de 2017
Resenha Série: Better Call Saul - Temporada 3
Atenção! Há spoilers de Better Call Saul no texto abaixo.
Ao fazer a resenha da segunda temporada de Better Call Saul, eu mencionei que, em seu segundo ano, o programa havia se desmembrado em duas séries que eram praticamente independentes uma da outra, apesar de se passarem ao mesmo tempo, dentro do mesmo universo, e com os personagens eventualmente se cruzando entre si.
Isso ficou ainda mais evidente nesse terceiro ano do seriado que lança uma luz sobre o passado de Jimmy McGill antes de ele se tornar Saul Goodman e de Mike Ehrtmantraut, antes de ele conhecer Walter White.
Ainda assim, a despeito de manter as linhas narrativas praticamente distintas, as intersecções entre elas pareceram um pouco melhor equilibradas nesse terceiro ano, que, por sinal, foi excepcional.
Partindo do primeiro episódio, Mabel, que retomou exatamente do cliffhanger épico do episódio final da segunda temporada, com Chuck preparando uma indigesta arapuca vingativa para seu irmão caçula, e Mike tentando descobrir como diabos alguém o esteve monitorando sem ser percebido o suficiente para melar seus planos de meter uma bala na cabeça de Hector Salamanca, a terceira temporada foi uma viagem tão divertida sombria, pela mente de todos os personagens, além de mostrar uma série de eventos que serão importantíssimos para o futuro dos personagens da série conforme o programa seguia com suas linhas narrativas paralelas.
Enquanto Jimmy lida com os problemas que ele próprio muitas vezes causa a si mesmo, e com as vinganças de seu irmão mais velho, Mike se enredava cada vez mais profundamente no mundo do crime, em um ramo da história que certamente era o que tinha riscos mais altos, envolvendo assassinato, perseguições, chefões do crime e tráfico de drogas, e carregava consigo mais tensão, senão pelo ex-policial, que sabemos que sobrevive aos eventos da série, mas por personagens que orbitam seu núcleo, como Nacho Varga.
O personagem de Michael Mando, por sinal, foi o dono de alguns dos momentos que mais deixaram a audiência na ponta do sofá ao longo da temporada, mais especificamente a partir do momento em que Don Hector resolveu fazer ouvidos moucos à ordens diretas de don Eladio (Michael Bauer) e usar a estofaria do pai de Nacho para fazer o treslado de suas drogas do México.
As sequências em que o jovem criminoso começa a planejar uma forma de impedir que seu chefe ameace sua família são de suar frio, e Mando foi brilhante, muitas vezes explicitando tudo o que Nacho estava passando sem precisar dizer uma linha sequer de diálogo.
Mike Margolis já deixava claro desde a época da sineta que sabe interpretar um vilão que todos amam odiar, e chega a ser impressionante que, em um par de temporadas, ele tenha conseguido deixar Hector Salamanca ainda mais odioso do que já era.
Apesar disso, Mike também tem suas fichas na mesa, e as está arriscando, especialmente após aceitar uma oferta de Fring que, de certa forma, sacrifica sua liberdade para trabalhar por conta própria.
Mas se Mike tem um grande curso em seu lado de Better Call Saul, e Jonathan Banks é simplesmente brilhante interpretando o personagem, não é menos verdade que a linha narrativa de Jimmy, com muito menos arroubos, é, na maior parte do tempo, mais interessante.
Ao menos emocionalmente.
Isso ficou cristalinamente claro em Chicanery, que era o melhor episódio da série (veja bem, da série, não apenas da temporada) até o advento de Lantern.
O mid season que colocou Jimmy e Chuck em lados opostos do tribunal, com o irmão mais jovem deixando bem claro até onde estava disposto a ir para proteger seu ganha-pão das sólidas noções de moral de Charles McGill foi uma obra-prima.
O capítulo onde finalmente a audiência pôde ver a relação entre os dois, que, no final das contas, tem sido o elemento ao redor do qual toda a série é construído, mudar de panorama após duas temporadas e meia de Chuck manipulando e atrasando a vida de Jimmy foi agridoce.
Pois ainda que tenha sido catártico ver Jimmy no tribunal, levando a melhor sobre Chuck, foi triste perceber o quão alquebrado Charles ficou ao ser confrontado com a natureza de sua condição.
Claro, todos nós sabemos que não existe alergia a campos eletromagnéticos, e Chuck tem se prestado ao papel de vilão em Better Call Saul desde o começo, mas a forma humana como Michael McKean interpreta o personagem consegue sugar empatia de uma audiência que estava ansiosa por vê-lo se dar mal já havia algum tempo.
A tomada final do episódio que foi todo dedicado aos irmãos McGill, com Chuck sentado sob o sinal de saída da sala de audiências foi de partir o coração, por mais que nós estivéssemos felizes por ver Jimmy triunfar sobre o velho advogado.
A segunda metade da temporada seguiu com Jimmy tentando manter o escritório de advocacia junto com Kim a despeito de ter sido suspenso por um ano por conta de sua invasão à casa de Chuck, e a primeira vez que ele se referiu a si próprio como Saul Goodman, ao criar uma produtora de comerciais para tentar fazer algum dinheiro com os horários que já havia comprado nas tardes da TV local para seus anúncios.
Mais do que isso, a partir do momento em que Jimmy se vê incapaz de advogar, nós o vemos voltar aos velhos tempos de "Jimmy Sabonete", retomar os antigos meios e até mostrar uma faceta mais sombria de sua personalidade. O episódio Slip, por sinal, mostra um interessante flashback onde vemos o ponto de vista dele sobre a falência de seu pai nos negócios.
Já havíamos visto Chuck falar a respeito, responsabilizando Jimmy pela desgraça profissional do senhor McGill, mas foi interessante ver que o futuro Saul Goodman lembrava das mesmas coisas sob uma ótica absolutamente distinta, e tomou o que, para ele eram as fraquezas de seu pai, como algo que ele não deixaria acontecer a si próprio. Uma bela explicação para muito do comportamento de Jimmy.
Mas ele foi além da mera falcatrua...
Jimmy, vendo-se prejudicado pelas ações do irmão mais velho, também buscou vingança pessoal. Uma tão bem elaborada que custou a Charles o que ele tinha como mais precioso na vida:
Sua profissão.
Muito mais do que a tramoia para forçar as velhinhas do residencial Sandpiper a apressar o pagamento das indenizações que renderiam a Jimmy uma bolada, seu joguete absolutamente espontâneo para retribuir as perseguições de Chuck tiveram efeitos devastadores sobre seu alvo.
Especialmente porque após a derrota para Jimmy no tribunal, Charles parecia decidido a melhorar e voltar a ser o homem que havia sido. Vê-lo sofrer a recaída inapelável que ele sofre ao final de Lantern, facilmente um dos melhores episódios de qualquer série na TV em muitos anos, é particularmente doloroso, e as consequências de tal recaída constituem um cliffhanger ainda mais poderoso para a próxima temporada.
Especialmente porque Lantern deixou claro que, a despeito de seus desvios de conduta, Jimmy continua sendo, essencialmente, um bom sujeito. Por vezes ele é cegado pelo seu egoísmo e toma más decisões, mas quando a oportunidade se apresenta, ele está disposto a sofrer as consequências para consertar a situação, como fez no caso Sandpiper, e especialmente com Kim, que de tão enterrada em trabalho, quase se matou tentando manter o seu escritório funcionando. Aliás, foi justamente o susto com Kim que ajudou Jimmy a colocar as coisas em perspectiva, e emendar (ou tentar emendar) todas as pontas que deixara soltas desde que perdera sua licença.
Ser confrontado com as consequências de seus atos sobre Chuck podem ter um efeito poderoso sobre Jimmy e talvez, levá-lo a finalmente assumir a persona de Saul Goodman, que, conforme nós pudemos ver nas vinhetas pós-Breaking Bad, onde ele é Gene, o gerente da lojinha de pães de canela, continua à espreita, pronto para assumir o controle.
Em seu terceiro ano, Better Call Saul deu mais uma demonstração de excelência.
O programa segue sendo capaz de evocar a série-mãe sem apelações, quem não assistiu Breaking Bad é perfeitamente capaz de assistir Better Call Saul e aproveitar a mistura perfeitamente equilibrada de comédia, drama e programa policial que a série oferece e se deliciar com um roteiro muito bem escrito, atuações acima da média e uma produção caprichada e sem arroubos de gente que sabe a história que deseja contar.
Novamente:
Dureza vai ser esperar um ano até a próxima temporada.
"-Não diga nada, entendeu? Arrume um advogado! Arrume um advogado!"
terça-feira, 20 de junho de 2017
Resenha Série: Deuses Americanos, Temporada 1, Episódio 8: Come to Jesus
Atenção! Spoilers do episódio abaixo!
E aconteceu. Após dois meses, Deuses Americanos chegou ao final de sua primeira temporada de maneira absolutamente insatisfatória.
O season finale do programa sobre os velhos deuses desafiando a nova geração de divindades criadas pelo Homem chegou na casa de Vulcan, decapitado por Quarta-Feira no episódio 6. Lá, Shadow e Quarta-Feira estavam esperando que Sr. Nancy lhes fizesse ternos para estarem apresentáveis em sua próxima parada, e ouviram uma interessantíssima história do Deus-Aranha africano, a respeito de Bilquis, e de como ela penou em sua ida para a América, e como se deu sua ligação com Technical Boy e os novos deuses. "E podemos culpá-la?", pergunta Nancy durante sua narrativa de como a antiga Rainha de Sabá chegou ao fundo do poço, descobrindo que os EUA tinham seus próprios meios de colocar um deus de joelhos.
