Bem vindos a casa do Capita. O pequeno lar virtual de um nerd à moda antiga onde se fala de cinema, de quadrinhos, literatura, videogames, RPG (E não me refiro a reeducação postural geral.) e até de coisas que não importam nem um pouco. Aproveite o passeio.
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sexta-feira, 28 de março de 2014
Quadrinhos: Magneto - Atos de Terror
Enquanto o Marvel Cinematic Universe vai muito bem, obrigado, transformando os personagens mais humanos e maneiros da Casa das Ideias em filmes e séries que faturam rios de dinheiro e fazem a alegria da nerdaiada mundo afora, o Universo Marvel tradicional, o Universo 616 dos Quadrinhos, não anda tão bem.
Obviamente em falta de bons escritores e de boas ideias, a casa do Homem-Aranha anda fazendo besteiras homéricas na esperança de vender mais alguns gibis. É difícil passar um ano sem ver um mega-evento se espalhar pelas páginas de todos os quadrinhos da editora, sacudir os alicerces da Terra e chacoalhar o próprio firmamento para, depois de uns seis meses, tudo voltar a um status quo mais ou menos igual ao que era antes de "tudo mudar".
Esse desespero da Marvel em vender quadrinhos, não através de histórias, mas de eventos, acabou me afastando dos quadrinhos em série da editora.
Mas volta e meia eu passo na banca procurando por um bom quadrinho pra ler, e volta e meia sou surpreendido por boas reedições de histórias clássicas dos anos setenta, oitenta e até dos anos noventa e da última década.
Ontem, não encontrei nada disso, mas dei de cara com o encadernado de capa dura Magneto - Atos de Terror, originalmente publicado em 2012.
Para entender a história há que se estar minimamente a par dos acontecimentos recentes do Universo Marvel, como a Cisma entre Ciclope e Wolverine, e até a eventos mais antigos, da época de Scott Lobdell e Roger Cruz.
Mas enfim, em Atos de Terror temos Magneto acusado pelo brutal e bastante público homicídio de 40 manifestantes anti-mutantes.
Procurado pelos Vingadores, o mestre do magnetismo, agora aliado dos X-Men de Ciclope, com sede na Ilha Utopia, recebe um prazo para provar que não foi o responsável pelo crime.
Eric Lehnsherr parte para limpar seu nome em uma viagem que o fará revisitar memórias a muito enterradas, e ver-se face a face com suas aspirações, desejos, métodos e objetivos, e, em última instância, com seu verdadeiro eu.
O roteiro, a cargo de Skottie Young, e a arte de Clay Mann (com participação de Grabriel Hernandez Walta) e arte final de Seth Mann, Norman Lee e do próprio Walta são OK e não muito mais que isso.
A história em si, também não tem nada de grandiosa. O universo dos X-Men parece fadado a se repetir, entre personagens que morrem e ressuscitam, grupos que se separam por divergências de filosofia, e Magneto hora mocinho, hora vilão, não há nada de novo no X-Fronte, e a dificuldade dos escritores em sacar que ninguém quer novidades, mas apenas boas histórias, emperra bonito a qualidade dos quadrinhos publicados por Marvel e DC hoje em dia.
O que há de bom em Magneto - Atos de Terror, é poder ler algumas boas páginas com Magneto, um personagem tremendamente interessante, humano e profundo desde sua origem.
O texto do líder mutante inspirado em Malcolm X e Meir Kahane é sempre saboroso, carregado de uma fleuma que nenhum outro personagem tem personalidade ou cacife pra bancar, ainda assim, com reviravoltas óbvias e ação confusa em mais de uma ocasião, há pouco mais do que o vernáculo de Magneto para se aproveitar, de modo que a história resulta descartável, e nada além de uma bela peça decorativa na estante.
A edição, com lombada bonita, capa dura e papel bonito no miolo sai por R$17,90, que podem, ou não, valer a pena de acordo com o teu grau de fanatismo para com os pupilos de Xavier.
"Vejam só, o sr. Stark chegou a ponto de adotar uma armadura especialmente dedicada a mim. Pena que um slogan como "o invencível Homem de Borracha" não tenha o mesmo apelo."
Rapidinhas do Capita
Que a Netflix firmou acordo com a Marvel para transformar em série alguns dos personagens mais urbanos e menos cinematográficos da Casa das Ideias, todo mundo já sabia.
Que esses personagens seriam Luke Cage, Jessica Jones e o Demolidor, também já era público e notório, agora a página do Marvel Cinematic Universe no facebook apontou Michael C. Hall, o Dexter, como favoritão ao papel do advogado cego de hell's kitchen que durante a noite assume a identidade do vigilante conhecido como Demolidor.
Ainda que seja pouco mais que um rumor, ou "desejo" dos envolvidos, sem nenhuma comprovação de nenhuma espécie, a escolha não deixa de ser pra lá de inspirada por parte da Netflix e de Drew Goddard, o roteirista da série.
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Tá lá no http://www.gameofthronesbr.com/2014/03/leia-o-novo-capitulo-de-the-winds-of-winter-intitulado-mercy.html, um capítulo de The Winds of The Winter, vindouro sexto livro da série As Crônicas de Gelo e Fogo que George R. R. Martin insiste em não terminar de escrever.
O capítulo, de nome Mercy, é um daqueles trava cérebro pra deixar teóricos da conspiração e nerds com muito tempo livre desesperados, cheio de pistas e com o climão pesado que se tornou regra na série.
Ah, no site tu também consegue ler os demais capítulos já divulgados de Os Ventos do Inverno.
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Ontem, nove da noite, o canal a cabo Sony exibiu o documentário Marvel - Assembling a Universe, que mostra a construção do universo cinematográfico da Marvel.
Para nerds que não sabiam disso ontem, o programa será reprisado hoje, às 16:00, e, em se tratando de TV a cabo, mais algumas vezes pelas próximas semanas.
Vale a conferida.
terça-feira, 25 de março de 2014
O Padrão
O Sandro, muito sério, com uma expressão grave, levantou quando a Lisiane chegou no restaurante. Ela se inclinou para beijá-lo, mas ele fez sinal para que ela sentasse após dar um "oi" seco.
Ela sentou, esbaforida, soprando os cabelos da frente dos olhos e apoiando a bolsa no colo. O garçom parou ao lado deles com as mãos juntas atrás do corpo:
-Querem pedir?
A Lisiane, olhou pro garçom, chegou a tomar fôlego, mas voltou-se para o Sandro e perguntou:
-Não sei... Eu quero pedir alguma coisa?
O Sandro ruborizou brevemente, pigarreou, olhou pro garçom e disse que iriam dar uma olhada no cardápio. Solícito, o rapaz se retirou, deixando o casal à vontade.
A Lisiane olhou pro Sandro, ainda com a bolsa no colo, gotículas de suor coladas à testa:
-E então...?
O Sandro tomou fôlego, os dedos das mãos entrelaçados por cima da mesa:
-Olha, Lis...
Hesitou, olhou pra um lado, depois pro outro.
Ela:
-Fogo!
Ele sorriu, triste:
-Lis... Eu não posso mais continuar namorando contigo.
Ela ergueu uma sobrancelha bem no alto:
-Eu nem sabia que a gente tava namorando...
