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terça-feira, 6 de junho de 2017

Resenha DVD: Silêncio


Martin Scorsese manja do riscado.
Ponto.
Se o nome do sujeito está ali, do lado da palavra "diretor", isso significa que tu pode ficar tranquilo e ir assistir ao filme porque ele é bom pra caralho.
Ponto.
E a única razão para eu não ter corrido pro cinema e assistido Silêncio na estréia, foi porque ela se deu quando eu já estava de férias na praia, e ele não permaneceu tempo suficiente em cartaz para que eu o visse ao voltar.
Para minha sorte, esse foi um dos filmes que eu ainda não havia visto que estavam pendurados na estante da locadora no sábado de tarde, e eu consegui colocar minhas garras nele.
O longa narra a história de dois jovens padres jesuítas portugueses, Sebastião Rodrigues (o Homem-Aranha Andrew Garfield) e Antonio Garupe (o Kylo Ren Adam Driver), que em 1637 recebem de seu superior, padre Valignano (Ciarán Hinds) a notícia de que o mentor de ambos, o jesuíta Cristóvão Ferreira, após ser exposto aos terrores da perseguição do Estado ao cristianismo no Japão, cometeu apostasia, e abandonou o clero.
Nenhum dos dois jovens consegue conceber a ideia de que Ferreira possa ter enveredado por tal caminho, especialmente quando seu último contato, uma carta que precisou ser contrabandeada até Portugal, não narra absolutamente nada que possa levar os religiosos a acreditar em tal boato.
Imediatamente os dois se voluntariam para viajar ao Japão e lá, aumentar o rebanho de nosso Senhor enquanto tentam descobrir o paradeiro e o verdadeiro destino do padre Ferreira.
Viajando para a China, e partindo clandestinamente de Macau à costa japonesa, os dois jovens clérigos acompanhados de seu guia, o bêbado atormentado Kichijiro (Yôsuke Kubozuka), um cristão que abandonou a fé, chegam à uma terra onde os cristãos são tão devotados quanto perseguidos, e onde o Xogunato Tokugawa não economizou em crueldade para impedir e expansão da fé que chegara importada da Europa.
Uma vez nas terras nipônicas, Rodrigues e Garupe são recepcionados por cristãos japoneses ansiosos por serem arrebanhados por um autêntico pastor de Jesus, essas pessoas, humildes camponeses arriscando sua vida em nome da fé, abrigam e alimentam aos dois jesuítas, que na calada da noite passam a celebrar missas, ouvir confissões e celebrar batizados.
Não tarda para que a vontade de ambos de procurar por Ferreira vá ao encontro das visitas das autoridades locais, que chegam ao vilarejo onde eles se escondem para punir os cristãos.
Após testemunhar os horrores aos quais os fiéis são expostos, Rodrigues e Garupe precisam fugir, e se separam, pois há outras vilas onde os "kirishitan" precisam do apoio de um sacerdote.
Enquanto Garupe fica no vilarejo onde ele e Rodrigues se esconderam primeiro, o segundo parte em uma nova viagem, que culmina com sua captura pelas autoridades locais.
E se Sebastião achava que estava passando por uma provação até ali, a partir de então ele mergulha em um verdadeiro inferno enquanto é confrontado com os tormentos que lhe são preparados pelo inquisidor Inoue-sama (Issey Ogata) para convencê-lo a incorrer em apostasia.
Uma dolorosa jornada que o fará questionar suas convicções, a validade de sua missão no Japão e a sua própria fé.
Espetacular.
Adaptando o romance de Shusaku Endo, Scorsese e seu co-roteirista Jay Cocks criam uma experiência visceral de dor e comprometimento.
O diretor mantém sua câmera à distância do sofrimento dos protagonistas garantindo que a audiência não tenha escapatória exceto encarar o horror e se colocar no lugar de Rodrigues e no de Ferreira antes dele, que além de serem torturados são obrigados a assistir a tortura e a morte dos cristãos que se recusam a cometer sacrilégio, e depois mesmo daqueles que se sujeitam à pisar nas imagens sacras e cuspir em crucifixos.
Scorsese não oferece respostas às perguntas que Silêncio suscita. Apenas dá à audiência ferramentas para escolher suas próprias conclusões.
O roteiro incrivelmente é equilibrado o suficiente para não demonizar os japoneses à despeito das atrocidades que eles cometem.
Os personagens de Ogata e de Tadanobu Asano ganham espaço para expôr seus pontos de vista e por mais que não sejamos capazes de concordar com seus métodos, não podemos negar a legitimidade de sua oposição ao crescimento da fé cristã no Japão.
Scorsese também não santifica seu protagonista.
A jornada de Rodrigues é repleta de falhas, dúvidas e medo.
Ele é um ser humano em terra estranha, passando por experiências que o fazem questionar todo o fundamento do que ele tinha como sua mais constante característica, a fé. Rodrigues é desconstruído por sua experiência, e reage à altura.
A interpretação de Andrew Garfield é acertada, comedida, tão boa ou melhor do que sua performance indicada ao Oscar em Até o Último Homem. Adam Driver tem pouco tempo de tela, mas também manda bem demais, e Liam Neeson dá um tempo em seu momento de action-hero pra relembrar ao mundo que sabe e muito, atuar.
Sua primeira aparição, em uma longa e silenciosa tomada, mostra a face desesperada de um homem alquebrado. E quando ressurge no terceiro ato do filme, vemos a profundidade do trauma das experiências pelas quais passou.
O elenco japonês também tem destaques. Os principais provavelmente são Yôsuke Kubozuka, praticamente um exemplo vivo do que Inoue-Sama tenta explicar à Rodrigues, além de Shin'ya Tsukamoto e Yoshi Oida, os aldeões cristãos que recebem aos jesuítas quando chegam ao Japão.
Com trabalho de primeiríssima categoria do elenco, parte técnica acima da média, trilha sonora minimalista como o título do longa pede, e um roteiro e direção sensacionais, Silêncio é mais uma obra-prima de Scorsese, estranhamente esnobada pela temporada de premiações mais política dos últimos anos.
Não tem problema. Scorsese não precisa de mais láureas, mas Silêncio é um filme que merece audiência.
Assista.
É um dos melhores, se não o melhor filme lançado no Brasil esse ano.

"Me sinto tão tentado. Me sinto tão tentado ao desespero. Eu tenho medo. O peso de Seu silêncio é terrível. Eu rezo mas estou perdido. Ou estou apenas rezando pra nada. Nada. Porque Você não está lá."

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