Mais do que isso, o interlúdio de Bilquis mostrou que a personagem definitivamente vai ganhar mais espaço na próxima temporada, já que Technical Boy foi atrás dela para cobrar um favor que irá colocá-la na linha de frente da guerra que se anuncia.
Guerra, aliás, é tudo o que Quarta-Feira deseja.
Sua parada seguinte é na casa de Ostara (Kristin Chenoweth), antiga deusa pagã da primavera, da renovação e da vida que se deu bem ao ser ligada a Jesus Cristo e ovos de chocolate, mantendo um pouco de seu antigo status nos tempos atuais.
Todo o segmento na casa de Ostara é um deleite visual, já que é Páscoa, e ela é anfitriã de uma infinidade de Marias e Jesus de todos os tipos, formas, raças e até credos. Quarta-Feira não estava brincando quando disse que, por conta da grande necessidade de Jesus, havia um bocado de Jesus. "Cada pessoa que fecha os olhos e reza vê um rosto diferente", ele explica a Shadow.
O ex-condenado chega a conversar brevemente com o Jesus de Nazaré (Jeremy Davies, ótimo), a própria encarnação da crença, nas próprias palavras.
Mas não são apenas Shadow e Quarta-Feira que passam pela casa de Ostara. Mad Sweeney e Laura coincidentemente também vão ao local. Afinal, lá há, conforme prometido pelo leprechau, alguém capaz de ressuscitar Laura, que está mais cadavérica do que nunca após seu acidente no episódio passado; e Media dá as caras (caracterizada como Judy Garland em Desfile de Páscoa) para ter com Ostara, lançando ainda mais luz em como funciona o tráfico de fé oferecido pelos Novos Deuses.
Parece um bocado de coisa acontecendo ao mesmo tempo, não?
Pois deixa eu te dizer que o episódio ainda fortalece a relação entre Laura e Sweeney, especialmente de parte do leprechau, que chega a admitir, quase cochichando, que não quer mais que Laura esteja morta, para depois adicionar, cheio de razão, que o faz por razões egoístas, o que é uma ótima sacada, haja vista que a improvável dupla protagonizou um dos melhores episódios da temporada e tem uma química inegável, quase tão boa quanto a partilhada por Whittle e McShane.
E, claro, o grande momento do capítulo é quando Quarta-Feira se revela a Shadow, declarando abertamente sua verdadeira identidade como Odin, numa sequência de arrepiar.
Em uma hora e um minuto, a episódio dirigido pela italiana Floria Sigismondi conseguiu ser engraçado, divertido, tenso e apoteótico, reunir todos os principais personagens que deram as caras ao longo da primeira temporada, apresentar mais alguns, e oferecer um ponto de convergência perfeitamente plausível para toda a história até aqui além de deixar sombras sobre o que aguarda Odin na Casa na Rocha em Wisconsin.
Então, porque é que eu disse que o programa alcançou o final de sua temporada de maneira insatisfatória?
Porque foram apenas oito episódios, e agora vai levar um ano até nós podermos ver pra onde as coisas andam a partir daí!
O primeiro ano de Deuses Americanos terminou da melhor maneira insatisfatória possível, deixando a audiência que abraçou o programa roendo as unhas por mais, e amarrando o que fora a grande trama da temporada:
Shadow poderia acreditar?
E a resposta foi um retumbante sim, afinal, após conhecer uma festa cheia de Jesus, ver Quarta-Feira massacrar os homens sem rosto dos Novos Deuses com relâmpagos do céu, e ver uma verdadeira demonstração do poder de Ostara (sem mencionar a esposa voltando dos mortos), ficava difícil para Shadow se manter indiferente aos poderes divinos que rondam seu mundo.
Mas o episódio foi além, pois ao explicar por que Laura morreu, sacrificada em nome de Odin, colocou a Esposa Morta e Shadow em lados opostos.
É interessante imaginar como isso irá funcionar na próxima temporada, já que episódios anteriores haviam deixado bem claro que Quarta-Feira não estava confortável com a volta de Laura do túmulo, e provavelmente teme a influência que ela possa ter sobre Shadow.
Chegar ao season finale amarrando pontas soltas, encerrando arcos da temporada, e aquecendo as coisas para o próximo ano em um dos melhores episódios da série até o momento, não é pouca coisa.
Michael Green, Bryan Fuller, Neil Gaiman e companhia só não estão mais de parabéns porque a temporada foi demasiado curta.
Haja unha até a segunda temporada.
"-Chamo-me Deus das Batalhas, Grim, Impulsor e Terceiro. O De um Olho, também sou chamado de Superior, de Adivinhador. Sou Grimnir e O Encapuzado. Sou o Pai Poderoso, Gondlir. Tenho mais nomes que o vento. Tantas denominações quanto formas de morrer. Meus corvos são Huginn e Muninn. Pensamento e Memória. Meus lobos são Freki e Geri. Meu cavalo é a Forca. Eu sou Odin!"
segunda-feira, 19 de junho de 2017
Eu Gosto do Frio
Eu gosto de inverno.
Sempre gostei.
Gosto de casacão. De cachecol. De sentir o ar frio no corpo ao levantar de manhã e sair debaixo das cobertas, de sentir o relaxamento da água quente do chuveiro na hora do banho.
Do gelado do chão do banheiro nas solas dos pés ao ter que levantar de madrugada pra ir ao banheiro, e daquela corrida ligeira de volta pra cama, correndo pra se cobrir e enfiar as mãos entre as coxas porque ela gelaram depois de serem lavadas.
Gosto do efeito que a água fria faz quando lavamos o rosto numa manhã de inverno. E gosto de sentar no sol numa tarde gélida pra almoçar numa praça ao invés de no escritório.
Sempre preferi o frio ao calor.
Talvez porque o calor não tem cura, e o frio tem.
O frio se resolve fechando as janelas, colocando mais uma peça de roupa, ou se cobrindo com uma manta, o calor, não.
O calor é universal, perene, e tu pode estar na frente do ventilador com a bunda numa bacia de gelo e ainda assim, sentirá calor.
Calor é muito bom na praia.
Mais especificamente na beira da praia, de preferência com os pés na água do mar.
Muita gente adora verão. Vibra quando os termômetros marcam 40 graus. Se deliciam ante a perspectiva de mais um dia escaldante com sol a pino.
A própria previsão do tempo corrobora isso.
Sempre falam de calor e sol como "tempo bom".
Eu pergunto:
"Bom pra quem?"
Porque não gosto de calor. Não gosto de estar sempre suando, procurando a linha de ação do ar-condicionado até minhas narinas secarem e sangrarem, ou ter o ventilador virado, literalmente, pra minha cara enquanto me espalho pela cama tentando fazer com que nenhuma parte do corpo toque na outra para evitar a sensação pegajosa de uma pele constantemente suada.
Não gosto.
Mas respeito quem gosta.
Façam sua festa quando estiver 40 graus e tu puder sentar numa cadeira de praia à beira mar. Eu mesmo tento fazê-lo na medida do possível, ainda que, pra mim, isso não seja aproveitar o calor, mas sim lidar com ele.
Curtam o calor enquanto eu espero pelo inverno, minha estação favorita do ano, que anda sistematicamente mais curta e menos intensa à cada volta que a terra dá ao redor do sol...
Mas aparentemente curtir o calorão não basta pra quem ama verão, sol e calor.
Essas pessoas não apenas adoram a quentura. Elas têm ojeriza ao frio.
Elas resmungam, tiritam e praguejam cada vez que o termômetro ousa ir abaixo dos dezessete graus.
Tudo bem.
Eu reclamo do calor o tempo todo.
Sei como é não gostar da temperatura.
Conforto térmico é um negócio extremamente pessoal, afinal de contas. Se duvida, pergunte qual a temperatura ideal a um esquimó e a um árabe...
Mas os amantes do calor vão além.
Eles não se satisfazem apenas odiando o frio e resmungando enquanto colocam mais um par de meias, aumentam a temperatura do ar-condicionado e aquecem uma bolsa de água para colocar nos pés durante a madrugada.
Eles tentam fazer quem gosta do frio se sentir culpado.
"Como é que tu podes gostar de frio? Não sabia que muita gente sofre nesse clima?", perguntam. "Os hospitais se enchem de crianças e idosos com problemas respiratórios! Centenas morrem por causa do frio!", declaram. "Pra ti é fácil gostar desse frio, tu não é um desabrigado dormindo com um saco plástico como cobertor nos rigores do inverno!", acusam.
E eu, que sou um misantropo de carteirinha carimbada, mas não um psicopata, de fato, comecei a me sentir culpado por gostar de frio.
Toda a vez que a temperatura baixa e eu sinto aquele estupor leve nas mãos enquanto lavo um prato que sempre me agradou, sou tomado de piedade por pessoas desabrigadas, animais que vivem na rua, idosos e crianças com problemas respiratórios.
E me sinto culpado por gostar do frio.