-Lis... - Sandro ia começar um protesto, mas deteve-se. A Lisiane tinha razão. Eles não eram namorados. Não oficialmente. Andavam de mãos dadas, frequentavam a casa um do outro. Tinha coisas dele no apartamento dela, tinha coisas dela na casa dele, eles faziam sexo, assistiam filmes aninhados um no outro. Mas não. Ele jamais a pedira em namoro.
Não oficialmente.
Não conforme manda o figurino.
A Lisiane falou:
-Então tu não quer mais me ver?
-Não... Não é isso... Eu só... Só não posso mais... Ter isso que a gente tem.
A Lisiane se recostou na cadeira. Estava calma feito um ninja, aquilo deixava o Sandro ainda mais nervoso.
Ela falou:
-Tu tá querendo sair com outra pessoa?
Ele maneou a cabeça negativamente:
-Não... Nada disso. Não é outra pessoa...
Ela se inclinou pra frente:
-Foi alguma coisa que eu disse? A minha forma de agir?
O Sandro suspirou:
-Não, Lis... Tu é um anjo... Eu não tenho nenhuma queixa de ti... Do teu comportamento...
-Não... Porque, se eu sou molenga demais... Se é por causa disso, de eu ser meio avoada...
-Não, Lis. Não é... Não tem nada a ver com isso. Não é tu...
Ela deixou os braços caírem sobre a mesa, sua expressão se alterou sensivelmente:
-Não. - Ela sentenciou -Se tu não quer mais "isso que a gente tem", é porque alguma coisa tá te incomodando. Se tá te incomodando e tu não quer mais estar comigo, é alguma coisa que eu faço... Eu te sufoco?
Ele se recostou na cadeira, tentando ganhar alguma distância:
-Não... Tu não me sufoca.
-Eu te cobro alguma coisa? Eu te obrigo a fazer qualquer coisa de que tu não gosta?
O Sandro apenas voltou a balançar a cabeça em sinal de negativo.
-Pois é. Eu não te pedi pra conhecer meus pais, não te pedi pra ir à nenhuma festa familiar comigo, nem te pedi pra comprar absorvente no mercado pra mim, nada, Sandro. Nada, nunca.
-Eu sei. - Ele disse, olhos baixos.
-E agora tu diz que "não quer mais ter isso" comigo? É porque eu não te cobrei? É isso? Tu queria ter sido mais cobrado? Queria que eu fosse essas gurias melosas e grudentas que ficam puxando o rosto do namorado quando ele tenta olhar pro outro lado?
-Lis-
Ela o interrompeu:
-Ah, não. Desculpa. Tu não era meu namorado.
Ela falou alto. Algumas pessoas olharam. O Sandro não disse nada. Ela cobriu o rosto com a mão. Ele pensou que ela iria chorar, ficou em pânico com a perspectiva. Mas ela estava calma quando tirou a mão e se dirigiu a ele:
-Sabe o que eu desejo, Sandro? Que tu seja muito feliz. Seja sozinho ou com outra pessoa... Mas quer saber? Eu acho que tu não consegue ser feliz. Tu não consegue porque tu não sabe o que quer. Tu não sabe do que tu não gosta, então como é que tu vai saber do que é que tu gosta?
Ela levantou, juntou a bolsa e saiu.
Sandro ficou olhando enquanto ela se dirigia à saída, com suas pernas compridas sendo jogadas uma na frente da outro quase como se estivesse marchando.
Ela tinha razão em vários aspectos.
O Sandro não podia se queixar de cobranças por parte dela.
A Lisiane jamais fazia nenhuma. Nenhuma cobrança, nenhuma queixa, nenhum ultimato, nada. Ela era a figura do contentamento.
Ela parecia amar a vida. Parecia amar tudo o que a vida tinha. As coisas boas e as ruins. Ela sabia aproveitar tudo, filtrar sabedoria de tudo, rir mesmo das coisas mais chatas. Era parte do que o fazia amá-la.
E sim. Ele a amava. A amava e sabia que não estava agindo direito com ela.
Queria pedi-la em namoro. Um dia de noite, na frente da casa dela, segurando sua mão após terem assistido a um filme no cinema.
Queria pedi-la em casamento sobre um dos joelhos, anel dentro da caixinha, música de fundo dizendo que estar com ela o fazia muito feliz, e que se ela lhe desse a chance, ele passaria o resto da vida tentando retribuir.
Mas não dava...
Não dava porque a Lisiane era demais pro Sandro. Era areia demais pro caminhãozinho dele. Ele sempre soube, mas só descobriu com certeza ao perceber um padrão.
Um padrão na roupa íntima da Lisiane.
Ela era dessas mulheres que usam só calcinha rendada, estilo tanga e fio dental.
O Sandro era pra mulher que usa calcinha grande, tipo da vovó, mas de algodão.
E olhe lá.
Rapidinhas do Capita
Trailer novo do que deve ser o melhor filme de super-herói de 2014, X-Men - Dias de um Futuro Esquecido, que estreia em 22 de maio.
Na prévia, várias cenas inéditas, e foco no dilema enfrentado por Charles Xavier, e o conflito entre sua versão jovem (James McAvoy), e a tradicional (Patrick Stewart), além de vislumbres de vários dos trocentos mutantes no filme:
Ainda bem que tem o Capitão América em abril, pra ninguém roer os dedos até maio.
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Por falar no bandeiroso, olha só que bonitão o pôster estilo retrô lançado essa semana pro filme:
Antes desse, já havia sido divulgado outro pôster de estilo vintage aludindo ao estilo artístico de Jim Steranko, provavelmente para reforçar a ideia do filme, de ser um thriller de espionagem governamental disfarçado de filme de super-herói. Se funcionar, vai ser épico.
Capitão América: O Soldado Invernal estréia em 11 de abril.
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Enquanto isso, na Itália, os Vingadores estão saindo no braço com Ultron (ou seus símiles...), nas últimas fotos do set, vemos a Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen), Gavião Arqueiro (Jeremy Renner), Mercúrio (Aaron Taylor Johnson) e o Homem de Ferro (o dublê de Robert Downey Jr.) no que parece uma quebradeira violenta com robôs Ultron (O vilão, mesmo, vai ser vivido por James Spader).
Nas fotos dá pra ver o visual da Feiticeira, bastante próximo da arte conceitual divulgada na semana passada, o Arqueiro mantém o traje do primeiro filme, o Homem de Ferro parece usar uma variação da Mark XLII. O barato, mesmo, foi ver que Johnson está usando um traje que dialoga legal com a versão quadrinística, com direito a azul, prata e até uns relâmpagos (Screw you, Flash), além de, o mais legal, estar com os cabelos brancos.
Ainda bem que tem bastante coisa boa estreando até maio do ano que vem...
Aí uma leva de imagens:
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quarta-feira, 19 de março de 2014
Rapidinhas do Capita
Trailer Final de O Espetacular Homem-Aranha 2
Rapaz, saiu hoje o trailer final de O Espetacular Homem-Aranha 2 - A Ameaça de Electro.
A prévia de pouco mais de dois minutos e meio é recheada de cenas espetaculosas, daquelas de fazer nerd roer as unhas e começar a contar os dias até a (pré?) estréia.
Sem mais delongas, embasbaque-se.
E aí? será que demora demais até dois de maio?
