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quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Resenha Série: Better Call Saul, temporada 4, episódio 10: Winner


Atenção! Spoilers do episódio abaixo. Não leia sem ter assistido.
Alguém dê logo um Emmy e um Globo de Ouro para Bob Odenkirk, apenas não esqueça de que ele tenha uma estatueta em cada mão e não possa se defender de um merecido murro na cara.
Num dos raros episódios da temporada de Better Call Saul onde a divisão de tempo entre Jimmy e Mike pareceu pender para a urgência da missão de Ehrmantraut a serviço de Gus Fring, o nosso advogado desonesto favorito conseguiu roubar todos os holofotes no final do capítulo, e o termo "roubar" talvez jamais tenha sido tão bem colocado.
Mas não coloquemos o carro na frente dos bois.
Winner começa com um flashback. Charles McGill é o padrinho de Jimmy quando ele passa no exame da Ordem dos Advogados, e a festa de confraternização subsequente se dá em um karaokê onde Jimmy arrasta o irmão para o palco para fazerem um dueto de The Winner Takes it All, do Abba (onde Michael McKean revive seus momentos de Spinal Tap) para, mais tarde, Chuck colocar um embriagado Jimmy na cama, e ficar a seu lado caso ele precise de alguma coisa durante a madrugada.
É um belo momento partilhado entre os dois. Chuck era, por vezes, escroto. Ele tinha padrões morais quase elevados demais, e, vai saber, talvez tenha empurrado o irmão pelo caminho do trambique ao não apoiá-lo, ao não acreditar nele, ao ser incapaz de vê-lo além de Jimmy Sabonete.
Mas isso não significa que ele não amava o caçula à sua maneira, como o próprio Jimmy reconhece.
Essa cold open é extremamente importante para o episódio por mostrar justamente isso. Jimmy e Chuck tinham seus problemas, a relação de ambos tinha suas falhas, mas eles realmente se amavam.
Daí, nós somos levados pra junto de Mike, que de posse de cartas escritas por Werner começa uma caçada ao engenheiro alemão pelo Novo México. Usando todos os seus truques, Mike tenta remendar a meleca de ter perdido a principal peça no tabuleiro da construção do laboratório secreto, e, pra piorar, precisa fazê-lo com Lalo Salamanca em seu encalço. O sobrinho de Don Hector está mapeando obstinadamente a operação de Gus, e finalmente mostra a que veio, deixando claro que sua aura divertida e amigável não é mais senão fachada para outro psicopata tão perigoso quanto seu tio ou qualquer um dos seus primos.
Enquanto Mike corre contra o tempo e contra Eduardo Salamanca para encontrar Werner, Jimmy leva adiante o plano de Kim, e corre contra o tempo para salvar sua reputação, e ele o faz ligando seu nome ao de Chuck como não tentava fazer desde os primeiros episódios da série.
Jimmy finge se lamentar no túmulo do irmão, o celebra com uma linda sala de leitura, e participa do comitê que escolhe os honrados com a bolsa de estudos Charles L. McGill, tudo para mostrar o tamanho da influência do irmão em sua vida de modo a ter uma chance de recuperar sua licença para advogar.
Conforme nós esperávamos, as coisas tomaram um rumo sinistro para Mike.
Quando ele encontra Werner, esperando por Margherite em um hotel com águas termais em San Ysidro, o engenheiro deixa bastante claro que ainda não havia entendido o quão sérias eram as pessoas para quem ele estava trabalhando.
Werner não conhece Gus Fring, e não sabe o tamanho da cagada que fez ao fugir do trabalho. Mike o havia avisado de maneira gentil, mas firme, de que ele poderia fazer o que quisesse após completar o trabalho. À sua maneira, Mike realmente gostava do engenheiro, mas ele não é uma pessoa para meias medidas, e quando Gus quer que Werner pague pelo que fez, Mike assume para si a tarefa de fazê-lo.