Ainda ontem, conforme a temperatura caía vertiginosamente com a chuva no meio da tarde, e eu me aconchegava pra assistir um blu-ray com uma coberta sobre as pernas enquanto comia uma barra de chocolate Talento, me flagrei sendo assaltado pelo pensamento nos sem-teto e animais abandonados que passariam por agruras quando a noite chegasse e estivesse tudo molhado e gélido
E me senti culpado por meu modesto conforto.
Mas então um outro pensamento cruzou minha mente...
Será que algum desses cagalhões que se enchem de blusas, mantas, casacos e ceroulas a cada inverno realmente se importam com as necessidades de outrem, ou estão apenas advogando em causa própria invocando as agruras alheias?
E eu cheguei à conclusão de que é o segundo caso.
Ou tu já testemunhou algum desses amantes do calorão, ao ouvir alguém dizer que adorava churrasco na praia, se empolar que nem um pombo e arrulhar "Como é que tu podes gostar de comida quando há milhões de famintos no mundo?"?
Eu acho que não.
Ou ao serem convidados pra um chope depois do expediente declarar que "É até irresponsável tu querer tomar chope depois do trabalho. Tu não sabe quantas pessoas morrem em acidentes de trânsito causados por motoristas bêbados nas nossas estradas, sem contar a incidência de doenças hepáticas que o álcool pode causar?".
Também, não, né?
Já viu algum deles negar uma tarde na piscina no verão porque há milhões de pessoas sem acesso a água potável e tu querer mergulhar num tanque de água tratada é até um insulto às necessidades dessas pessoas?
É...
Nem eu.
Os "anti-inverno" estão lá, com as mãos escondidas nas axilas e cara de bunda, preocupadas apenas com o próprio frio, e não com o dos desabrigados. A larga maioria, por sinal, jamais mexeu um músculo pra ajudar algum desabrigado na vida, e só lembra deles pra justificar a própria frescura.
É por isso que eu me vejo no direito de dizer, com todas as letras, em alto e bom som que sim: Eu gosto de inverno.
Eu gosto de frio.
Eu gosto de roupas pesadas, de caldo de feijão, de meias de lã, de edredom e de levar tempo pra começar a suar na academia.
Eu me apiedo das pessoas que passam necessidades não apenas no inverno, mas em todas as estações do ano, e as míseras contribuições de quê posso dispôr para amainar o sofrimento de crianças e idosos esquecidos pelo Estado, eu faço no calor ou no frio, e não vou me desculpar pelo meu gosto pessoal.
As pessoas arrotam falácia politicamente correta quando ela vai ao encontro de seus interesses pessoais.
Não é apenas hipócrita. É pusilânime.
E pra quem faz tal uso do sofrimento alheio, minha sincera sugestão é que, se está com frio, vá carpir um lote que passa.
Resenha Blu-Ray: A Grande Muralha
Eu vou confessar que, pelos trailers, A Grande Muralha me pareceu um daqueles esforços multi-nacionais para fazer um filme onde a China aparecesse bem, mais ou menos ao estilo do bom Karatê Kid com Jaden Smith e Jackie Chan. Um grande cartão postal da China com elenco majoritariamente local e uma ou duas estrelas ocidentais pra aumentar o interesse do público de olhos redondos.
Por mais que eu tenha sido um dos que gostaram de Karatê Kid com Chan e Smith, eu preciso dizer que um filme que me atinge mais como estratégia de mercado do que como vontade de contar uma história imediatamente se torna meio antipático pra mim, e essa foi uma das principais razões pra eu ter deixado pra ver A Grande Muralha no conforto de um domingo chuvoso em casa, e não no cinema, quando o filme estreou em fevereiro desse ano.
Ainda assim, as prévias e o nome de Zhang Yimou na direção mostravam que, por mais que se quisesse falar mal do filme antes de vê-lo, a produção não deixava a desejar no tocante à parte técnica da coisa, especialmente na direção de arte, que Yimou, de Herói e O Clã das Adagas Voadoras já deixou bem claro, domina com maestria de pintor impressionista.
Então ontem, enquanto a temperatura despencava de 26 para dez graus conforme a chuva avançava sobre Porto Alegre, liguei o Blu-Ray e fui conferir o filme.
Na trama conhecemos William (Matt Damon), um mercenário (talvez) britânico, veterano de muitas guerras na Europa, que agora vaga pelo território oriental tentando encontrar uma forma de ter acesso ao pó negro de fogo, uma arma cuja existência se tornou lendária na Europa, e que pode render uma fortuna a quem for capaz de retirá-la da China e levá-la ao velho mundo.
Após se esconderem em uma caverna para acampar, os quatro homens são reduzidos a apenas dois quando, em meio à madrugada, uma criatura não-identificada ataca o acampamento.
William consegue abater o monstro, e ele e seu companheiro Pero Tovar (Pedro Pascal, o Oberyn Martell de Game of Thrones), seguem viagem, carregando consigo a mão decepada para tentar descobrir suas origens.
Seguindo viagem, os dois ocidentais acabam esbarrando com um dos quadrantes da Grande Muralha da China, onde são recebidos com uma saraivada de flechas do exército conhecido como Ordem Sem Nome.
Capturados, os dois mercenários mentem sobre suas intenções na China, dizendo que são comerciantes em busca de negócios, e têm seus pertences revistados, revelando o braço arrancado da criatura noturna.
Inicialmente os soldados não acreditam que William tenha eliminado o monstro sozinho, mas o Estrategista Wang (Andy Lau) não vê motivos para duvidar, já que as evidências corroboram a versão apresentada por William.
Enquanto o comando da ordem discute qual deve ser o destino dos dois, ressoa um alerta, avisando que o inimigo se aproxima.
William e Tovar são levados à muralha onde acompanham, estarrecidos, a luta que se desenrola, entre a Ordem Sem Nome e medonhas criaturas dracônicas a quem os nativos chamam de Tei Tao. Em meio ao combate, William e Tovar se libertam, e entram na batalha junto aos soldados, ajudando a rechaçar o ataque e ganhando o respeito de seus captores, que os tornam hóspedes ao invés de prisioneiros.
Eles, então, conhecem a comandante Lin Mae (Tian Jing, que parece arrancada de um jogo de videogame), o general Shao (Hanyu Zhang), e Ballard (Willem Dafoe), outro ocidental que, a exemplo de William e Tovar, viajou à China em busca de pólvora, mas falhou em seu intento e está há vinte e cinco anos preso na muralha. Nesse tempo, ele aprendeu chinês e ensinou alguns dos oficiais a falar inglês e latim, tornando-se um hóspede involuntário da Ordem Sem Nome.
É com a ajuda dele que William e Tovar ficam sabendo que os Tei Tao chegaram à China em um meteoro quase dois mil anos antes, e de seis em seis décadas, empreendem um novo ataque, matam dezenas de guerreiros, os devoram, e alimentam sua rainha, que se reproduz trazendo mais e mais Tei Tao ao mundo.
Se as criaturas chegarem à China, e se alimentarem dos milhões de pessoas que vivem lá, se reproduzirão em um ritmo tão inacreditável que serão capazes de consumir toda a humanidade, para impedir isso, o império ergueu a Muralha, e formou a ordem sem nome, a mais impressionante, disciplinada e hábil força de combate da China, que existe com o único propósito de deter os monstros.
Por sua bravura e habilidade, Tovar e William são convidados a se juntar à Ordem, um convite que pode ser a oportunidade perfeita para sair da China com o pó negro, especialmente se contarem com a ajuda de Ballard, que conhece os hábitos e a língua locais.
Mas será que William, que tem passado toda a sua vida lutando por lucro, será capaz de virar as costas à primeira guerra que verdadeiramente vale a pena lutar?
A Grande Muralha não é um filme ruim.
O longa tem uma premissa interessante, misturando elementos caros ao cinemão norte-americano, como o estrangeiro seduzido por um estilo de vida totalmente novo que o encanta, e ao cinemão chinês, nominalmente a disciplina de lutar abrindo mão de todo o egoísmo em nome do bem comum. Os dois motes se encontram de maneira acertada em A Grande Muralha, com o personagem de Damon fazendo as vezes do capitão Nathan Algreen de Tom Cruise em O Último Samurai, ou o personagem de Sam Worthington em Avatar, ou de Richard Harrison em Um Homem Chamado Cavalo, e precisando abrir mão do egoísmo e da desconfiança que o têm mantido vivo ao longo dos últimos anos para se integrar à uma cultura que o encanta e assombra.
Yimou faz um ótimo trabalho ao gerar motivo para encanto e assombro com sua produção de arte de cair o queixo. Cada armadura em tons de dourado, vermelho, preto, roxo ou azul, cada armamento farpado brandido com estilo e graça, cada guerreira que salta pendurada em cabos... Tudo ajuda a apresentar o longa de maneira sólida em seu primeiro ato, mas ele começa a claudicar a partir do segundo.
A grande quantidade de roteiristas envolvidos no script, algo que nunca é um bom sinal, pode ser culpada pela quebra de ritmo do filme a partir do momento em que o personagem de Damon resolve ficar ao lado da Ordem Sem Nome e enfrentar os Tei Tao.
A história começa a dar pequenos pulos, e os personagens passam a se mover em ritmo acelerado porque, aparentemente, o estúdio queria o filme com menos de duas horas (o longa tem uma hora e quarenta e três minutos que passam voando).
Exemplo disso é a invasão dos monstros ao território chinês. À certa altura somos informados de que os monstros conseguiram passar pela muralha.