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A Marvel divulgou ontem, em um documentário exibido na TV norte-americana, as primeiras artes conceituais apresentando o que deve ser o visual (ou um dos visuais) da Feiticeira Escarlate e do Mercúrio, que estarão em Os Vingadores - A Era de Ultron.
As artes já mostram os heróis com as feições de Elizabeth Olsen e Aaron Taylor Johnson.
A Feiticeira:
O Mercúrio:
O traje da Feiticeira, eu confesso, não me parece um visual final. Mal e mal é um uniforme. Talvez aconteça com Wanda Maximoff o que aconteceu com o Gavião-Arqueiro no primeiro filme, uniforme, mesmo, só no finalzinho. Já o traje do Mercúrio está bastante próximo do tradicional dos quadrinhos. O fato de não ter nenhum raio em lugar nenhum pode causar algum estranhamento, mas com a série do Flash vindo por aí, com relâmpago no peito e nas orelhas, é compreensível.
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Ah, sim. Mais duas imagens mostradas sugerem a presença da armadura Caça-Hulk do Homem de Ferro no filme:
Será que o Hulk vai ser novamente usado como peão para os propósitos pérfidos do vilão da vez?
Esse nerd que vos escreve acredita que não. Baseado no antagonista da vez, parece muito mais provável que Ultron use o arsenal do Homem de Ferro contra os heróis.
Descobriremos com certeza em maio do ano que vem.
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terça-feira, 18 de março de 2014
Resenha Game: The Last of Us - Left Behind
Vou confessar que sou um notório desprezador de DLCs. Sério. Pra ser cem por cento honesto, acho o fim da picada as publishers esperarem que, após pagar de cem a duzentos reais por um game, eu ainda esteja disposto a gastar mais dinheiro por add-ons, roupas, fases e outras besteiras que, todo mundo sabe, poderiam perfeitamente vir no disco pelo qual pagamos uma soma considerável.
Os poucos DLCs que eu cheguei a comprar nessa vida foram algumas fases para Star Wars - The Force Unleashed, que durante muito tempo foi meu game preferido, e pacotes de tralha para uma das edições passadas de FIFA. Após isso, minha carteira virtual da PSN ficou vazia por um boooom tempo.
Até algumas semanas atrás, no meio das minhas férias, quando li que a Naughty Dog estava publicando um conteúdo para download de The Last of Us.
Se tu não sabe o que é The Last of Us, então não tinha nada que estar lendo uma resenha de game, muito menos a deste DLC, que, na resenha, terá spoilers da história do game principal.
Mas enfim, The Last of Us foi o melhor game lançado no ano passado. Que me desculpe o ótimo Assassin's Creed IV - Black Flag, e o magnífico Grand Theft Auto V, mas nenhum game era tão bonito, tinha uma trilha sonora tão fabulosa, personagens tão encantadores e nem um roteiro tão bem escrito.
Por mais que seja maneiro abalroar navios ingleses com o Gralha, ou perder as estribeiras com o quase indestrutível Trevor Phillips, a luta desesperada de Joel e Ellie para se manterem e manterem um ao outro vivos, em um mundo pós-apocalíptico infestado de pragas que iam da infecção de cordyceps à própria natureza humana é desses games que dá vontade de aplaudir quando termina.
Mesmo descrente dos DLCs, qualquer coisa que me desse a possibilidade de visitar Joel e Ellie novamente era digna de dar uma olhada, então, no sábado, espanei o pó da minha carteira na Playstation Network, e comprei por módicos R$29,90 o conteúdo "baixável".
A primeira coisa a se saber sobre Left Behind é que está longe de ser uma desnecessária desculpa da Naughty Dog pra capitalizar (ainda mais) em cima do espetaculoso game original (esse é o papel do filme baseado no game que a Sony vai lançar.).
O add-on é um interessante capítulo que mistura um flashback do último encontro de Ellie com sua melhor amiga, Riley, bem como lança uma luz ao hiato que existe, no game principal, entre os capítulos Outono, e Inverno, onde Joel se vê gravemente ferido após enfrentar alguns saqueadores.
Então, a grande estrela do DLC é Ellie.
Em ambos os segmentos a guria é a personagem central, o que garante à jogabilidade um elemento de furtividade quase obrigatório. Como quem já jogou o game bem sabe, Ellie pode ser imune à infecção, mas uma dentada bem dada no pescoço ou um monte de bordoadas ainda a matam rapidamente.
Se com Joel era possível pegar um porrete e quebrar ele na cabeça de alguns estaladores e depois arrebentar perseguidores a socos, com Ellie a coisa muda de figura. Manter-se escondido e em silêncio ainda é a melhor pedida, de modo que encontrar utensílios para fazer coquetéis molotov e bombas de pregos ainda é mais útil do que encontrar meia dúzia de balas para a sua pistola.
Como já foi dito, a parte do game paralela à história central, mostra Ellie tentando manter Joel vivo. Para isso ela procura em um shopping abandonado por medicamentos e suturas para tratá-lo. Essa busca é entrecortada pela lembrança de Ellie da última vez em que esteve com sua amiga, também em um shopping abandonado na zona de quarentena de Boston, logo após Riley ter se unido aos Vaga-Lumes.
Como no game original, Left Behind tem seu ponto alto no roteiro, focado de maneira admirável no desenvolvimento dos personagens.
A relação de Ellie e Riley é tocante. Os momentos que as duas partilham rindo, brincando, contando piadas e dividindo uma cabine de fotos são tão bem escritos que chega a ser irritante como é verossímil e terno, além de tornar a tensão de saber como a brincadeira termina quase palpável.
Os gráficos seguem excelentes, a engenharia das fases é esperta, os infectados assustadores (embora não muito inteligentes), e as notas e bilhetes encontrados pelos cenários ajudam a criar um clima de desolação que só torna a imersão mais profunda e a experiência mais gratificante.
The Last of Us não precisava de um add-on, mas, por Deus, que bom que ele existe.
"Vamos lá. Quando foi que eu te meti em confusão?"
segunda-feira, 17 de março de 2014
A Bisca
A Jurema, depois de trinta e cinco anos de casamento, encasquetou que o Gumercindo tinha arrumado uma "namorada".
E ela dizia assim, mesmo:
Namorada.
A Jurema achava que o Gumercindo, tosco como era, não era homem de ter amante, que amante era coisa de grã-fino, que mantinha relacionamento extra-conjugal, vulgo safadeza, com a secretária, moça de vinte e poucos anos que nem era bonita, mas era novinha e deixava o velho fazer nojeiras como gozar na boca, em troca de um apartamento bem montado num bairro boêmio perto do centro enquanto o calhorda mantinha a família numa casa de três andares com quarenta e três cômodos na Zona Sul, garantindo que a empregada e a cozinheira estivessem com os salários em dia, assim como o pagamento da faculdade da filha mais velha e a psicóloga do filho mais novo.
O Gumercindo não fazia nada disso.
Como é que o Gumercindo, pé rapado, com cinquenta e quatro anos, trabalhando de porteiro, ia ter secretária? É nunca.
O Gumercindo não pagava nada nem pra Jurema, que tinha que acumular as funções de empregada e cozinheira da casa simples de dois dormitórios no Guajuviras, comprada com muito suor, dele e dela, também, que não só acumulava as funções de empregada e cozinheira em casa, como também o fazia pra fora, trabalhando como diarista, pelo menos até o ciático reclamar, e fazendo pastel pra Valdirene vender na faculdade, que diga-se de passagem, era a própria quem pagava com muito suor, trabalhando de telemarketing.
