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terça-feira, 26 de julho de 2011

Das certezas e das crenças


-Eu tenho certeza - Elucubrava Leomir. - De que se o Calvin, do Waterson, fosse casar com alguém, não deveria ser com Susie Derkins. Susie é uma boa menina, cresceria e se tornaria uma boa moça, provavelmente toleraria o Calvin, mas não seria feliz ao lado dele. Susie seria feliz casando com um sujeito como o pai do Calvin. Alguém ajustado, correto, que se exercita com frequência, e que gosta de inúmeras atividades ao ar-livre. Se o Calvin fosse casar com alguém, seria com a Mafalda, do Quino. São dois espíritos inquietos, duas mentes afiadas, dois desafiadores de autoridades. São o tipo de crianças que você odeia ter como vizinho a menos que também tenha seis anos de idade. São os alunos que os professores não querem, e os filhos que os pais têm que aprender a amar. São projetos de gente com o tipo de visão que mais pessoas deviam ter.
Os amigos da Mafalda são todos toscos demais pra ela. Ela jamais teria o estímulo intelectual necessário pra se desenvolver enquanto ser humano do lado do Filipe, ou do Manolito, ou do Miguelito, nunca daria certo entre eles, e não apenas por que ela os conhecia desde a infância, mas sim por que ela conhecia todos os defeitos de todos eles desde a infância. Mafalda e Calvin, sim, teriam tudo a ver, ela seria até capaz de tolerar a fixação dele com o Haroldo. Ela seria capaz de aprender a usar o fato de a consciência dele ser um tigre de pelúcia e extrair o melhor do Calvin através do Haroldo.
Da mesma forma, ela sendo tão voltada pra questões humanitárias e tudo mais, daria a ele um perímetro de liberdade pra suas divagações filosóficas e momentos de introspecção profundos pra ser o Homem-Estupendo, o Astronauta Spiff, e tudo mais.
Eu não vejo casal mais perfeito do que Mafalda e Calvin, não vejo, mesmo. - Ele disse, tomando fôlego, e continuando:
-O problema, aí, seria o fato de que eles vivem em universos diferentes. Têm backgrounds diferentes, coisas diferentes a fazer. A Mafalda deixaria de fazer tanta coisa pra estar nas tirinhas do Calvin, ela abriria mão de tanta coisa. Ela valoriza tanto aqueles amigos abestalhados dela, o Filipe, do Manolito, do Miguelito, a Susanita, o Guile e a Liberdade, que nem dá pra imaginar o tamanho do sacrifício que ela teria que fazer pra deixar todos pra trás e viver nas tiras do Calvin, que nem sequer são separadas em quadrinhos.
E o Calvin... Por mais que ele fosse querer estar com alguém como a Mafalda. Por mais que ele fosse ser feliz com a Mafalda, por mais que a ausência da Mafalda depois da sua presença fosse deixá-lo arrasado por algum tempo, talvez muito tempo... Ele ainda teria o Haroldo. Eu creio que ele ainda poderia, vez que outra ser o Homem-Estupendo, ou o Astronauta Spiff. Moleques são extremamente flexíveis. Ele ia se virar.
Leomir terminou e respirou fundo, mordendo ruidosamente um chocolate Bis. Não havia mais ninguém na sala. Apenas um retrato da Rejane enfiado no meio de uma revista que ele prometera não voltar a abrir.

Um comentário:

  1. Mas enquanto Bill Waterson e Quino estiverem vivos, ainda dá pra sair coisa boa disso né?

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