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quinta-feira, 16 de janeiro de 2020
Resenha Cinema: Adoráveis Mulheres
Eu amo ler, mas não sou, nem de longe, um leitor incondicional. Tenho diversas preferências no que tange à literatura, e em anos recentes, andei sofrendo uma tremenda guinada em direção à não-ficção em detrimento de ficção. Hoje, olho para a minha estante, e me pergunto como foi que li As Crônicas do Gelo e Fogo em apenas um mês e meio, enquanto ler Drácula de Bram Stoker me tomou quase o mesmo tempo, mas li Um Milhão de Anos em um Dia em três dias...
Seja como for, acho que nem na minha época de leitor mais voraz, quando lia um romance por semana, eu teria lido Mulherzinhas, clássico romance norte-americano do Século XIX de autoria de Louisa May Alcott que rendeu um sem-número de adaptações no teatro, TV e cinema ao longo dos anos porque tramas românticas não eram exatamente a minha preferência e, já em seu título, a obra imortal de Alcott parece ser um livro de... Bem... Mulherzinha.
Eu nem sabia ao certo por que Greta Gerwig, a gatinha do remake de Arthur, o Milionário e Frances Ha, que se provou uma cineasta mais do que competente com Lady Bird escolheu como seu primeiro trabalho pós-debute como diretora solo (ela já havia co-dirigido um longa em 2008) uma adaptação que já vinha sendo feita e refeita desde a época do cinema mudo, e que já tinha, inclusive, um par de "versões definitivas" para os amantes da sétima arte. Foi apenas após assistir ao filme e ler a respeito do livro que entendi o que provavelmente moveu Gerwig em direção a Mulherzinhas, gerando Adoráveis Mulheres.
No longa início do longa conhecemos Jo March (Saoirse Ronan) vivendo em Nova York e vendendo contos na editora do Sr. Dashwood (Tracy Letts). O editor rapidamente lê a história oferecida por Jo e diz que irá comprá-la por um preço abaixo do habitual, e que, no futuro, as histórias devem terminar com a mocinha casando, ou morrendo. Na sequência vemos a irmã de Jo, Amy (Florence Pugh) vivendo em Paris com sua tia March (Meryl Streep), onde está aprendendo a pintar e preparando-se para um casamento com um rapaz rico conforme manda o figurino, até reencontrar um antigo conhecido, Theodore "Laurie" Lawrence (Timothée Chalamet), por quem é claramente apaixonada.
A partir daí, Adoráveis Mulheres começa ser entrecortado por flashbacks de sete anos no passado quando, na adolescência de Jo, Amy e suas duas outras irmãs, a romântica Meg (Emma Watson) e a tímida e musical Beth (Eliza Scanlem), elas viviam em Massachusetts durante a Guerra de Secessão sob o teto de sua amorosa mãe Marmee (Laura Dern, ótima) enquanto seu pai (Bob Odenkirk) servia no fronte de combate em Washington.
É nessa época que as jovens conhecem Laurie, o vizinho rico da casa em frente, neto de um viúvo abastado (um surpreendentemente terno Chris Cooper) que imediatamente se insere no núcleo da família March tornando-se o melhor amigo das quatro irmãs no decorrer dos duros anos finais da guerra conforme elas deixam a adolescência e se tornam adultas.
É nesse ritmo, indo e voltando no tempo que conhecemos a rivalidade entre Jo e Amy e a vemos alcançar seu píncaro, acompanhamos os problemas financeiros da família March, vemos pedidos de casamento serem negados e aceitos, vemos um amor crescendo em segredo e somos esmurrados por uma devastadora doença de fazer Joey querer enfiar o livro no freezer (lembram desse episódio de Friends? Em que Rachel faz Joey ler Mulherzinhas?).
A despeito dessa frequente mudança nas linhas temporais, a narrativa de Adoráveis Mulheres jamais fica truncada ou confusa (palmas para o editor do longa, Nick Houy), mais do que isso, a grande sacada da utilização do vai e vem temporal é que os dois segmentos se alimentam um do outro. Conhecer o destino das personagens informa o olhar da audiência sobre a adolescência delas, e acompanhar as agruras de sua juventude faz com que imediatamente fiquemos interessados em saber como as coisas terminam.
