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segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Resenha Cinema: Entre Facas e Segredos


Não há na Hollywood de hoje, um diretor mais divisivo do que Rian Johnson, o cineasta que disse com todas as letras que, pra ele, o filme perfeito é aquele que metade da audiência ama e a outra metade odeia. Essa dicotomia pode ser observada fazendo-se um ligeiro apanhado da filmografia de Johnson, que cometeu Star Wars: Os últimos Jedi e Looper, mas também fez A Ponta de um Crime e Vigaristas (não confundir com Os Vigaristas), deixando claro que pode ser péssimo de ficção científica e um completo cretino de ópera espacial, mas que manja que histórias criminais.
Por isso eu não fiquei surpreso quando Entre Facas e Segredos estreou angariando um vasto rol de elogios da crítica e do público. O longa, afinal, já mostrava em seu trailer ser um "quem matou" com a maior cara dos livros de Agatha Christie, com um sem-número de suspeitos presos em uma mansão soturna com dois investigadores da polícia e um detetive particular após um suicídio deveras suspeito.
Sendo eu uma dessas pessoas que guarda rancor, e que jamais encontrarei uma forma de perdoar Johnson por Os últimos Jedi, não fui ver o longa quando de sua estréia, e, não tivesse ele entrado na lista de postulantes a várias premiações nesse início de ano, é bem possível que não tivesse visto o longa exceto na TV a cabo e olhe lá.
Mas no sábado, sem RPG, e ansiando por me ocupar após furar descaradamente a festa de aniversário da minha sobrinha, resolvi que uma sessão dupla de cinema estava era uma boa maneira de ocupar minha tarde/noite e, quis o destino, que é um gozador, que Entre Facas e Segredos estivesse ali, dando sopa, pouco antes da sessão de O Escândalo.
Entre Facas e Segredos já abre com o corpo do multimilionário escritor Harlan Thrombey (o interminável e sempre excelente Christopher Plummer) sendo encontrado em seu estúdio com a garganta cortada e uma adaga em punho.
Daí, vamos para uma semana mais tarde, quando os membros do clã Thrombey se juntam na casa de campo onde Harlan se suicidou na mesma noite em que comemorou seu aniversário, para o velório. O adeus formal ao patriarca, porém, não é dos mais confortáveis, pois quando os membros dessa combativa família vão chegando à residência, eles descobrem que não estão sozinhos:
Dois policiais, o tenente Elliot (LaKeith Stanfield) e o policial Wagner (Noah Segan) também comparecem para, antes das homenagens finais a Harlan, conduzirem entrevistas de rotina com os parentes. Nem um pouco rotineira, no entanto, é a presença do investigador particular Benoit Blanc (Daniel Craig, caprichando no sotaque cajun), famoso decifrador de mistérios que paulatinamente toma o controle das entrevistas e da investigação conforme todos os membros da família parecem ter motivos para querer assassinar Harlan, do genro Richard (Don Johnson) à ex-nora Joni (Toni Collette), passando pelos filhos Walt (Michael Shannon) e Linda (Jamie Lee Curtis), até os netos Meg (Katherine Langford) e Ransom (Chris Evans). E, em meio à crescente tensão causada pela suspeita de dolo na morte do famoso escritor, a sua jovem enfermeira, Marta (a bela Ana de Armas) se vê inadvertidamente como fiel da balança conforme Benoit descobre que um estranho distúrbio psicológico da jovem a faz vomitar quando mente.
Com tudo isso, o que parecia mera formalidade antes da confirmação oficial do suicídio do milionário vai se transformando em um rocambolesco mistério onde nada é o que parece ser.
Eu vou começar dizendo que, por mais que eu odeie Os Últimos Jedi, eu não odeio Rian Johnson pessoalmente (tá, só um pouco), e nem assisti Entre Facas e Segredos predisposto a não gostar do filme.
O longa escrito e dirigido pelo mesmo sujeito que comandou Ozymandias, um dos melhores e mais pujantes episódios de Breaking Bad (mas que também dirigiu o episódio da mosca, pra mostrar o que eu quis dizer com divisivo...) é cheio de qualidades, e a principal é, sem sombra de dúvida, o grande e qualificado elenco que o cineasta uniu para contar um tipo de história que dificilmente falha na hora de entreter. Todos parecem estar se divertindo e dando seu melhor para transformar os arquétipos tradicionais a esse tipo de trama de mistérios em pessoas vivas com quem a audiência pode se importar, o que não é uma tarefa fácil já que, em tais fitas de mistério, a estrela é sempre a mesma:
O mistério em si.
Veja os contos de Agatha Christie, Dashiell Hammett e Conan Doyle, por mais que Poirot, Sam Spade e Sherlock Holmes sejam personagens interessantíssimos repletos de excentricidades fascinantes, eles jamais seriam quem são se não resolvessem mistérios além da compreensão das pessoas comuns. É a reviravolta final, o culpado inesperado e a maneira engenhosa de cometer o malfeito que movem essa variedade de história, e é justamente aí que Entre Facas e Segredos claudica:
O longa é dolorosamente previsível para o tipo de história que almeja contar.
Ainda no primeiro ato do longa fica claro qual crime foi cometido. Já no segundo ato é óbvio quem foi o responsável. E aí sobra para o longa o momento da grande revelação, quando o detetive desmascara o culpado revelando todos os pormenores do ato ilícito, o problema é que Rian Johnson parece estar gostando tanto da história que espicha esse terceiro ato até não poder mais. Ele se alonga infinitamente mais do que deveria, e por conta disso, quando o momento da revelação finalmente chega, ele já foi esvaziado de expectativa de uma maneira tão absoluta que ao invés de "Oh!" a audiência faz "Hm.", e isso é veneno para um filme como Entre Facas e Segredos, que se alimenta de expectativa.
Com tais problemas narrativos, cabe ao elenco do longa segurar as pontas, e aí, que bom que Johnson juntou os atores que juntou.
Cobras como Lee Curtis, Collette, Shannon e Plummer não surpreendem ninguém quando elevam cada cena em que aparecem, mas são as performances de Daniel Craig e especialmente de Ana de Armas que mais surpreendem. Craig por enterrar seu sotaque britânico habitual sob um divertido cavalheiro sulista cheio de tiques verbais francófonos e uma aura de fingida incompetência, e de Armas por encher Marta de nuances muito além da fragilidade que ela imediatamente evoca.
Embora esses sejam os destaques, ninguém compromete. Evans, Don Johnson, Langford, Stanfield (mais K Callan, Jaeden Martell, Riki Lindhome, Edi Patterson e Frank Oz), todos seguram a peteca e entregam o seu melhor, e, se é verdade que Entre Facas e Segredos não é nem remotamente inteligente ou divertido como pensa ser, também é verdade que o longa distrai pela maior parte de suas duas horas e onze minutos...
Eu não diria que é um filme obrigatório no cinema, mas provavelmente vale a locação para uma quinta à noite.

"-Você não é lá um grande detetive, não é?
-Bem, pra ser franco você é uma porcaria em assassinato."

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