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sexta-feira, 15 de julho de 2011
Iluminação súbita
O Daniel vinha andando pela rua, distraído enquanto olhava, uma a uma as revistas da pilha que tinha na mão após sair da banca. Homem-Aranha, um especial do Sandman, Aventura na História, Superinteressante, uma Playboy e uma revista de cinema genérica da extinta SET, estava olhando a imagem dos X-Men da Primeira Classe estampados na capa da revista quando ergueu os olhos, meio por reflexo e também pra não cair dentro de um eventual bueiro aberto, ou esbarrar em algum mendigo bêbado quando viu um casal andando na direção oposta. Levou uma fração de segundo para perceber que a mulher sorria, outra fração de segundo para ver que o sorriso dela era direcionado a ele, Daniel, e uma fração de centésimo para perceber que aquela mulher era Tainá. Ah, Tainá. A Tainá que a quem Daniel fez silentes juras de amor, a Tainá a quem Daniel via em seu futuro, mãe de seus filhos, dona de sua casa, a Tainá com quem Daniel se via brigando pelo controle remoto, e que o deixou. O deixou por culpa sua, e sua apenas, diga-se de passagem. Por que Daniel era demasiado fechado. Incapaz de demonstrar o que sentia. Incapaz de acenar com algum envolvimento ou... Suas reminiscências foram interrompidas pela proximidade do casal.
Tainá, ainda linda, mais linda do que antes, talvez, com seus cabelos pretos ondulados caindo sobre os ombros delicados, e o sorriso de propaganda de creme-dental e a maquiagem charmosa nos olhos o mirava. Daniel estacou enquanto embaralhava ao acaso as revistas temendo que sua Playboy fosse vista.
-Oi. - Disse Tainá.
-Oi... - Respondeu Daniel, incerto. -Tudo jóia?
-Tudo... Deixa eu te apresentar... - Respondeu Tainá enquanto se movimentava na direção do homem que segurava sua mão.
"Ah, meu Deus", pensou o Daniel. "Ela vai me apresentar esse calhorda. Esse calhorda sortudo que tá segurando a mão dela. Que pode enterrar o nariz no pescoço dela, no cabelo dela, atrás da orelha, meu Deus! Esse desgraçado que está ocupando um espaço que devia ser meu, que podia ser meu!". Daniel esboçava um sorriso enquanto Tainá se mexia. O mundo ficou em câmera lenta. O sujeito ao lado de Tainá começava a sorrir, também.
"Ela vai dizer 'Esse é meu namorado, o fulano', e eu vou fazer o quê? Me parar a chorar? Espernear deitado no chão dizendo que é injusto? Ah, meu Deus, ela vai dizer noivo. Ela vai dizer 'Esse é o fulano, meu noivo'. Caraca, eu me mato...".
A Tainá pigarreou:
-Daniel, eu quero que tu conheça o Fabrício...
"Vou bater nele. É isso. Vou meter a porrada nele. Ele vai dizer 'Encantado', eu vou responder 'É o cacete' e meter a porrada nele. Um socão bem no nariz, ou no bico do queixo, pra ele desmontar. Não! Supercílio. O desgraçado é mais baixo que eu, eu bato de cima pra baixo no supercílio. Vai sangrar, e ele vai entrar em pânico, aí eu encho ele de pontapé quando ele cair no chão.".
O Fabrício estendeu a mão, cumprimentando Daniel. Deu uma piscadinha e disse: -Beleza, velhão?
-Opa, beleza, tchê, e tu? - Respondeu Daniel, afável.
"Filho de trinta putas! É um fremps. O calhorda é um trouxa, um boçal, um cretino. Quem é que conhece uma pessoa e sai piscando e chamando de 'velhão'? Eu não vou nem me dignar a bater nesse cretino, se bater vou bater de mão aberta, bofetão, por que essa coisa não vale um soco. Essa mulher é uma tosca, mesmo, merece um abestalhado desse. Garanto que é o tipinho que deixa declaração de amor no Orkut.".
-Bom te ver. - Disse a Tainá. O que tu anda fazendo? -Perguntou.
-Ah... O de sempre. Trabalhando, estudando, tentando evitar a insanidade... - Respondeu Daniel balançado o corpo pra frente e pra trás feito um autista.
O Fabrício apertou a mão da Tainá dizendo:
-Amorzin, o filme.
-Ah, é... Desculpa, a gente tem que ir, estamos indo ao cinema...
"'Amorzin', ele fala 'amorzin', eu quero mais é que esses dois se explodam. Quero que os dois se enterrem. Quero que sejam açoitados por um torpedo de ressonância do Sun-Crusher, que caiam na jaula dos velociraptores, que..."
-Foi bom te ver, Dan.
-Prazerão, velhão.
Daniel chegou a fazer a sua cara de insulto. Ele tinha uma cara específica pra insultos. Mas Tainá, o olhou nos olhos enquanto começava a andar de mãos dadas com Frabrício. O castanho profundo dos olhos dela, envoltos pelo rímel preto generosamente aplicado em seus cílios longos. E foi como se Daniel fosse banhado por alguma luz súbita e misteriosa, e ele não conseguiu disparar nenhum impropério. Não conseguiu sequer manter a cara de insulto, pois ele compreendeu:
A Tainá estava onde devia estar. Nos braços de alguém que a valorizava. Que a chamava de "amorzin", que devia deixar declarações de amor no Orkut, e escrever frases românticas no status do MSN. Alguém capaz de fazer todas as coisas que Daniel não era capaz. E ele, envergonhado, engoliu os insultos e as más palavras. E disse apenas:
-Bom te ver, também, Tá. Prazer, Fabrício. Tudo de melhor, pra vocês.
A Taíná acenou delicadamente enquanto andava, o Fabrício, porém, virou meio corpo e ergueu o polegar enquanto estalava o canto da boca fazendo um "tsc".
"OK...", pensou Daniel, olhando desgostoso pra cena. "...Tudo de melhor pra Tainá. Câncer testicular pro Fabrício. Pelo menos em uma das bolas.".
Até pra nobreza proveniente da iluminação súbita havia limites.
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