O Gumercindo também não pagava a psicóloga do Gum Júnior, que aos dezesseis anos, se precisava de algum tratamento pra cabeça, era um que fosse aplicado com porrete, porque, que Deus perdoe a dona Jurema, mas ela acha que só dando na cabeça do Gum Júnior até ele desmaiar pra resolver os problemas daquele menino, que, francamente, só queria saber de ouvir funk e não era ajuizado nem pra preencher o boné com a cabeça, imagine pra dar jeito na vida e conseguir um trabalho igual a irmã mais velha, aquela sim, um primor, embora também tivesse tido uma fase tinhosa na adolescência.
Mas enfim, a Jurema resolveu que o Gumercindo tinha uma amante, e não era porque ele, de repente, tinha começado a comprar loção pós-barba no mercado, nem porque ele resolveu que a Jurema precisava usar alvejante na camisa dele, não, não foi por isso, que isso ela teria interpretado como um sinal tardio de que o Gumercindo estava tentando trabalhar mais apresentável. Também não foi aquele fio de cabelo loiro, quase branco, que ela achou na lapela do blazer do uniforme dele. E nem foi o suspeitosíssimo telefonema que ela pegou ele fazendo pra, imagine só, um salão de beleza...
O que convenceu a Jurema que o Gumercindo tinha uma amante, digo, namorada, foi o fato de que um dia de noite ela foi encostar o pé dela no dele por baixo das cobertas, e ele refugou.
Tirou o pé, na maior cara de pau. Sem a menor cerimônia.
Simplesmente afastou o pé na hora em que a Jurema encostrou o pé no dele. Ora, francamente, se a Jurema conquistara alguma coisa naqueles trinta e cinco anos, fora o direito de esquentar o pé dela no pé do Gumercindo, que mesmo sendo magro igual um fiapo, tava sempre com o pé quentinho.
Ela cozinhara, limpara, lavara e criara os filhos daquele ingrato, o mínimo que ele devia fazer, era ter a decência de reconhecer que tinha a obrigação moral, de aquecer os pés dela, já que não ganhava dinheiro suficiente pra dar bons presentes nem pra mimá-la um pouquinho com um pacote do Big Brother na TV a cabo que, diga-se, ela tivera que quase implorar pra ele instalar, e mesmo assim ele só concordou depois que a Valdirene disse que precisava ter internet em casa, porque o computador que ela comprara não ia servir pra faculdade sem a tal da internet.
Agora esse calhorda, esse biltre, esse safado, cretino, salafrário, arrumava uma namorada, e não queria mais esquentar o pé da Jurema debaixo das cobertas. O que seria? Ela o repelia fisicamente? Será que a cabeleireira, manicure, ou fosse lá o cacete que fosse a cretina que tava mimando aquele safado por fora era tão mais bonita? Tão mais atraente?
O Gumercindo achava que era fácil, ser atraente quando se acorda todo dia seis da manhã pra fazer café pra esperar o desavergonhado do marido chegar em casa?
Acha que é fácil ser feminina quando se mata um leão por dia esfregando, varrendo, ensaboando, e esfregando de novo?
Que é fácil ser cheirosinha que nem aquela bisca bebedora de porra quando se está quatro vezes por dia com os braços até o cotovelo na farinha, na banha, no cheiro-verde, na cebola e na carne moída fazendo pastel?
Ah, mas o Gumercindo ia pagar ela.
Se ele quisesse ficar colocando aquele pinto velho e murcho dele nos quartos de alguma Messalina por aí, ele que colocasse, mas ela não ia ser a empregada dele pra ele estar bem apresentável e bem alimentado pras safadezas dele, ah, mas não ia, mesmo.
O Gumercindo que se preparasse pra quando chegasse em casa. Ele ia ver só uma coisa.
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Enquanto isso, o Gumercindo passou o posto pro porteiro do dia no prédio onde trabalhava bem a tempo de ganhar um abraço apertado da Lavínia, um amor de menina, loirinha de sete anos de idade que ficara eternamente grata a ele por ter encontrado o Eleocádio Rom-Rom, o gato fujão dela no mês passado.
Quando começou a andar, tomando o rumo de volta pra casa, o Gumercindo, alheio à tempestade que assomava em seu horizonte doméstico, fazia umas contas e pensava se naquele mês ia sobrar o dinheirinho pra ele ir ver uma podóloga ou uma pedicure, porque aquela unha encravada tava matando ele de dor. De noite, quando a Jurema ia aquecer os pés dela nos dele debaixo das cobertas, e chegava se encostando, ligeira, batendo no dedão quente de tão inflamado dele, o Gumercindo quase gritava de dor.
sexta-feira, 14 de março de 2014
Solidariedade
Estavam ela e ele na delegacia, sentados na frente da delegada com mais um policial na sala, parado, com os braços cruzados ameaçadoramente atrás dele.
Ele, o Afrânio, magro, estatura mediana, aparência mediana, cabelos castanho-claros, óculos de grau, camiseta dos Smiths, calça jeans e tênis.
Ela, a Glorinha. Baixinha, bonita, cabelos castanho-escuros pela altura dos ombros, vestido tubinho preto e salto alto.
O policial era grande, bem grande. Era meio barrigudo, mas forte, tinha de braço o que o Afrânio tinha de coxa, e de coxa o que o Afrânio tinha de cintura. Parecia uma fortaleza silente, erigida às costas do Afrânio para oprimi-lo sob a ameaça silenciosa de um bofetão inesperado. Ele usava calça jeans, sapato preto, uma camisa branca de manga curta e o colete da polícia civil por cima. Tinha o óculos de aviador Ray-ban preso no colarinho aberto da camisa, e mascava um palito de dentes. Usasse bigode e seria a epítome do policial civil da ficção.
A delegada era bem diferente do que ele esperaria, porém. Loira, jovem, relativamente bonita, vestia uma jaqueta branca imitando couro, brincos de argola grandes como rodas de bicicleta, uma blusa de lurex cinza por baixo da jaqueta, várias pulseiras e anéis... Era ela quem o repreendia verbalmente.
-Pois então, seu Afrânio... O senhor não sabia que agredir uma mulher é crime? E crime sério. O senhor não está ciente da Lei Maria da Penha? - Ela perguntava, ora olhando os papéis diante de si, ora olhando pro Afrânio.
Ele não disse nada. Continuava olhando pra delegada, mas de vez em quando olhava o policial parado atrás de si, temendo levar um cascudo. Nunca estivera naquela situação. Não sabia se rolaria a rotina de filme americano do good cop/bad cop. Se fosse, estava preocupado, até o momento a delegada só o esculhambara, e o sujeito parado atrás dele não dera um pio, se ele fosse o policial bom, não estava bem no papel se fosse o malvado, o acertaria com um tabefe a qualquer instante, perigando nocauteá-lo, e isso na melhor das hipóteses, na pior, arrancaria-lhe a cabeça com um golpe bem aplicado.
A delegada continuou.