Seja porque a coisa toda havia acontecido sob sua supervisão, seja porque Mike temesse que Gus e seus capangas tivessem mais em mente para o alemão do que um fim rápido e indolor sob um céu estrelado, Mike finalmente se tornou o assassino de Gus Fring ao meter um balaço na nuca de Werner. Resta saber como esse primeiro assassinato vai se transmutar na relação que vimos entre os dois em Breaking Bad, e como Lalo Salamanca se encaixa na equação.
Não dá pra não pensar que o contato de Lalo com Werner tenha sido o elemento a selar o destino do engenheiro que só queria passar o fim de semana com a patroa, e se for esse o caso, seria possível que, a despeito de sua clara indisposição com o que teve que fazer, Mike siga ao lado de Gus inicialmente para poder dar o troco em Salamanca?
Descobriremos mais adiante, porque, por mais pesada que tenha sido a ponta de Mike nesse episódio, foi a audiência de Jimmy junto à Ordem dos Advogados que encerrou a temporada com a chave de ouro do adágio popular.
Havia todo um mise-en-scéne para esse momento. Ele havia passado pelo flashback com Jimmy e Chuck, pela ótima cena onde Jimmy explodiu em lágrimas dentro do carro, e mesmo pela sequência onde Kim tenta treinar Jimmy para a sua declaração e ele parece alheio demais para atentar ao que ela diz.
Quando ele se dirige à comissão que avaliará seu retorno, ou não, à prática do direito, Jimmy planeja ler a carta póstuma de Charles, mas se detém. E faz uma linda declaração a respeito de sua relação com o irmão. Deixando claro que nem sempre era uma relação fácil, que eles tinham suas querelas, mas que realmente se amavam. Que as palavras de Chuck, e seu modo de agir reverberaram nele, e, de uma forma ou outra, serão seu norte na tentativa de ser uma pessoa melhor, seja como advogado, ou não.
É uma linda cena. E eu não me envergonho em dizer que fiquei, de fato, de olhos marejados enquanto Jimmy discursava. Ele havia descoberto o luto. Ele finalmente se permitiu lamentar a perda do irmão, e encontrado, na dor em seu coração, a sinceridade da qual ele carecera em sua audiência na semana passada.
Mas isso era tudo zigue, e tornou o zague subsequente muito mais devastador.
"Você viu aqueles idiotas?"
Jimmy convencera a junta avaliadora com lágrimas de crocodilo, as palavras certas e sua capacidade quase sobre-humana de manipular os outros. Mas pior, Jimmy convenceu Kim. E ainda pior, Jimmy convenceu a maioria de nós (eu diria todos nós, mas sempre haverá um espertão que dirá "eu já sabia"), ainda que o alerta de Jimmy para a jovem Christy Esposito fosse uma pista do que vinha pela frente...
Após quatro anos, esse talvez tenha sido o golpe mais baixo que Jimmy aplicou, e não foi pelo fato de ele ter sido tão amplo que rompeu a quarta parede, mas porque parece ter feito Kim entender, acima de qualquer dúvida, que, ao contrário dela, que é uma advogada que por vezes gosta de ser Giselle St. Clair e aplicar um golpe no sistema, Jimmy é um golpista que por vezes usa uma fachada de advogado para legitimar seus trambiques.
Um golpista chamado Saul Goodman.
É difícil saber que tipo de efeito essa revelação terá na relação do casal. Kim já dera a impressão de que se cansara de Jimmy em outras ocasiões e os dois continuaram juntos. Ela parece ter a necessidade quase patológica tentar salvar casos perdidos, e, sob diversos aspectos, os eventos de Winner tornaram Jimmy o mais perdido de todos os casos.
A quarta temporada de Better Call Saul foi outra obra-prima de Gould e Gilligan levada a cabo por diretores, roteiristas e elenco sensacionais, e Winner foi o derradeiro soco no estômago da audiência.
Eu espero que a linha de tempo estabelecida nessa temporada, situando o programa em 2004, ou quatro anos antes de Breaking Bad, signifique que ainda temos quatro (ou até cinco) temporadas de Better Call Saul pela frente. Eu seguiria vendo Jimmy/Saul, Kim e Mike toda a semana até o fim dos meus dias.
Vai ser uma longa espera até o ano que vem...

"S'all good, man."

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