Não há nenhuma pista de como as criaturas conseguiram fazer isso, nenhuma explicação, e nós nem sequer vemos isso acontecer, apenas somos informados.
A trama precisava desse evento, e então ele foi enfiado no filme de maneira atabalhoada, e nem mesmo o fato de entre o time de roteiristas haver nomes como Edward Zwick e Tony Gilroy (além de Max Brooks, Marshall Herskovitz, Doug Miro e Carlo Bernard) consegue esconder o fato de que o filme passa a correr pro seu desfecho a partir da metade, o que é uma pena.
O elenco é bom e numeroso, há uma história divertida impulsionando o filme, e uma sutileza oriental emana da direção de Zhang Yimou, além da direção de arte embasbacante em cada detalhe tão afeita ao trabalho do diretor, que contrabalanceia o espetáculo de CGI da invasão alienígena que fede a pipoca.
A Grande Muralha não é, nem de longe, tudo o que poderia ser. Mas não é mau filme.
Numa tarde chuvosa de domingo, ele preencheu com graça a tela da minha TV, e me distraiu. Se não valeu uma visita ao cinema, certamente vale a locação.
"-Olhe para esse exército... Você já viu algo assim?
-É incrível."
terça-feira, 13 de junho de 2017
Resenha Série: Deuses Americanos, Temporada 1, Episódio 7: Prayer For Mad Sweeney
Atenção, há spoilers do episódio abaixo!
Em seu penúltimo episódio nessa primeira temporada Deuses Americanos, mais uma vez, mostrou o quão inesperados podem ser os rumos escolhidos pelo programa quando conta sua história.
Enquanto todos esperavam para ver as consequências do encontro entre Quarta-Feira, Shadow e Vulcan na semana passada, Deuses Americanos nos pegou pela mão e nos levou a praticamente uma hora de Chegando à América entrecortado por flashes de Laura e Mad Sweeney viajando juntos após liberarem Salim do compromisso assumido episódios atrás.
Na maior vinheta da chegada dos velhos deuses aos EUA até aqui, Senhor Ibis (Demore Barnes) nos narra a história de Essie MacGowan (interpretada por Emily Browning), uma pobre menina da Irlanda que, em 1721, uma época onde surrupiar um níquel podia levar o ladrão à forca, é acusada injustamente de roubo e sentenciada à deportação, a pena alternativa onde os condenados eram enviados aos EUA e cumpriam penas de servidão nas fazendas no Novo Mundo.
Essie, que acredita inabalavelmente em fadas, trolls, duendes e, especialmente, leprechaus, jamais se curvou ante a dureza da vida, e seguiu seu caminho da melhor forma que soube. Nem sempre da maneira mais correta, mas usando as ferramentas que a vida lhe deu.
Eventualmente Essie esquecia de fazer suas oferendas para os leprechaus, e colhia as desgraças advindas de tal esquecimento, mas sempre se lembrava de voltar à fazê-lo, e tinha novamente a cumplicidade dos povos das fadas, que a ajudavam a sair das enrascadas em que se envolvia.
A jovem chegou à América, e levou consigo suas crenças.
Ela e outros como ela, trouxeram Mad Sweeney aos Estados Unidos, enchendo os EUA de pixies e fadas.
Enquanto conhecemos Essie e a origem da chegada de Mad Sweeney aos EUA, vamos e voltamos no tempo para acompanhar a jornada de Laura e o leprechau perseguindo Shadow, e da curiosidade da esposa morta sobre o conluio de velhos deuses.
Se por um lado foi estranho passar um episódio inteiro sem ver Shadow e Quarta-Feira nenhuma vez, por outro foi muito bom ver Bowning e Schreiber tendo tempo de tela para desenvolver a relação de seus personagens, e aproveitar a ótima química que os dois têm em cena ao ter Browning interpretando Essie foi uma grande sacada.
Se inicialmente parecia que Mad Sweeney seria um alívio cômico na série, não tardou para a interpretação de Pablo Schreiber mostrar que o personagem, com um jeitão cansado do mundo, tinha mais a oferecer, e em Prayer for Mad Sweeney nós pudemos vê-lo indo além dos trejeitos e do sotaque tanto nos segmentos em flashback, onde uma luz foi lançada sobre a origem do personagem (que é fruto de uma intrincada lenda irlandesa sobre um rei pagão amaldiçoado por um bispo), quanto em sua relação com Laura que, descobrimos atônitos, morreu em um acidente causado pelo próprio Sweeney, a mando de Quarta-Feira.
Aparentemente a ressurreição da 'Esposa Morta" teve um efeito sobre o leprechau, que não parece satisfeito com seu papel nessa trama.
Mais surpreendente ainda foi a decisão de Sweeney em devolver sua moeda da sorte à Laura após conseguir recuperá-la.
Além de ser um episódio potente e muito bonito em seu segmento "Chegando à América", Prayer for Mad Sweeney ainda lançou novas dúvidas quanto aos planos de Quarta-Feira e a grande pergunta dessa primeira temporada:
Por que ele precisa tanto de Shadow a ponto de mandar matar Laura, o fato que colocou o ex-presidiário em seu caminho?
Nesse sentido, o penúltimo episódio da temporada foi certeiro, pois funcionou como um capítulo stand-alone, subvertendo a dinâmica convencional do programa até aqui ao colocar a vinheta "Chegando à América" em primeiro plano aproveitando a ressonância daqueles personagens no presente da série para se amarrar à trama central da história.
Excelente capítulo, belamente escrito e dirigido.
O lado negativo de tudo isso?
Semana que vem será o último capítulo da temporada.
"-É isso que você ganha quando coloca um deus em uma porra de zoológico."
segunda-feira, 12 de junho de 2017
Ninguém Atenderá o Bat-Fone
Hoje a Bat-caverna está mais escura e silenciosa do que o habitual.
Hoje nem mesmo o Coringa de bigodes maquiados de branco de Cesar Romero está rindo, e o histérico Charada de Frank Gorshin estará quieto, e a belíssima Julie Newmar estará de preto, não por elegância ou pela cor de seu uniforme, mas por luto.
Hoje, a cúpula de vidro não será removida, e ninguém atenderá o Bat-Fone.
Na madrugada da última sexta-feira deu-se a passagem de Adam West, ator e dublador mundialmente reconhecido por ter dado vida ao Batman no seriado da década de sessenta.
Frequentemente pichado pelas audiências que odiavam o tom camp do seriado que protagonizou, William West Anderson foi o primeiro Batman de carne e osso de várias gerações, e deixou sua marca no imaginário de milhões de crianças que mais tarde, depois de verem super-produções como os longas de Tim Burton estrelados por Michael Keaton, os tropeços de Joel Schumacher com Val Kilmer e George Clooney, os sensacionais filmes de Christopher Nolan com Christian Bale e até mesmo o Batman homicida de Zack Snyder e Ben Affleck sempre terão um espaço em seus corações para o Batman de West, que não batia em mulher, surfava de uniforme e bat-bermudas, dançava a Batuzi e chegou a usar um capuz cor-de-rosa.
Eu, que desci correndo a lomba da General Auto para chegar na casa da minha vó a tempo de almoçar assistindo Batman no SBT, sei que terei.
Descanse em paz, Cruzado Encapuzado.
Que Gotham City permaneça tão segura e ensolarada quanto foi sob a sua vigilância.
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Resenha DVD: Um Limite Entre Nós
Se ao assistir Um Limite Entre Nós tu tiver a impressão de estar vendo teatro filmado, não se alarme.
Provavelmente era a intenção do diretor/protagonista Denzel Washington ao revisitar a peça que ele próprio estrelou em mais de cem apresentações em 2010, levar o trabalho do dramaturgo August Wilson, responsável pelo script do espetáculo, para uma audiência mais ampla.
Dito isso, Washington faz um ótimo trabalho de direção ao não adulterar a experiência de assistir à uma peça em sua adaptação. Excetuando-se um punhado de cenas, quase toda a história de Um Limite Entre Nós (Estúpido título em português para o original Fences, que em bom português significa "cercas", um conceito recorrente na trama) se passa dentro da casa de Troy Maxson (Denzel Washington), ou no quintal da mesma.
O longa narra como Maxson, um lixeiro de Pittsburgh, tenta criar sua família nos anos cinquenta. Ele está há anos no departamento sanitário, e sua rotina se tornou bastante repetitiva. Todos os dias Troy se levanta de manhã e toma o rumo da capatazia, onde se pendura na traseira do caminhão e percorre a rota jogando o conteúdo das lixeiras na caçamba enquanto conversa com seu bom amigo Bono (Stephen Henderson), ele segue essa rotina até a sexta-feira, quando recebe seu salário semanal, compra uma garrafa de gim e vai pra casa jogar conversa fora com o colega no quintal enquanto bebe no final da tarde.
Troy ama uma plateia e ama contar histórias, seja sobre como fez um pacto com o diabo para mobiliar a casa, seja como ele lutou com a própria Morte enquanto jazia com febre em uma cama de hospital, seja sobre a maldade de seu pai, um catador de algodão do Alabama.
Outra coisa que Troy ama é o beisebol, esporte no qual fora um prodígio das ligas negras que, devido à segregação racial, jamais teve a oportunidade de jogar como profissional, e Rose (Viola Davis), sua esposa e companheira pelos últimos dezoito anos.
Sempre que as narrativas de Troy começam a se tornar excessivamente divergentes da realidade, Rose surge na varanda e endireita o rumo da história.