-Um homem do seu tamanho, seu Afrânio, batendo em uma mulher... Em uma mulher miudinha, ainda por cima... Mesmo se o senhor não conhece a lei Maria da Penha, mesmo se o senhor é completamente ignorante a todo o nosso código penal, o senhor não tem um pingo de educação? De polimento? De decência? O senhor não teve mãe? Não teve uma pessoa na sua vida pra lhe dizer que o senhor não deveria agredir uma mulher? Que uma mulher, especialmente uma pequenininha que nem essa moça aí do seu lado, é pra ser bem tratada. Protegida. Guardada... Ninguém lhe ensinou nada disso, seu Afrânio?
O Afrânio não disse nada. Olhou pra delegada, pensando que estava, de fato arrependido pelo que ocorrera, e não apenas pela iminência de ser surrado com uma lista telefônica por aquele mamute que estava ancorado atrás dele feito um transatlântico assassino.
A delegada continuou:
-Ficar mudo não vai adiantar nada, seu Afrânio. Agora o mal já foi feito. O senhor aprontou uma boa, seu Afrânio. Aprontou, mesmo. E vai ter que pagar por isso conforme os trâmites da lei.
Ela ergueu os olhos de modo que ficou claro pro Afrânio que ela estava olhando pro policial tamanho litrão que ficara parado atrás dele. O Afrânio chegou a fechar um olho bem apertado achando que levaria uma tapona no ouvido, mas a delegada apenas disse:
-É ou não é, Oliveira?
E o policial atrás do Afrânio gemeu um "é" grave igual um apito de navio.
A delegada continuou:
-Eu ainda estou tentando convencer essa moça bonita a prestar queixa contra o senhor, seu Afrânio. Ela não quer. Certamente tem medo, já que existem muitos "Afrânios" pelo Brasil afora, e a polícia infelizmente não tem condições de garantir a salvaguarda de todas as moças que estão sob a ameaça de um covarde capaz de bater em uma mulher!
A voz da delegada saiu de tom pela primeira vez. O Afrânio percebeu que ela estava brava. De novo, com a visão periférica, ficou esperando o Oliveira lhe dar um cola-brinco, mas ele não se mexeu.
A delegada se recompôs, passou a mão no cabelo, pigarreou:
-Bom... Se tudo correr bem, seu Afrânio, o senhor pode esperar um processo judicial. Pode esperar prisão. Pode esperar medida cautelar... Tudo isso. Tudo pra garantir que o senhor não levante nunca mais a sua mão pra uma mulher. Eu só preciso convencer essa moça adorável, de que ela está certa, e o senhor, seu Afrânio, é que é o errado.
A moça ao lado do Afrânio, bonita, pequenininha, mesmo, com uma expressão fechada, olhou de esguelha para a delegada, depois pro Afrânio.
A delegada se levantou, andou até a moça e amparou-a fazendo com que levantasse, e as duas saíram da sala, deixando o Afrânio sozinho com o Oliveira, que parecia muito maior que uma oliveira.
O Afrânio ficou ali sentado, em silêncio, com o Oliveira atrás de si um minuto, dois, dez, vinte...
A respiração do policial, no silêncio da sala, começou a tomar proporções de terremoto na falha de San Andreas. Cada conjunto de inspiração e expiração faziam a cadeira do Afrânio vibrar sob seu corpo.
A tensão foi ficando insuportável pro Afrânio, que, em pânico, temendo uma surra homérica, acabou desatando a falar, falar alto, colando uma frase na outra achando que, se fosse capaz de se explicar, não apanharia:
-Sabe o que é, seu Oliveira? A Glória e eu, Glória é a moça que tava aqui, a que eu agredi, bom, agredi, não. Quer dizer, agredi, mas não do jeito que a delegada disse. A Glória e eu, a gente trabalha junto, sabe? Já tem um tempo, tipo uns quatro meses, quase cinco. A Glória sempre me tratou bem, desde a primeira vez que a gente conversou. A gente tava falando de uns desenhos animados lá da década de oitenta, que ela via e eu também. A gente nem se falava direito nem nada, só estávamos no mesmo lugar, na mesma roda de amigos depois do expediente, happy hour, sabe? E então eu corrigi um lance que ela falou e tal, e a gente meio que começou a se falar dali em diante, saca?
O Oliveira não disse nada. O Afrânio percebeu que ele também não se mexera, mas continuava respirando pesadamente. Em pânico, não conseguiu conter a diarreia verbal, e seguiu:
-Enfim, ela e eu nos tornamos amigos, sabe? Bons amigos. Quer dizer, eu sempre achei que tinha mais entre nós. Uma sugestão de flerte, manja? Nós ficamos íntimos, ela me contava coisas, falava das preferências sexuais dela, imagine? Me contou do ex-crápula que magoou ela e que era mega conservador , me dizia que tinha se tornado mais aventureira, que queria experimentar coisas novas. Eu, claro, acabava falando das minhas intimidades, também, preferências e tal. Nada explícito, sabe? Só pra manter o quid pro quo, e pra sustentar o interesse dela aceso, porque ela parecia interessada, eu não tava imaginando coisas, entende? No meu lugar tu faria a mesma coisa-
Deteve-se. Havia comparado o Oliveira a si próprio, um notório réprobo social. Esse era o momento do safanão. Encolheu-se, mas nada aconteceu. Esperou, encolhido pela raquetada que o derrubaria da cadeira, ou o soco na nuca que faria sua cara se desprender da cabeça, mas nada acontecia. O pavor crescia, sem saber o que mais fazer, seguiu falando sem controle:
-Mas então, ela continuou me provocando, sabe? Me falando coisas, se abrindo, dizendo como eu era perfeito. Até presente de dia dos namorados ela me deu, Oliveira! Imagina uma coisa dessas? O que que eu ia pensar? Claro que eu ia pensar em besteira!
O Oliveira nada. Continuava parado, ameaçadoramente silencioso atrás do Afrânio feito um Colosso de Rodes prestes a esmagar um barco incauto que ousasse passar entre suas pernas colossais.
O Afrânio, já suando de tão assustado, seguiu:
A gente saía juntos. Cinema, teatro, barzinho, tudo bem, eu admito, não tomei uma atitude, mas é que os sinais dela, embora fossem claros, não eram definitivos, Oliveira, eram óbvios, mas não eram um sinal verde. E eu, que sou tímido, fui levando as coisas em banho maria sem partir pro ataque. Aí, ontem ela me liga, diz que queria sair comigo depois do expediente hoje, que precisava falar comigo. Uma coisa muito séria. Eu fui. Tomei banho antes de sair pro trabalho, me lavei de perfume, me preparei pra quê? Pra ela me dizer que gostava de mim e perguntar se eu sentia o mesmo, né, Oliveira? E eu ia dizer que sim. Que gostava. Que na verdade, esse nosso relacionamento semi-platônico, inclusive tinha me dado uma outra percepção das relações homem/mulher, que eu tinha amadurecido e me tornado um homem melhor, mais apto a encarar os percalços de uma relação por causa dela. Aí, na saída do trabalho, fui pegar ela, a gente saiu, ela toda sorridente, meio misteriosa, quase tímida. Eu, felizão, cheguei a ensaiar de pegar na mão dela enquanto a gente andava. Chegamos no bar, o mesmo barzinho onde a gente foi quando saímos juntos a primeira vez. Ela, sorrindo, me olha e diz que precisa me contar uma coisa, que não podia mais guardar aquilo, eu, transbordando de excitação, nervoso, antevendo o beijo que eu ia dar nela, o que é que ela me diz, Oliveira? O que é que ela me diz?
