Pesquisar este blog

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Resenha Cinema: Jojo Rabbit


Jojo Rabbit é, provavelmente, o filme indicado ao Oscar que eu queria ver há mais tempo. Os primeiros trailers do longa começaram a espocar na internet em meados de julho ou agosto do ano passado, se não estou enganado, e a estréia em circuito limitado nos EUA e Canadá se deu em setembro! O que torna inadmissível o filme chegar aqui, em circuito completo, apenas na próxima semana, praticamente cinco meses após a estréia comercial norte-americana. Eu tive a sorte de esbarrar com uma pré-estréia do longa que me permitiu matar a vontade e, tenho quase certeza que pela primeira vez na minha vida, assistir todos os indicados ao Oscar antes da premiação...
Quando o longa começa nós conhecemos Johannes "Jojo" Betzler, o personagem título (Roman Griffin Davis). Ele está tentando se auto-afirmar diante do espelho na manhã em que se unirá à Juventude Hitlerista, nervoso com a possibilidade de não se encaixar, até que seu amigo imaginário, Adolf Hitler (em uma patética versão vivida por Taika Waititi), surge a seu lado para elevar sua auto-estima.
Jojo é um subproduto da propaganda nazista que varreu a Alemanha nas décadas de 1930 e 40, doutrinado desde a mais tenra infância a aceitar cegamente os ideais propagados por Hitler, aos dez anos o menino sonha em se tornar um herói de guerra ariano, melhor amigo do führer que ajuda seu país a vencer a guerra e mata judeus. Ele está ansioso para chegar ao acampamento nazista liderado pelo capitão Klenzendorf (Sam Rockwell) e aprender a manusear facas, disparar armas e lançar granadas, mas quando garotos mais velhos caçoam de Jojo após ele se negar a matar um coelho, na tentativa de provar a própria coragem, ele acaba sofrendo um acidente e se explodindo com uma granada de mão.
É durante o período em que se recupera sob os cuidados de sua mãe, Rosie (Scarlett Johansson, um poço infinito de candura) que Jojo faz uma descoberta que sacode seu mundo: Há uma garota judia vivendo em seu sótão. A jovem Elsa (a excelente Thomasin McKenzie).
Se a audiência sabe logo de cara que Rosie acolheu Elsa e que ela está trabalhando secretamente com a resistência, Jojo fica terrivelmente confuso tanto por não saber de nada disso quanto porque a guria em seu sótão desafia tudo o que lhe foi dito a respeito dos judeus. Ela não parece e nem age como um monstro. Ela é espirituosa, inteligente e bonita... E após um período de choque inicial, quando ele eventualmente desiste da ideia de se livrar dela, resolve usá-la para obter informações sobre os judeus, e escrever um livro que o ajudará a se tornar o melhor amigo de Hitler, mas enquanto ele interroga Elsa dia após dia, algo acontece, uma relação se forma, e começa a mudar Jojo, desafiando seu ultranacionalismo...
Jojo Rabbit é um filme estranho no melhor dos sentidos.
Uma comédia de amadurecimento situada na Alemanha nos estertores da Segunda Guerra Mundial que retrata Adolf Hitler como um imbecil resmungão só poderia ter saído da cabeça do diretor de Thor: Ragnarok.
Desde seu início o filme mostra a corda bamba sobre a qual pretende se equilibrar ao seguir a animada conversa entre Jojo e Adolf com créditos de abertura que mostra cenas de O Triunfo da Vontade, medonho filme-propaganda nazista de Leni Riefenstahl, ao som de uma versão em alemão de I Wanna Hold Your Hand. É como se Waititi estivesse mostrando seu cartão de visitas, avisando a audiência sobre como aquele filme será, e que ele não é pra todo mundo.
Mas a verdade é que a despeito de sua caótica abertura, o desenrolar de Jojo Rabbit é muito mais convencional do que poderia se imaginar à primeira vista, e não há nada de errado com isso.
Por mais que charme e doçura não sejam o que um espectador desavisado poderia esperar de um filme situado durante um dos mais sombrios recortes da História da humanidade, Jojo Rabbit não é sobre nazismo, anti-semitismo ou ultranacionalismo. O longa é a respeito de empatia. E da maneira como uma criança só pode receber isso de seus pais até certo ponto, e o resto precisa ser exercitado no mundo real, além da educação que recebemos em casa.
Waititi embrulha essa premissa em comédia que é genuinamente engraçada, e em drama que é realmente tocante (eu não lembro de outro filme que tenha me feito rir e chorar de maneiras tão genuínas na mesma projeção), amparado por um elenco que é excelente.
Roman Griffin Davis é a âncora do filme, e se ele não fosse convincente, nada mais iria funcionar. Por sorte o moleque tira de letra tanto a comicidade quanto o drama do roteiro (escrito pelo próprio Waititi a partir do livro Caged Skies, de Christine Leunens). Scarlett Johansson no papel de Rosie é absolutamente avassaladora. O 2019 da loira foi simplesmente fenomenal com Vingadores: Ultimato, História de um Casamento e Jojo Rabbit, e as duas indicações da atriz ao Oscar, tanto de atriz principal quanto de coadjuvante, são testemunho de todo o talento que a gostosura da nossa amada Viúva Negra abriga, não é de hoje. Completando o tripé protagonista, Thomasin McKenzie é igualmente competente. Mesmo que o roteiro por vezes a use como escada para outros personagens, a atriz consegue roubar a cena toda a vez que a oportunidade lhe é dada, um feito nada desprezível em um elenco que ainda conta com Sam Rockwell, Rebel Wilson, Alfie Allen, Stephen Merchant e Archie Yates, que interpreta o melhor amigo não-imaginário de Jojo, Yorki, e junto com o protagonista é prova viva da mão de Waititi para escalar jovens talentos.
Falando em talento, há de sobra por trás das câmeras, também. Com destaques especiais para a cinematografia de Mihai Malaimare Jr., o desenho de produção de Ra Vincent, e a música de Michael Giacchino.
Todos esses talentos ajudam Taika Waititi a narrar uma história através de uma mistura complexa de tons que é particularmente brilhante quando busca as risadas ao usar os elementos mais aterrorizantes do universo do filme de maneira farsesca, poupando a audiência demonstrações mais gráficas do sadismo dos vilões, mas o deixando claro na visão algo cartunesca de um menino de dez anos de idade.
Essa decisão é particularmente acertada porque ninguém precisa ser lembrado da maldade dos nazistas ou da estupidez de suas ideologias, esse não é o ponto de Jojo Rabbit, muito antes pelo contrário. O longa é sobre como aceitar e conviver com os diferentes nos torna melhores. Muitos críticos consideraram Jojo Rabbit muito "amigável" ou muito "fofo" para ser relevante.
Pra mim, quando um filme sobre o que as pessoas têm de melhor é considerado irrelevante, parece que é o momento em que ele é mais necessário.
Jojo Rabbit estréia no próximo dia 6.
Assista no cinema.
É obrigatório. Um dos melhores filmes do ano.

"-Amor é a coisa mais forte da Terra.
-Eu acho que você vai descobrir que metal é a coisa mais forte da Terra, seguido por dinamite e então músculos."

Nenhum comentário:

Postar um comentário