Troy tem um irmão mais novo, Gabe (Mykelti Williamson), um veterano da Segunda Guerra que voltou do fronte do Pacífico com um ferimento na cabeça que o tornou deficiente, mas que se mudou recentemente da casa de Troy numa demonstração de independência que o irrita profundamente, um filho de outro casamento, Lyons (Russell Hornsby), que eventualmente aparece para tomar algum dinheiro emprestado já que sua carreira como músico não anda muito bem, além de um filho mais jovem, Cory (Jovan Adepo), que aos dezessete anos de idade sonha em obter uma bolsa de estudos universitária jogando futebol americano, algo que Troy não vê com bons olhos.
A vida de Troy é aguardar pela sexta, quando ele pode ir ao bar com seus amigos, flertar com mulheres e beber sem precisar se preocupar em acordar cedo na manhã seguinte.
Essa rotina emoldura uma história sobre relações familiares nas classes trabalhadoras, numa realidade que, nos EUA pode parecer dura, mas para os padrões brasileiros é uma boa vida.
Troy trabalha como lixeiro e nunca tem dinheiro sobrando, mas ele consegue colocar comida na mesa, eventualmente afiançar o irmão que é preso por perturbação da paz, vive em uma casa de três andares com um pequeno quintal que comprou graças à pensão do irmão deficiente, é verdade, mas que é sua, e seu filho tem a chance de ir à universidade.
A dureza da vida de Troy é sopa no mel pra maioria dos brasileiros.
Não.
A verdadeira carga de Um Limite Entre Nós é o legado que Troy está deixando para seus filhos, o peso dos sonhos não realizados e das chances que jamais se consumaram.
O dano que a fuga da rotina que assombra Troy causa em sua vida familiar. E isso independe de classe social.
O longa é sobre como cada pessoa é um produto de seu ambiente, e de como esse ambiente é a grande contribuição de nossos pais à formação de nossa personalidade. Algo que fica dolorosamente claro quando Rose sentencia a Cory que ele é igualzinho ao pai.
É tudo o que Cory não queria. Mas a sombra de Troy, que o perseguia em cada cômodo da casa, o apunhalou e se alojou nele, moldando seu caráter.
A última cena do filme deixa isso bastante claro de uma maneira tão bela quanto devastadora.
Obviamente um drama familiar desse calibre é tudo o que atores como Denzel Washington e Viola Davis podiam querer.
Os dois reprisam os papéis que interpretaram no teatro (à exceção de Cory e Raynell todos os atores são egressos da versão da Broadway) e simplesmente destroem nas interpretações.
Troy Maxson é um papel sob medida para os maneirismos de Washington, que suaviza as facetas mais pérfidas do personagem de modo a mantê-lo charmoso, divertido, com sua fala mansa e seus maneirismos ajuda a entender porque Rose permanece com ele a despeito de suas falhas de caráter.
Viola Davis é outra monstra, ela, que trapaceou bonito ao se candidatar como "atriz coadjuvante" e aumentar exponencialmente suas chances de vitória no Oscar é magnética. A cena do choro no trailer, sozinha, já era melhor que atuações de outras atrizes em filmes inteiros, e Viola Davis vai muito além do choro. Ela é terna quando tenta suavizar as arestas de Troy, austera quando cria seus filhos, e parece uma mulher de gelo quando Troy a desaponta.
E se Washington e Davis têm mais tempo na ribalta, não se engane, há espaço para todo mundo brilhar, ao menos uma cena onde cada um dos personagens, do afável Lyons de Hornsby ao rebelde Cory de Adepo, passando pelo sábio Bono de Henderson e o complicado Gabriel de Williamson, que poderia facilmente virar uma caricatura, todos os personagens ganham a atenção da câmera de Denzel Washington para entregar ao menos um grande momento.
Com a cinematografia esperta de Charlotte Bruus Christensen, trabalho seguro de Washington em seu terceiro longa como diretor, e um esforço de elenco espetacular, Um Limite Entre Nós perde um pouco de seu potencial de crítica social quando visto por uma audiência habituada às agruras da vida em um país de terceiro mundo, mas o peso do drama humano permanece intacto, garantindo 138 minutos de pujança emocional em um longa que merece audiência.
Assista. É um belíssimo filme.
"-Algumas pessoas erguem cercas para manter as pessoas fora. Outras as erguem para manter as pessoas dentro."
Resenha DVD: John Wick: Um Novo Dia Para Matar
Há uma piada recorrente entre fãs de cinema a respeito das minguadas capacidades artísticas de Keanu Reeves, um astro de cinema sem tirar nem pôr, mas, segundo o senso comum, um ator de médio pra menos.
Eu, particularmente, sempre gostei dos filmes de Reeves, ou ao menos gostei de Reeves em seus filmes, até as porcarias como O Dia em que a Terra Parou, Os Reis da Rua e A Casa do Lago, filmes menores, ou mal executados onde a presença de Reeves, que exala uma qualidade cool que independe de talento dramático, atenua a jornada, por vezes, indigesta.
Reeves não precisa ser bom ator, porque é boa pinta, carismático e tem presença de astro de cinema.
Por isso nós seguimos indo ao cinema para ver coisas como 47 Ronins, e paramos pra ver Matrix toda a vez que está repetindo na TNT.
Mas nesse final de semana, fiz uma maratona de John Wick, os dois longas, de 2014 e desse ano um após o outro, e percebi que chegar aos cinquenta anos, ainda que não tenha mudado a fisionomia de Reeves em nada, o fez amadurecer como ator de uma maneira curiosa.
Keanu Reeves não se tornou Jack Nicholson, acredito que jamais desejou sê-lo, mas ele alcançou uma maturidade e um senso de si mesmo que fazem com que sua expressão corporal diga tudo o que a sutileza de suas expressões faciais eventualmente não diz.
O diálogo de Reeves é escarço nos dois filmes, ainda assim, seus rosnados, acenos e a forma como ele luta dizem tudo o que o anti-herói está pensando, e nos mostram tudo o que ele é.
É difícil não achar espetacular que o diretor (e ex-dublê de Reeves em Matrix) Chad Stahelski, tenha sido capaz de criar uma atmosfera para aproveitar essa faceta do talento de Reeves, além de sua fisicalidade quase bailarina para sequências de ação e, claro, sua presença de tela nos dois longas.
John Wick: Um Novo Dia Para Matar, cretino título em português de John Wick: Chapter 2 abre quase que imediatamente após os eventos do primeiro longa, quando o legendário matador de aluguel vivido por Reeves saiu da aposentadoria após a viuvez para se vingar dos marginais que roubaram seu carro e mataram seu cachorro.
Apesar de já ter matado todos os responsáveis diretos e indiretos pelo crime, Wick ainda precisa recuperar seu cabuloso Mustang.
É nessa sequência de abertura, com a participação de Peter Stormare vivendo o irmão de Viggo Tarasov, personagem de Michael Nyqvist no primeiro longa, que somos lembrados da profundidade da lenda de John Wick.
O bicho-papão do submundo dos matadores de aluguel é uma força tão inexorável que, quando ele quer sua cabeça, tudo o que você pode fazer é sentar no escuro e rezar.
Mas Wick não foi atrás da cabeça de Abram Tarasov. Ele foi atrás de seu carro.
E após eliminar uma dúzia de capangas, ele oferece paz ao mafioso, que, incrédulo, aceita.
John volta para sua casa confortável, para viver entre as lembranças de sua esposa (Bridget Moynahan) ao lado de seu pitbull sem nome.
Ele enterra novamente suas armas e moedas de ouro, e se prepara para voltar à sua aposentadoria.
Mas a aposentadoria parece um objetivo impossível para John, pois ele imediatamente recebe a visita de Santino D'Antonio (Riccardo Scamarcio), um poderoso mafioso que tem uma Promissória de John, após tê-lo ajudado a sair da vida de matador, e a utiliza para pedir um serviço.
Inicialmente, John nega, mas as Promissórias, assim como tudo mais na admirável mitologia desse submundo de matadores do Wickverso, é uma obrigação pétrea, e após ter sua casa explodida, John repensa sua resposta, e aceita o trabalho.
Infelizmente, porém, realizar a tarefa que D'Antonio lhe deu não é o caminho para a paz que John supunha. E ele não tarda a se ver enredado em uma teia de traição que coloca sua cabeça a prêmio novamente, e todos os assassinos de Nova York em seu encalço, o forçando a permanecer em movimento e encerrar o contrato contra si da única maneira que sabe:
Matando todos aqueles que são burros o suficiente para ficar em seu caminho.
John Wick: Um Novo Dia Para Matar não é um filme tão redondinho quanto o primeiro longa com sua trama de vingança reta e direta, ainda assim é tão repleto de qualidades que fica difícil não se surpreender.
O longa escrito por Derek Kolstad, mesmo roteirista do primeiro longa (Já notaram que a quantidade de escritores é sempre inversamente proporcional à qualidade do filme?) é audacioso, divertido e violento, equilibrando a brutalidade das geniais cenas de ação com um sarcasmo cheio de personalidade dosado na medida e uma mitologia que dá uma surra de relho em qualquer remake e em muitas das adaptações de quadrinhos e livros que vemos inundando o cinema temporada após temporada.