Afrânio se remexeu na cadeira, virando o torso superior e encarando o Oliveira de baixo pra cima, sem levantar. O Oliveira olhou vagamente pra baixo, ainda mascando o palito, sem dizer nada. A expressão dura, o rosto anguloso talhado em pedra. Sem expressão, exceto alguma coisa nos olhos pequenos e fundos em duas cavernas cavadas ao redor do topo do nariz curto. Talvez fosse ódio, o Afrânio não sabia, mas fosse o que fosse, fez o Afrânio conter a verborragia. Ele respirou fundo, ficou em silêncio por algum tempo. Mas suspirou e falou, em tom bem mais baixo e infinitamente mais pausado:
-Ela me disse que tava namorando, Oliveira. Disse que tinha conhecido um cara ótimo. E que eu tinha ajudado ela a romper um mundo de barreiras... Que sem a minha presença na vida dela, ela jamais teria tomado coragem pra convidar o tal do cara pra sair.
Afrânio segurou o rosto entre as mãos.
-Perdi as estribeiras, mesmo. Dei um pedala nela. Mas foi no topo da cabeça. Um tapa, um cascudo. Coisa que se faz em irmão mais novo. Ela até riu na hora, mas um cara viu, tomou as dores, deu discussão, chamaram a polícia... Enfim, eu acabei aqui. De coração partido e prestes a ter minha vida demolida por uma reação intempestiva, toneladas de timidez e um mal-entendido.
Ficou parado, olhando pra frente. Percebeu o Oliveira se mexer, não se encolheu, achou que, se aquela era a hora do bofetão, a merecia. Mas a mão do Oliveira, do tamanho e peso de um cacho de bananas, pousou em seu ombro, silenciosa.
O Oliveira, como todos os tímidos do mundo, mesmo sem aprovar a reação do Afrânio, sabia como ele se sentia.
segunda-feira, 10 de março de 2014
Resenha Blu-Ray: Jogos Vorazes: Em Chamas
Oh, Katniss Everdeen... Só tu, mesmo pra fazer eu assistir Jogos Vorazes e Jogos Vorazes: Em Chamas... Seja pela carinha bonita, pelo corpinho gostoso, a jovem Jennifer Lawrence é a melhor e mais óbvia razão para assistir às adaptações cinematográficas da série literária de Suzanne Collins.
Não me entenda mal. Nada contra Suzanne Collins, seus livros ou adaptações literárias, apenas acho que, por mais interessante que sejam ficções cientificas ambientadas em futuros distópicos, elas perdem um pouco da graça quando são adaptadas pelas razões comerciais erradas.
Todo mundo sabe que Katniss ganhou a cara (e o corpaço) de Jennifer Lawrence por causa do potencial que o triângulo amoroso entre ela Gale (Liam Hemsworth) e Peeta (Josh Hutcherson) tinha para ser o "novo Crepúsculo", e ganhar seu lugarzinho dourado no coração (e nas carteiras) dessa geração de retardados mentais funcionais que são nossos adolescentes.
O texto de Suzanne Collins, no entanto, tem mais do que apenas o triângulo amoroso a oferecer, de modo que o primeiro filme, embora meio sem graça, não era ofensivo, na verdade, tinha qualidades que faziam a gente torcer para que, na iminências de uma continuação, ela enveredasse, não pelo caminho da mocinha dividida entre dois amores, mas pelo lance do futuro distópico e das autoridades arbitrárias que era sugerido no primeiro longa, mas deixado meio de escanteio pra centrar fogo no que atrairia o público, figurinos extravagantes, efeitos visuais maneiros e, claro, a história de amor cheia de desencontros, obstáculos e heroínas divididas.
Foi por essas e outras que pulei solenemente Jogos Vorazes: Em Chamas no calendário de lançamentos do ano que passou, e apenas movido pela melancolia de final de férias que me impeliu a procurar algo que fazer na minha última madrugada anterior a uma manhã sem trabalho, foi que aluguei o filme na grade do serviço de aluguel digital da TV a cabo.
O segundo longa da trilogia mostra Katniss ainda tentando descobrir o que quer. Após ferrar geral com as regras dos Jogos Vorazes do ano anterior, e conseguir ser vencedora ao lado de seu vizinho Peeta, ao invés de matá-lo e vencer sozinha, ela vive uma vida de relativo conforto ao lado da mãe e da irmã por quem disputou os jogos um ano antes.
Ela se prepara para o tour dos vencedores, quando viajará pelos doze distritos e a capital com Peeta, quando recebe a visita do presidente Snow (Donald Sutherland), que a aconselha a convencer o mundo de que está loucamente apaixonada pelo seu colega.
Snow teme que, se a farsa de Katniss for descoberta, a imagem do governo será manchada, servindo de combustível à uma nova rebelião que começa a tomar corpo nas sombras.
Durante a viagem, Katniss, dividida entre suas obrigações para com a segurança de sua família, ameaçada por Snow, e a vontade de fugir para viver no ermo com Gale, falha em convencer o presidente, que, emputecido, resolve que é hora de agir.
Com a ajuda do diretor geral Plutarch Heavensbee (O ótimo e falecido Philip Seymour Hoffman), o presidente dá início ao Massacre Quaternário, uma edição especial dos Jogos, disputada pelos vencedores dos jogos anteriores.
Novamente ameaçada de morte, Katniss segue tendo que decidir o que quer, além de ter que lidar com seus sentimentos divididos entre Peeta e Gale, a segurança de sua família e de todos com quem se importa, e o papel de símbolo da resistência e da revolução, algo que ela jamais quis.
É bacana.
O segundo longa envereda bem pelo lado mais interessante da saga, a revolução contra o estado policialesco que explora seus cidadãos.
Embora ainda tenha espaço pra obrigatória melação do romance triplo, e uma nova versão (chaaaaata) dos Jogos, Em Chamas acerta a mão e entrega um filme consideravelmente superior ao anterior (inclusive tecnicamente, já que o orçamento do diretor Francis Lawrence é o dobro do filme anterior.).
Com algumas adições interessantes ao elenco (Hoffman é a melhor, mas há também Jeffrey Right, Sam Clafflin, Amanda Plummer e a gatinha Jena Malone) que mantém os bons nomes já presentes no primeiro filme (Woody Harrelson, Stanley Tucci, Elizabeth Banks), Jogos Vorazes: Em Chamas é um programa bacana, e, quem que se pese que é um filme sem começo nem fim, já que serve de encaixe entre o primeiro capítulo e o vindouro terceiro (que será dividido em duas partes, claro).
Além do mais, não se deve desperdiçar nenhuma oportunidade de ver Jennifer Lawrence em ação. Além de bonitinha e gostosona, ela esbanja talento.
E que venha Jogos Vorazes: A Esperança.
Vou ver no cinema.
"-Desde os últimos Jogos algo está diferente. Eu posso ver.
-O que você vê?
