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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Sorvete de Alpino


-Eu ainda vou comer sorvete de Alpino com aquela mulher.
Foi o que declarou Everaldo, olhando para o infinito com cara de quem estava muito concentrado. Parecia até a Scarllet O'hara em ...E O Vento Levou, quando declarava que jamais sentiria fome de novo, lembra? Não? Tudo bem, eu entendo, aquele filme é velho pra danar, mesmo, mas é bacana.
Enfim, o Everaldo disse isso sentado na mesa de sempre, no bar de sempre, com as bolachas de copo de sempre sob os copos de chope de sempre enquanto olhava uma mulher bonita que conversava com suas amigas a alguns metros de distância. O Paulo Roberto, que estava, como sempre, sentado com o Everaldo à mesa, perguntou:
-O que tem isso de comer sorvete de Alpino?
O Everaldo, parecendo ofendido por ter sido arrancado de seu devaneio, olhou pro Paulo Roberto:
-Porra. Como assim, "que tem isso", pê erre?
-Que tem isso? O que tem de especial em comer sorvete com a guria?
-Puta que o pariu... Tô vivendo entre selvagens, velho... Só pode. Não é simplesmente comer sorvete, rapaz, é comer sorvete de Alpino, especificamente!
-Tá, e o que tem de especial em comer, especificamente, sorvete de Alpino com aquela guria?
-Tu já viu a embalagem do sorvete de Alpino, caralho?
-Não me lembro...
-Ah, São Crispim... É um copo grande, dourado, deve ter um litro, um pouco menos, de capacidade.
-Tá, e daí?
-E daí, que é um sorvete perfeito pra comer á dois, pê erre. É um copo que pode ser seguro com uma das mãos enquanto, com a outra, se empunha a colher. É uma embalagem elegante, a porção não é pequena a ponto de tu passar por pão-duro que nem aquelas pequenininhas e afetadas do Häagen-Dazs, que é coisa de comunista e de veado, também não é uma porra grande a ponto de tu parecer um glutão, o sorvete é muito bom, e pode-se, inclusive, dividir as tarefas em tu segurar o pote, e ela a colher, aí, pê erre... Ah... Aí é um caminho sem volta... Aí é amor pra vida-toda...
-O quê? Por quê?
-Por que aí, ela vai ter que te dar sorvete na boca, entende? Com a mesma colher que ela estava usando pra comer, pê erre... E esse tipo de intimidade só se tem com quem se ama muito...
-Tu tem algum distúrbio.
-Vai tomar nesse teu cu... Tô te dizendo, pê erre. Sorvete de Alpino com a mesma colher. É esse o maior têrmometro que um amor pode ter.
Paulo Roberto fez cara de pouco caso. Ficou mais um pouco com o Everaldo, terminaram suas bebidas e saíram juntos, se despediram quando as casas de um e de outro já não estavam pro mesmo lado. O Paulo Roberto chegou em casa, tomou banho, e mudou de roupa. Foi até a casa da Carolina, sua namorada. No caminho, parou em um mercado para comprar um vinho. Do lado da prateleira dos vinhos havia um freezer de sorvete, e, na prateleira, ele pôde distinguir o pote dourado de Alpino. Resolveu experimentar e ver se era tão bom quanto o Everaldo alardeara.
Chegou á casa de Carolina, beijou-a, e foi largar as compras na cozinha. Ela havia preparado lasanha. Comeram enquanto conversavam sobre seu dia. Depois do jantar, Paulo Roberto ajudou Carolina a lavar a louça, e foram para o sofá assistir um filme. Enquanto ela colocava o DVD no aparelho, ele foi até a cozinha e apanhou o sorvete, e uma colher. Voltou à sala, e Carol o olhou com cara de surpresa lhe perguntando o que era aquilo:
-Vai comer esse sorvete todo sozinho?
-Não, né boba? Trouxe pra nós dois.
-Ah, então me dá aqui que eu vou servir pra gente. - Ela disse, tomando-lhe o pote e retornando à cozinha, de onde saiu minutos depois com o sorvete servido em taças, formando redondíssimas bolas cobertas de calda de caramelo e com um bijou em cima. Entregou ao Paulo Roberto e sentou pra ver o filme. Caso 39. Ruim pra danar. O sorvete era bom, mesmo, mas não tinha nada de especial. Talvez, pensou Paulo Roberto, tivesse faltado o lance de comer na mesma colher.
Despediu-se de Carolina no portão com um beijo, sem conseguir deixar de se perguntar se ela, de fato, o amava.
Um dia desses ainda matava o Everaldo.

Um comentário:

  1. "E o vento levou..." é velho pra danar mesmo! Mas puxa vida, na minha opinião, é um grande filme longo!!!
    E, agora, deu uma baita vontade de comer esse sorvete!!! Pois o Häagen-Dazs é maravilhoso. Acho que não é comunista, é de dose francesa! Sorvete servido por asperção!!!
    O padre não joga um balde d'água pra benzer ninguém, ele joga umas gotinhas só. Acho que essa é a ideia desse sorvete!!!

    Agora... descobrir que tem que comer em taças separadas e com isso saber que não é amado, não tem preço e sim, muita terapia ou pular fora da relação!!!

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