Mesmo se o longa não fosse tão bem equilibrado quanto é em sua proposta, já seria um deleite poder andar novamente pelos obscuros corredores do labiríntico mundo dos assassinos desse universo cheio de regras, promessas de sangue e casas-seguras onde questões profissionais não devem entrar e pessoas que tentavam explodir a cabeça uma da outra cinco minutos antes podem sentar e cordialmente dividir uma bebida. Salas de informação com computadores que parecem rodar DOS sendo operados por telefonistas meio pin-up meio suicide girl, alfaiates que após perguntar a quantidade de botões do terno, o caimento das calças, e se o traje é para dia, ou noite, mostram o poder da blindagem entre as camadas de tecido, e o sommelier não é versado em vinhos, mas sim em armas que ele recomenda como se fossem as etapas de um banquete.
Sim.
É meio brega e sem sentido, mas é divertido, e, na realidade do Wickverso parece natural. Especialmente quando vemos Reeves usando um fino terno negro para se proteger de disparos de escopeta na cara enquanto atravessa mares de capangas letais como se fosse uma faca cortando um bolo.
O elenco manda bem demais, e todos parecem genuinamente se divertir fazendo seus papéis, dos egressos do primeiro longa Ian McShane, John Leguizamo e Lance Reddick aos novatos Franco Nero, Peter Serafinowicz, Common, Ruby Rose e Laurence Fishburne (Sim, Neo e Morpheus se reencontram em John Wick 2), cada um deles crava os dentes com vontade nesses personagens que são unidimensionais de uma maneira tão franca que não podemos evitar de gostar deles e dos sabores diversos que trazem ao desenvolvimento da trama.
Mas por mais que tudo seja bacana em John Wick: Um Novo Dia Para Matar, o grande diferencial do longa é a ação. E Chad Stahelski manja demais do riscado.
Contando com a visão do cinematógrafo Dan Lausten e o compromisso de Keanu Reeves ele transformm cada sequência de luta em um balé tão gracioso quanto violento que acompanhamos sem cortes excessivos, muitas vezes em belíssimos planos-sequência que transcorrem diante dos olhos da audiência que vê o quão versado é John Wick em seu ofício.
As sequências embaladas pelo som de ossos quebrando e sangue jorrando jamais são repetitivas, Stahelski e Kolstad sempre têm um ângulo diferente, uma abordagem diferente, um estilo diferente para chegar à história que aquela luta em particular conta.
É bacana ver um filme de ação que se preocupa em utilizar a expressão corporal da forma que John Wick faz.
Cada personagem que cai na porrada o faz com sua própria voz. Ares, a personagem de Ruby Rose, luta como uma fera, cheia de movimento exaltado, amplo, quase histérico. Cassian, o assassino vivido por Common, é direcionado, seus golpes são secos e parecem sempre estar tentando terminar a luta o mais cedo possível. E Wick é todo elegância e precisão, saindo das sombras para tragar os malfeitores em seu caminho como um Batman de paletó de dois botões que não pensa duas vezes antes de encerrar cada conversa com uma bala no crânio ou uma facada no peito. E Reeves o torna verossímil, ao menos neste mundo criado por Derek Kolstad, pois além de ser um ator que amadureceu e que usa a fisicalidade como voz, Reeves é um apaixonado pelo gênero que consegue percorrer distâncias que outros heróis de ação não conseguem.
John Wick: Um Novo Dia Para Matar é um programaço, o melhor longa de ação do ano até aqui, e deixa margem para uma sequência pela qual eu já estou ansioso.
Assista, vale demais a pena.
"-Quem quer que venha, eu vou matá-los. Eu vou matar todos."
sábado, 10 de junho de 2017
O Primeiro Trailer de Pantera Negra
E conforme prometido ontem a Marvel divulgou o primeiro trailer de Pantera Negra, identidade super-heroica de T'Challa, rei de Wakanda, que fez seu debute cinematográfico em Capitão América: Guerra Civil na pele de Chadwick Boseman.
Confira abaixo a prévia que mostra Everett Ross (Martin Freeman), Ulisses Klawe (Andy Serkis), Michael B. Jordan (Erik Killmonger), além de Lupita Nyong'o, Forrest Whitaker entre outros em meio à gloriosa nação africana que possui a maior tecnologia do mundo.
Maneiro, né?
Dirigido por Ryan Coogler, de Fruitvalle Station e Creed: Nascido Para Lutar, o longa chega aos cinemas em fevereiro do ano que vem.
Confira abaixo a prévia que mostra Everett Ross (Martin Freeman), Ulisses Klawe (Andy Serkis), Michael B. Jordan (Erik Killmonger), além de Lupita Nyong'o, Forrest Whitaker entre outros em meio à gloriosa nação africana que possui a maior tecnologia do mundo.
Maneiro, né?
Dirigido por Ryan Coogler, de Fruitvalle Station e Creed: Nascido Para Lutar, o longa chega aos cinemas em fevereiro do ano que vem.
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terça-feira, 6 de junho de 2017
Resenha Série: Deuses Americanos. Temporada 1 Episódio 6: A Murder of Gods
Atenção, há spoilers!
Deixe-me abrir essa resenha dizendo que eu acho uma puta sacanagem uma série cuja temporada tem apenas oito episódios se dar ao luxo de ter fillers.
A Murder of Gods, esse sexto capítulo de American Gods só não foi um filler autêntico porque foi um episódio bom, mas a verdade é que não avançou em absolutamente nada a história e não nos deu nenhuma nova informação, exceto que a árvore que atacou Shadow no último capítulo é o senhor Madeira.
Mas, conforme eu disse antes, a despeito de ser um filler, A Murder of Gods ainda foi um bom capítulo. Desde a abertura com a vinheta "Chegando à América" estrelada pelo Jesus mexicano mencionado por Quarta-Feira em Head Full of Snow, um segmento que não tinha como ser mais atual e que, em sua conclusão, se mostrou absolutamente integrado ao restante do episódio.
Após escaparem da delegacia no capítulo anterior, Shadow e Quarta-Feira voltam ao motel e seguem viagem, deixando para trás Laura.
Aparentemente a esposa morta é um obstáculo que Quarta-Feira quer evitar a qualquer custo, tanto que ele literalmente corre pra deixar ela pra trás e seguir sua viagem.
A próxima parada dos protagonistas é a cidade de Vulcan, na Virgínia, onde eles encontram... Bem, Vulcano, ou Hefesto, como ele era conhecido na mitologia grega, antes de ser rebatizado pelos romanos, o deus do fogo e das forjas.
Vulcano vive uma vida confortável na pequena cidade americana, toda construída ao redor da fábrica onde são fabricadas munições e armas diversas.
A cidade, por sinal, é brilhantemente apresentada como uma cidadezinha do meio-oeste americano capitaneada por Leni Riefenstahl, com suas ruazinhas estreitas à sombra das chaminés habitadas por pessoas de todas as idades portando armas de todos os calibres com faixas vermelhas ostentando o logo da fábrica no braço.
Lá, o antigo deus do fogo encontrou seu lugar, "cada bala disparada", diz ele, "é uma oração a mim", "cada troteio em um cinema lotado, um sacrifício em meu nome".
Não fica difícil sacar que Vulcan, que desrespeita Quarta-Feira e fala misturando termos corporativos e religiosos já tem sua lealdade empenhada, e não estará ao lado dos velhos deuses em Wisconsin, especialmente após forjar uma espada para o maquinador de toda a rebelião.
Isso é metade do episódio, a outra metade mostrou um novo grupo se formando, Laura e Mad Sweeney se reencontram, e tentam roubar um velho táxi.
O táxi que Salim herdou do Jinn em Head Full of Snow.
Os três, então partem juntos, já que o leprechau diz à Laura que pode encontrar alguém capaz de ressuscitá-la, para que ela não precise mais da moeda da sorte dele, e diz a Salim que pode ajudá-lo a encontrar o Jinn em troca de uma carona.
Por divertidas que sejam as interações maldosas entre Sweeney e Salim e Laura, vou confessar que esse segmento me parece uma tremenda encheção de linguiça.
Laura procura seu lugar no mundo. OK, entendemos. Mas precisamos de metade de um episódio dedicada à ela?
O arco que ela protagoniza não tem metade do peso do arco de Shadow e Quarta-Feira, então fica a torcida para que Laura, Sweeney e Salim sejam mais do que apenas alívio cômico haja vista o tempo de tela que o trio tem.
Apesar dos pesares, A Murder of Gods foi mais um bom episódio de Deuses Americanos, mostrando que o programa mantém espaço em sua mitologia singular para falar de temas tão atuais como crise migratória, um assunto recorrente em uma série sobre deuses estrangeiros que chegam à América, quanto violência com armas de fogo.
E, pra não dizer que não acrescentou nada ao rol de informações às quais a audiência tem acesso, nos ensinou que não é apenas através do esquecimento de seus fiéis que um deus pode morrer.
"-Deus é ótimo.
-A vida é ótima."
Resenha DVD: Silêncio
Martin Scorsese manja do riscado.
Ponto.
Se o nome do sujeito está ali, do lado da palavra "diretor", isso significa que tu pode ficar tranquilo e ir assistir ao filme porque ele é bom pra caralho.
Ponto.
E a única razão para eu não ter corrido pro cinema e assistido Silêncio na estréia, foi porque ela se deu quando eu já estava de férias na praia, e ele não permaneceu tempo suficiente em cartaz para que eu o visse ao voltar.