-Esperança."
sábado, 8 de março de 2014
Resenha Cinema: Walt nos Bastidores de Mary Poppins
OK, ok... Eu sei que a hora de traduzir os títulos de filmes, livros e quadrinhos estrangeiros de modo a torná-los mais atraentes e acessíveis ao grande público deve ser um momento tenso. Sei que a ideia geral deve ser sempre fazer o melhor e mais fiel trabalho possível. Por vezes o serviço é feito de maneira tão acertada que superam os originais. Imagine O Poderoso Chefão intitulado "O Padrinho", ou Rastros de ódio sendo chamado de "Os Procuradores", ou Demolidor, o herói cego de Hell's Kitchen, sendo "O Audacioso"... Entretanto, há outras vezes... A maioria das vezes, em que a tradução simples funcionaria a pleno contento...
Essa é uma dessas vezes.
Walt nos Bastidores de Mary Poppins, é um título mal escolhido, mal ajambrado e até mesmo mal intencionado para o Saving Mr. Banks do original. Otítulo nacional parece feito para convencer a audiência que Disney e sua luta para tornar o livro de P. L. Travers um filme são os protagonistas da trama.
A verdade é bem o oposto.
O longa de John Lee Hancock (de Um Sonho Possível) é muito mais focado na escritora australo-britânica e na sua relutância em aceitar vender os direitos do seu livro, Mary Poppins, para que Disney fizesse dele um filme, algo que o poderoso animador da Disney tentava a vinte anos.
Travers (Emma Thompson), ameaçada de perder sua casa, acaba aceitando considerar a ideia em 1961, e para isso, é convidada a se encontrar, em Los Angeles, com o produtor do filme, Don DaGrady (Bradley Withford), os roteiristas Richard e Robert Sherman (Jason Schwartzman e B. J. Novak), e o pai do Mickey em pessoa, Walt Disney (Tom Hanks).
Uma pessoa intransigente e difícil de se relacionar, Travers chega à Hollywood francamente disposta a melar a negociação, fazendo toneladas de exigências absurdas e demandando controle criativo sobre a produção de fazer J. K. Rowling se morder de inveja.
Entretanto, enquanto coloca defeito em tudo e é britanicamente fleumática com todos a seu redor, a autora começa a remoer reminiscências de seu passado, e a tornar cada vez mais evidente o paralelo entre o chefe da família de seu livro, o Mr. Banks do título original, e seu próprio pai, o banqueiro fracassado Travers Goff (Colin Farrell), e a ideia de salvar o senhor Banks, e a memória de seu pai, começa a ficar tentadora.
Completamente chapa branca, ignorando os lados mais sombrios dos protagonistas Travers e Disney , e pintando o conflito de ambos com tintas tão leves que tornam o filme quase uma comédia na maior parte do tempo, Walt nos Bastidores de Mary Poppins, ainda consegue agradar.
Carregado de uma ternura quase palpável, o roteiro de Kelly Marcel e Sue Smith caiu nas mãos de um diretor bem intencionado e de um elenco muito mais do que competente.
A interpretação de Emma Thompson é excelente, e apesar da completamente despropositada mudança da personagem ao longo do filme, a inglesa dá nuances e expressões muito verdadeiros à sua Travers, de modo que, graças à atriz, a personagem escapa de se transformar unicamente em um pastiche da voz e do sotaque da autora de verdade (Copiados, diga-se de passagem, à perfeição, conforme atesta um trecho gravado da voz da P. L. Travers original nos créditos de encerramento). Se o texto não faz o mesmo por Tom Hanks, com muito menos chances de tornar seu Walt Disney mais do que meramente camaradão, ajuda Colin Farrell a realizar um ótimo trabalho como o pai da escritora, e Paul Giamatti com seu amigável motorista Ralph.
Longe de ser um documento biográfico acurado de qualquer um dos retratados, Walt nos Bastidores de Mary Poppins é um filme tocante, bonito, divertido, e cheio de bons trabalhos, que vale demais a ida ao cinema.
"Ventos no oeste/ Nevoeiro vai entrando/ Como algo em preparo/ Quase começando/ Não posso apontar/ O que aguarda adiante/ Mas sinto que o quê se avizinha/ Já aconteceu antes."
quinta-feira, 6 de março de 2014
Resenha Cinema: Tudo Por um Furo
Em 2004 um dos personagens cômicos mais engraçados do cinema nas últimas décadas surgiu na comédia O Âncora: A Lenda de Ron Burgundy.
O personagem título, vivido por Will Ferrell, era o maior âncora do jornalismo televisivo no horário nobre de San Diego na década de 70.
Ron, um completo imbecil, absolutamente chauvinista, convencido, infantil, que era a voz da verdade para o povo da cidade, que aguardava ansiosamente para ouvi-lo, via seu mundo ser sacudido ao ser obrigado a dividir a bancada com a primeira apresentadora feminina de noticiários, Veronica Corningstone (Christina Applegate).
Ron Burgundy fez uma carreira modesta no cinema. Não chega a surpreender. A base de fãs de Will Ferrell não chega a ser enorme nos EUA, e no resto do mundo deve ser desprezível (segunda-feira conheci o fã de Ferrell de Porto Alegre além de meu irmão e eu, vi o sujeito comprando ingressos para O Âncora no cinemark vestindo uma camisa com a cara do ator estampada na frente).
Seus fãs, porém, embora poucos, são fiéis. E, no boca a boca, nos DVDs e na TV a cabo, Ron Burgundy e seus parceiros do noticiário, os igualmente imbecis Brian Fantana (Paul Rudd), Champ Kind (David Koechner) e Brick Tamland (Steve Carell), acabaram conquistando mais pessoas.
Ao longo dos últimos nove anos, a turma do Canal 6 acabou encontrando seu nicho, e formando uma audiência capaz de justificar uma continuação.
Como o filme anterior, que usava a explosão do feminismo e o fim do estilo macho-man de bigodão e peito cabeludo para sustentar uma hora e meia de bobagens da melhor qualidades, a sequência também parte de uma premissa carregada de verossimilhança, mas, infelizmente, de uma verossimilhança muito mais atual.
O execrável título brasileiro, Tudo Por um Furo, feito sob medida para evitar que as pessoas lembrassem do filme anterior, e para ocultar o fato de que se trata de uma sequência de cujo primeiro filme quase ninguém assistiu, faz justiça, porém, ao mote do filme, o momento em que o noticiário virou entretenimento.
Na trama, Ron Burgundy e sua esposa Veronica Cornigstone apresentam um noticiário vespertino em Nova York.
Com a iminente aposentadoria do âncora do mais prestigiado noticiário de horário nobre, Mack Tannem (Harrison Ford), eles esperam ficar com a vaga, o que se comprova fato, mas apenas até certo ponto.
Veronica é aprovada por Mack, mas Ron, não.
Humilhado, ele obriga Veronica a escolher entre ele ou o trabalho.
Alguns meses depois vemos Ron, apresentando os shows aquáticos na Flórida, mergulhado em um espiral de desgraça e ostracismo após perder o emprego e romper com Veronica.
Mas apenas até ser procurado pelo produtor Freddie Shapp (Dylan Baker), que acena com uma nova oferta de trabalho para Ron:
Um emprego como âncora no primeiríssimo canal de notícias 24 horas do mundo, a GNN.
Ron aceita o trabalho contanto que possa recrutar sua antiga equipe, Champ Kind, nos esportes, Brick Tamland na meteorologia, e Brian Fantana como repórter de rua.
Com seus companheiros a seu lado, Ron chega à GNN, mas apenas para descobrir que ficou com o pior horário da emissora, das duas às cinco da madrugada.