Se Greta Gerwig manda muito bem na forma de apresentar a história (no livro as idas e vindas temporais não existem. Mulherzinhas foi publicado em duas partes, a primeira contando a adolescência das irmãs March, a segunda sua vida adulta, simples e direto), ela é auxiliada por um tremendo de um elenco.
Saoirse Ronan é excelente como Jo, a irlandesa pega parelho com Jennifer Lawrence como uma das atrizes fundamentais de sua geração, e simplesmente destrói em todas as suas cenas. Florence Pugh é uma tremenda surpresa. A britânica pega parelho com Ronan, mascando com gosto o papel de Amy e arrancando até a última gota do que ele tem a oferecer. Mais discretas, mas igualmente competentes são Emma Watson, que tem ao menos uma cena excelente, quando confronta os sonhos de independência de Jo com seus sonhos de amor matrimonial, e Eliza Scanlem, que arrancou as duas únicas lágrimas que derramei no filme. Completando o elenco principal, Chalamet é adorável como Lurie. O sujeito é frágil e divertido e tem um cabelo sensacional. Se eu fosse uma das irmãs March brigaria de foice pra ficar com ele. No elenco de apoio Laura Dern está ótima como Marmee, mostrando todo o seu alcance. Ela é um bálsamo de doçura e calidez total e absolutamente distinto da toada de sua personagem em História de um Casamento, e, tendo se tornado uma atriz com quem comecei a antipatizar após Os Últimos Jedi (embora tivesse sido apaixonado por ela quando vi Jurassic Park), foi bom vê-la em um personagem mais humano, deixando o papel de pragmática desagradável para a sempre competente Meryl Streep.
Completando o elenco há ainda as presenças de Louis Garrel, como Friedrich Bhaer, equivalente intelectual de Jo, e James Norton como John Brooke, o personagem com quem mais me identifiquei no filme...
Há, ainda, uma linda cinematografia de Yorick Le Saux que é quase mágica na maneira como estabelece o clima das cenas... Nós sentimos o cheiro do mar nas cenas na praia, sentimos frio nas cenas na neve e o conforto de um lar nas cenas dentro da residência das March quando as irmãs estão juntas... É realmente sensacional.
Mas provavelmente a grande realização de Greta Gerwig em Adoráveis Mulheres não seja a competência do elenco ou da equipe técnica que ela rege com graça e segurança, ou mesmo a maneira como ela deturpa o final original do livro, abusando de metalinguagem para inegavelmente fazer justiça à Jo (e, quem sabe, a Louisa May Alcott), construindo um destino muito mais honesto para com a jornada da personagem, especialmente sob a perspectiva atual, muito mais ampla, do que é "viver feliz para sempre", mas sim a forma como ela não permite que sua mensagem de poder feminino seja mais importante do que a história que deseja contar.
Filmes que colocam a mensagem acima da história tendem a ser aborrecidos e divisivos, e Adoráveis Mulheres não é nada disso. É terno, divertido, tem um ótimo ritmo e personagens de quem podemos gostar. É menos sobre as falhas das pessoas e mais sobre o que elas têm de bom, e isso, por si só, já justifica a presença de Adoráveis Mulheres na lista de postulantes ao Oscar de Melhor Filme, e me faz concordar com quem acha que Greta Gerwig foi injustiçada ao ficar de fora da categoria de melhor diretor.
Assista no cinema. Vale a pena.
"-Bem, eu acredito que temos algum poder sobre quem nós amamos, isso não é algo que simplesmente acontece com uma pessoa.
-Eu acho que poetas discordariam.
-Bem, eu não sou uma poetisa. Sou apenas uma mulher. E, como mulher eu não tenho como ganhar dinheiro, não o suficiente para me sustentar e ajudar minha família. Mesmo se eu tivesse meu próprio dinheiro, e eu não tenho, ele pertenceria ao meu marido no momento em que nos casássemos. Se eu tivesse filhos, eles pertenceriam a ele, não a mim. Eles seriam sua propriedade. Então não sente aí e me diga que casamento não é uma proposta financeira, porque é. Pode não ser pra você, mas certamente é pra mim."
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