Para minha sorte, esse foi um dos filmes que eu ainda não havia visto que estavam pendurados na estante da locadora no sábado de tarde, e eu consegui colocar minhas garras nele.
O longa narra a história de dois jovens padres jesuítas portugueses, Sebastião Rodrigues (o Homem-Aranha Andrew Garfield) e Antonio Garupe (o Kylo Ren Adam Driver), que em 1637 recebem de seu superior, padre Valignano (Ciarán Hinds) a notícia de que o mentor de ambos, o jesuíta Cristóvão Ferreira, após ser exposto aos terrores da perseguição do Estado ao cristianismo no Japão, cometeu apostasia, e abandonou o clero.
Nenhum dos dois jovens consegue conceber a ideia de que Ferreira possa ter enveredado por tal caminho, especialmente quando seu último contato, uma carta que precisou ser contrabandeada até Portugal, não narra absolutamente nada que possa levar os religiosos a acreditar em tal boato.
Imediatamente os dois se voluntariam para viajar ao Japão e lá, aumentar o rebanho de nosso Senhor enquanto tentam descobrir o paradeiro e o verdadeiro destino do padre Ferreira.
Viajando para a China, e partindo clandestinamente de Macau à costa japonesa, os dois jovens clérigos acompanhados de seu guia, o bêbado atormentado Kichijiro (Yôsuke Kubozuka), um cristão que abandonou a fé, chegam à uma terra onde os cristãos são tão devotados quanto perseguidos, e onde o Xogunato Tokugawa não economizou em crueldade para impedir e expansão da fé que chegara importada da Europa.
Uma vez nas terras nipônicas, Rodrigues e Garupe são recepcionados por cristãos japoneses ansiosos por serem arrebanhados por um autêntico pastor de Jesus, essas pessoas, humildes camponeses arriscando sua vida em nome da fé, abrigam e alimentam aos dois jesuítas, que na calada da noite passam a celebrar missas, ouvir confissões e celebrar batizados.
Não tarda para que a vontade de ambos de procurar por Ferreira vá ao encontro das visitas das autoridades locais, que chegam ao vilarejo onde eles se escondem para punir os cristãos.
Após testemunhar os horrores aos quais os fiéis são expostos, Rodrigues e Garupe precisam fugir, e se separam, pois há outras vilas onde os "kirishitan" precisam do apoio de um sacerdote.
Enquanto Garupe fica no vilarejo onde ele e Rodrigues se esconderam primeiro, o segundo parte em uma nova viagem, que culmina com sua captura pelas autoridades locais.
E se Sebastião achava que estava passando por uma provação até ali, a partir de então ele mergulha em um verdadeiro inferno enquanto é confrontado com os tormentos que lhe são preparados pelo inquisidor Inoue-sama (Issey Ogata) para convencê-lo a incorrer em apostasia.
Uma dolorosa jornada que o fará questionar suas convicções, a validade de sua missão no Japão e a sua própria fé.
Espetacular.
Adaptando o romance de Shusaku Endo, Scorsese e seu co-roteirista Jay Cocks criam uma experiência visceral de dor e comprometimento.
O diretor mantém sua câmera à distância do sofrimento dos protagonistas garantindo que a audiência não tenha escapatória exceto encarar o horror e se colocar no lugar de Rodrigues e no de Ferreira antes dele, que além de serem torturados são obrigados a assistir a tortura e a morte dos cristãos que se recusam a cometer sacrilégio, e depois mesmo daqueles que se sujeitam à pisar nas imagens sacras e cuspir em crucifixos.
Scorsese não oferece respostas às perguntas que Silêncio suscita. Apenas dá à audiência ferramentas para escolher suas próprias conclusões.
O roteiro incrivelmente é equilibrado o suficiente para não demonizar os japoneses à despeito das atrocidades que eles cometem.
Os personagens de Ogata e de Tadanobu Asano ganham espaço para expôr seus pontos de vista e por mais que não sejamos capazes de concordar com seus métodos, não podemos negar a legitimidade de sua oposição ao crescimento da fé cristã no Japão.
Scorsese também não santifica seu protagonista.
A jornada de Rodrigues é repleta de falhas, dúvidas e medo.
Ele é um ser humano em terra estranha, passando por experiências que o fazem questionar todo o fundamento do que ele tinha como sua mais constante característica, a fé. Rodrigues é desconstruído por sua experiência, e reage à altura.
A interpretação de Andrew Garfield é acertada, comedida, tão boa ou melhor do que sua performance indicada ao Oscar em Até o Último Homem. Adam Driver tem pouco tempo de tela, mas também manda bem demais, e Liam Neeson dá um tempo em seu momento de action-hero pra relembrar ao mundo que sabe e muito, atuar.
Sua primeira aparição, em uma longa e silenciosa tomada, mostra a face desesperada de um homem alquebrado. E quando ressurge no terceiro ato do filme, vemos a profundidade do trauma das experiências pelas quais passou.
O elenco japonês também tem destaques. Os principais provavelmente são Yôsuke Kubozuka, praticamente um exemplo vivo do que Inoue-Sama tenta explicar à Rodrigues, além de Shin'ya Tsukamoto e Yoshi Oida, os aldeões cristãos que recebem aos jesuítas quando chegam ao Japão.
Com trabalho de primeiríssima categoria do elenco, parte técnica acima da média, trilha sonora minimalista como o título do longa pede, e um roteiro e direção sensacionais, Silêncio é mais uma obra-prima de Scorsese, estranhamente esnobada pela temporada de premiações mais política dos últimos anos.
Não tem problema. Scorsese não precisa de mais láureas, mas Silêncio é um filme que merece audiência.
Assista.
É um dos melhores, se não o melhor filme lançado no Brasil esse ano.
"Me sinto tão tentado. Me sinto tão tentado ao desespero. Eu tenho medo. O peso de Seu silêncio é terrível. Eu rezo mas estou perdido. Ou estou apenas rezando pra nada. Nada. Porque Você não está lá."
segunda-feira, 5 de junho de 2017
Resenha DVD: Assassin's Creed
Assassin's Creed, o game da desenvolvedora franco canadense Ubisoft que deu um respiro aos games estilo sandbox antes de se perder em si própria alguns anos atrás era um jogo tão cinematográfico que, francamente, me surpreende que não tenha virado filme mais cedo.
O primeiro game, de 2008, narrava a história de Desmond Miles, um bartender que era sequestrado pelo conglomerado industrial Abstergo e colocado em um aparato tecnológico chamado Animus para reviver as memórias de um ancestral, o assassino Altaïr Ibn La-Ahad, que durante as cruzadas se envolveu em uma guerra contra os templários para proteger um artefato de grande poder chamado de Pomo do Éden.
O game misturava luta com espadas, parkour, escalada e investigação em um ambiente de mundo aberto e, a despeito de ser um bocado repetitivo, foi o embrião de uma bem-sucedida franquia que se estende por dez anos com, pelo menos, um título lançado anualmente.
Quando foi anunciado que o game viraria filme, eu não fiquei surpreso. Surpreso eu fiquei quando descobri que Michael Fassbender seria o produtor e protagonista do longa.
E quando descobri que ele seria dirigido por Justin Kurzel, de Macbeth: Ambição e Guerra.
Não me lembro ao certo o motivo pelo qual não fui assistir Assassin's Creed no cinema em janeiro. É possível que eu tenha refugado ante a negatividade das críticas, ou que eu simplesmente tenha resolvido deixar pra depois e procrastinei até o filme sair de cartaz já que em janeiro eu acho que só fui ao cinema duas ou três vezes.
No sábado, após duas semanas sem conseguir passar na locadora, apanhei logo três filmes, e um deles foi justamente a adaptação da série dos matadores que trabalham nas sombras para servir à luz.
O longa começa na Espanha, em 1492, com a iniciação de Aguilar de Nerha (Michael Fassbender) na melhor tradição dos games. Em um sombrio quartel da ordem, ele presta seu juramento, e abre mão de seu dedo anular para brandir a lâmina oculta dos assassinos.
Daí corta para os anos oitenta. O pequeno Callum Lynch (Angus Brown) tenta executar proezas com sua bicicleta, saltando entre contêineres e telhados, após algumas tentativas frustradas, ele chega em casa e descobre o corpo de sua mãe, morta à mesa. Ao lado dela, o pai do menino está parado, segurando uma lâmina ensanguentada junto ao pulso. Ele ordena ao menino que fuja conforme utilitários pretos começam a cercar a casa.
O menino obedece.
Estamos no presente. Callum , já adulto (e com a cara de Michael Fassbender) aguarda a injeção letal, pena à qual foi condenado por assassinato. Ele recebe a visita de um padre, e brinca com o fato de que será executado em seu aniversário.
Quando recebe a injeção, ele experimenta breves alucinações antes de perder os sentidos.
Mas Callum não está morto.
Ele desperta em uma instalação industrial, onde a doutora Sophia Rikkin (Marion Cotillard) lhe explica que ele está legalmente morto. Callum, recebe a explicação de que foi sequestrado pela Abstergo, e que em seu DNA está a chave para a localização de um artefato que contém a semente da desobediência do Homem. E que de posse de tal objeto, a Abstergo, empresa que serve de fachada aos modernos templários, poderá, finalmente, acabar com a violência e trazer paz ao mundo.
Callum é levado até um moderno aparato em forma de garra, e lá, é levado a reviver as memórias de seu ancestral, Aguilar de Nerha, assassino espanhol do Século XV, que durante a Inquisição Espanhola precisa impedir que Tomás de Torquemada use o filho do sultão Muhamad XII, príncipe Ahmed de Granada, como moeda de troca para obter o Pomo do Éden.
Callum, então, é exposto a sucessivas sessões no Animus, ao mesmo tempo em que descobre que a instalação para onde foi levado abriga vários outros como ele, pessoas que descendem de assassinos, tais como Moussa (Michael K. Williams), que descende de um envenenador vodu chamado Baptiste, e seu próprio pai (agora vivido por Brendam Gleeson), que tentam convencê-lo a sabotar a busca dos templários, que pode pôr fim ao credo dos Assassinos, e, mais do que isso, ao livre arbítrio da humanidade.
Mas será que Callum, cheio de ódio pelos assassinos por conta do destino de sua mãe, irá acreditar nas palavras dos membros da ordem, ou ele será seduzido por Sophia e seu pai, Allan Rikkin (Jeremy Irons) e entregar a arma definitiva à Ordem dos Templários?
Eu me lembro de, quando as peças todas foram reveladas a respeito de Assassin's Creed pensar que o longa provavelmente seria o filme de videogame a dar um passo além com relação ao bom Warcraft: O Primeiro Encontro de Dois Mundos.
Eu, de fato, imaginei que o longa, com grande elenco, bom diretor e uma fonte genuinamente cinematográfica tinha todas as peças para ser um divisor de águas para as adaptações de videogames para cinema.
Mas não.
Infelizmente Assassin's Creed não decola.
O longa esbarra no mesmo problema que tantas outras adaptações de games:
A ausência da ação mão-na-massa, da interatividade de ter o controle do protagonista nas mãos na hora do vamos ver.
Com isso, o longa se torna um festival de falatório expositivo entrecortado por sequências de ação que, por mais bem intencionadas que sejam, pouco têm a oferecer em termos de novidade, soando sempre requentadas.
Chega a ser incômodo ver Fassbender, Cotillard, Williams, Irons, Labed e Charlotte Rampling perdidos no meio do festival de métodos extravagantes de alcançar suas agendas sinistras que os personagens, todos porcamente construídos e emocionalmente rasos feito pires, vomitam constantemente.
Ninguém parece real, nós não ligamos para nenhum desses simulacros, porque tudo o que eles fazem é avançar a história e dispensar informação narrativa crucial pra manter a audiência mais ou menos inteirada do que está acontecendo, mas a verdade é que, o resultado final é tão embaraçoso que talvez fosse melhor não estar tão por dentro de tudo e poder dar ao filme o benefício da dúvida. "Talvez eu não tenha entendido essa parte, por isso não gostei...".
Não é o caso, porém.
Assassin's Creed não é denso ou complexo, sequer é hermético.
É apenas vazio.
Pena.
"-Onde outros homens seguem cegamente à verdade, lembre-se...
-Nada é verdadeiro.
-Onde outros homens são limitador por sua moralidade ou lei, lembre-se...
-Tudo é permitido.
-Nós trabalhamos nas sombras para servir à luz.
-Nós somos assassinos."
Resenha DVD: Quatro Vidas de um Cachorro
Acredito que todo mundo tenha ficado cinte da celeuma que se formou em torno de Quatro Vidas de um Cachorro pouco antes do lançamento do filme, quando o site TMZ divulgou um vídeo onde um pastor alemão era coagido a saltar na água contra a sua vontade para uma cena do longa.
Houve divisão na opinião pública, com gente achando normal que, eventualmente o cão fosse obrigado a agir contra seus instintos durante as filmagens (sabemos que praticamente todos os cães domésticos são forçados a agir contra seus instintos todos os dias em maior ou menor grau), enquanto outras pessoas, e especialmente organizações de proteção animal exigiram até mesmo que o longa fosse embargado e boicotado por partidários dos direitos dos animais.
Seja como for, a má exposição pública não pareceu ter afetado a bilheteria do filme, que com orçamento de 22 milhões de dólares fez uma robusta carreira de 193 milhões de bilheterias.
Ontem eu resolvi, a despeito da celeuma, dar uma chance ao longa, agindo contra os meus instintos, haja vista que sou dono de cachorro e um rematado chorão no que tange a películas estreladas por animais.
O longa dirigido por Lasse Hallström, o mesmo miserável que me faz chorar até na academia com Sempre ao Seu Lado a partir do livro de W. Bruce Cameron adaptado pelo próprio mais Cathryn Michon, Audrey Wells, Maya Forbes e Wally Wolodarsky conta a história do cão Bailey a partir do ponto de vista do próprio, dublado por Josh Gad.
Um golden retriever vermelho que, nos anos sessenta, é adotado pelo garoto Ethan (Bryce Gheisar) após sua mãe (Juliet Rylance) resgatá-lo do carro onde ele estava trancado, Bailey é um cão inquieto e brincalhão, e não tarda a se tornar o melhor amigo do jovem Ethan, e a dor de cabeça do pai do menino, um sujeito que não chega a ser mau, mas tem disposições complicadas e um fraco pela bebida.
Alheio aos problemas ao seu redor, Bailey só se interessa em estar próximo de Ethan, o que ele faz com facilidade conforme o garoto cresce.
Já na adolescência de Ethan (agora com a cara de K. J. Apa), Bailey segue ao seu lado enquanto ele se torna um prodígio do futebol americano secundarista, e se apaixona pela gatinha Hannah (Britt Robertson), formando um triângulo amoroso asquerosamente fofo.
Nem tudo são flores na vida de Ethan, porém.
Na mesma noite em que consegue uma bolsa de estudos integral na universidade do Michigan, Ethan recebe uma visita perturbadora do pai bêbado, e entra em uma briga com um colega invejoso, fatos que culminam em uma pegadinha que acaba muito mal.
De uma só vez, Ethan vê seu futuro ser arrancado de suas mãos, e é durante seus anos mais sombrios que Bailey, já velhinho, morre, sem ver seu amigo ser feliz novamente.
O que Bailey não sabia, porém, é que estava destinado a retornar.
E o faz, dessa vez na pele da pastora alemã Ellie, que ainda filhote é colocada sob a tutela do policial da divisão K-9 Carlos (John Ortiz), um homem sério e solitário, mas bom e justo.
Ellie demora a cativar o policial, mas quando o faz, é de maneira total e inapelável. A ponto de Ellie estar disposta a morrer por Carlos.
Em seguida, é a hora de Ellie retornar como o corgi galês Tino, adotado pela solitária Maya (Kirby Howell-Baptiste), uma estudante com dificuldades de relação a quem Tino serve como única companhia por anos.
Os dois vão juntos à toda parte e dividem tudo, tendo apenas um ao outro, ao menos até Maya finalmente se abrir, e Tino ver-se parte de uma família muito maior e ainda mais feliz.
Mas a vida de um cão é fugaz, e não tarda para Tino cumprir sua jornada, e voltar como Buddy, uma mistura de São Bernardo e pastor australiano que tem o azar de ser adotado por uma garota volúvel que vive com um caipira desalmado.
Ele cresce amarrado num quintal cheio de entulho até finalmente ser abandonado numa rodovia.
De lá, ele vaga por lugares desconhecidos até finalmente chegar a um lugar familiar. Uma antiga fazenda que não parece ter mudado muito nos últimos quarenta e tantos anos, e o fazendeiro não é ninguém menos do que Ethan (agora Dennis Quaid).
Bailey percebe, então, que tem a oportunidade de reencontrar seu velho amigo, e ajudá-lo a ser feliz como não conseguira antes, uma oportunidade que ele não está disposto a deixar passar enquanto aprende qual o verdadeiro propósito de um cachorro.
Quatro Vidas de um Cachorro está numa descarada categoria de filmes que parecem planejados pra ordenhar lágrimas da audiência, e o faz ao transitar por todos os sub-gêneros de filmes caninos que existem, do cão policial ao cão que envelhece vendo a família crescer passando pelo cão que vaga pelo mundo sem entender o que se passa, está tudo lá, como assistir Meu Melhor Companheiro, K-9: Um Policial Bom pra Cachorro, Marley & Eu e Sempre ao Seu Lado em uma hora e quarenta minutos de choro copioso com eventuais sorrisos pelo caminho.
Lasse Hallström manja de cinema, tem uma assinatura visual linda e, em seus melhores momentos, joga com as emoções da audiência como se fosse o Homem-Psíquico, filmes como Gilbert Grape: Aprendiz de Sonhador e Regras da Vida são testemunho do talento do sueco, que aqui, usa seu repertório descaradamente para o mal.
Não me entenda errado.
Quatro Vidas de um Cachorro não é um filme diabolicamente ruim, não. Mas é manipulativo além da conta, e o roteiro é um exemplo claríssimo da bagunça narrativa que ocorre quando temos cinco pares de mãos enfiadas em uma receita.
Há diversas chances desperdiçadas na adaptação, exceto a de espremer um pouco mais de choro de quem está sentado diante da tela.
Ainda que não seja um grande filme, e tenha sua cota de problemas narrativos, Quatro Vidas de um Cachorro é uma boa pedida pra quem adora esses amigões peludos de quatro patas e não tem vergonha de chorar feito um desgraçado diante da TV.
Pra assistir com um lenço na mão.
"-Eu tinha um propósito. Eu era necessário de novo e de novo e de novo. E a cada nova vida eu aprendia uma nova lição."
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