Entretanto, disposto a recuperar seu posto como número 1, especialmente motivado após uma rixa com o bamba da emissora, Jack Lyme (o Ciclope James Marsden), Ron e seus colegas começam a pensar em como tornar o noticiário mais atrativo.
Então pensam, por quê, ao invés de mostrar às pessoas o que elas precisam saber, não mostrar apenas aquilo que elas querem ver?
E tome patriotismo barato, perseguições cobertas ao vivo, escândalos envolvendo celebridades e reportagens com animais, lançando a audiência a níveis estratosféricos e colocando o apresentador mais classudo de San Diego no topo do mundo. Mas por quanto tempo essa fama e sucesso manterão Ron no topo antes que ele coloque tudo a perder?
É ótimo.
A fita, novamente co-escrita por Ferrell e o diretor Adam McKay tem duas horas de non-sense non-stop, a profusão de piadas é tão descontrolada e em tons tão variados que é impossível, mesmo para quem não é fã de comédias, não rir de, pelo menos, algumas delas.
O elenco principal segue ótimo. Ferrell e Carell são dois dos melhores comediantes do cinema americano, Paul Rudd também não é nenhum novato na arte de fazer papel de boçal, e David Koechner tem em seu Champ o melhor papel de sua carreira.
O texto carregado de besteirol é um prato cheio para o elenco, engrossado pela presença de Maegan Good (E bota good nisso), Kirsten Wiig, Greg Kinnear, Josh Lawson, além de uma constelação de participações especiais incluindo Liam Neeson, Will Smith, Marion Cotillard, Kirsten Dunst, Tina Fey, Amy Poehler, Sacha Baron Cohen, Jim Carrey, John C. Rilley, Kanye West e Vince Vaughn.
Em suma?
Assista no cinema, Ron Burgundy e sua equipe não merecem passar mais dez anos longe. E nem a audiência.
"-O quê? Nos colocaram no horário do cemitério!
-Eu não tenho medo de fantasma."
terça-feira, 4 de março de 2014
Quadrinhos: Planetary - Deixando o Século 20
Maldito seja, Warren Ellis. Maldito seja por ter escrito Planetary. Maldito seja por se juntar a John Cassaday, Laura Martin e David Baron e ter criado essa espetaculosa obra em quadrinhos.
Maldito seja, malditos sejam todos por tê-la feita tão curta.
Sim, curta.
Pois com o lançamento de Deixando o Século 20, terceiro volume da série na republicação da Panini, e volume em que a atual publicação alcança o ponto até onde a Devir e a Pixel haviam chegado entre 2005 e 2008, há uma dicotomia de sentimentos.
É como descobrir que a ex-namorada a quem tu amava encontrou alguém melhor e está feliz. Da mesma forma que tu te sente feliz por ela, existe aquela percepção clara de que algo se perdeu. É assim com esse terceiro e glorioso volume de Planetary.
Da mesma forma que existe uma excitação em saber que o próximo volume mostrará o desfecho da série, que mantendo a qualidade da publicação até aqui, deverá ser ótimo, existe certa melancolia em saber que O Baterista, Jakita Wagner e Elijah Snow deixarão de aparecer periodicamente nas bancas desenterrando o passado deste nosso mundo estranho.
O terceiro volume de Planetary tem 6 (excelentes) histórias publicadas originalmente nas edições 13 a 18 da Planetary Magazine.
Na primeira, Século, vemos um jovem Elijah Snow viajando pela alemanha em 1919. Ele vai até um castelo abandonado onde encontra monstros e evidências de uma antiga conspiração que o levam até Londres, na Inglaterra, onde encontra Sherlock Holmes, o maior detetive do mundo, já em idade provecta, na companhia de um vampiro.
Referências óbvias a Frankenstein, conde Drácula, Holmes e, claro, à Liga Extraordinária de Alan Moore.
A história seguinte, Ponto Zero, mostra o momento em que o problema de Snow com os quatro tornou-se pessoal, além das óbvias alusões ao Quarteto Fantástico, existe outra a Thor, e também o momento exato em que Snow foi vítima de Randall Dowling, tornando-se o andarilho amnésico que conhecemos no primeiro volume.
A terceira história da edição, Canções de Criação, Snow, com sua memória quase que totalmente recuperada faz emendas ao período em que esteve afastado ao mesmo tempo em que resolve lembrar aos Quatro que é bastante perigoso, também, além de referir a um explorados chamado Carlton Marvel (referência ao Capitão Marvel, mas também à editora Charlton).
A ela segue-se Hark, onde o líder do Planetary coopta Anna Hark para sua causa e promove um reencontro.
As referências mais claras da edição, além da óbvio desfecho do arco iniciado em Estranhos Portos, onde Jim Wilder viajou à Sangria, são os filmes de kung-fu românticos de Zhang Yimou e Ang Lee.
A seguir, visitamos novamente o passado de Elijah Snow. É 1933 e ele descobre o caminho até a cidade perdida de Opak-Re, uma joia de alto desenvolvimento humano e científico oculta no coração da África.
Lá, conhecemos Kevin Sack, lorde Blackstock, um nobre britânico criado na selva com bom trânsito entre o povo local, Anaikah, primeiro amor da vida de Elijah Snow, e até mesmo pistas da origem de Jakita Wagner.
A mais clara referência na história é, claro, ao Tarzan de Edgar Rice Burroughs, o aristocrata inglês John Clayton III, lorde Greystoke (Até na capa original, aludindo à revista All Star Magazine, de outubro de 1912, primeira aparição do personagem) , mas há ainda uma referência sutil ao Superman.
Fechando a edição com chave de ouro, temos O Clube do Canhão, na história o espião Stone, John Stone oferece uma dica a Elijah Snow.
Ele fala sobre um objeto em órbita translunar a 150 anos. A órbita prestes a terminar atrairá a atenção dos quatro, dando a Snow uma chance de bater forte em seus inimigos.
Mais do que isso, a história ainda mostra um estranho lançamento espacial datado de 1851, numa bela homenagem a Da Terra à Lua, de Jules Verne.
Claro, Planetary é muito mais do que simples referências e homenagens (e há muitas outras além dessas, que com certeza podem ser encontradas pelo leitor mais atento e obsessivo), a trama oculta sob o verniz da revisão da cultura pop do Século XX é realmente interessante, bem construída e magnética.
O formato americano, com capa cartão e papel bom no miolo, por módicos R$19,90 são os mesmos das duas edições prévias.
O formato americano, com capa cartão e papel bom no miolo, por módicos R$19,90 são os mesmos das duas edições prévias.
A ocasião é agridoce.
Planetary está por terminar. Vida longa a Planetary.
"Bom dia, doutor Dowling. Doravante as coisas vão só piorar."
Resenha Cinema: Sem Escalas
Existe, no vocabulário gauchesco uma expressão interessante, à qual as pessoas não dão a devida atenção: Nêgo Véio.
Um autêntico nêgo véio não é apenas um camarada que chegou à certa idade. Tampouco tem conotação racial. O verdadeiro nêgo véio é um sujeito que chegou à certa idade, sim, mas, mais importante que isso, entrou nos anos provectos sem perder muito de sua solidez física e de sua acuidade mental.
Um nêgo véio verdadeiro tem liberdade para dizer certas bobagens, tomar certas liberdades, usar determinadas expressões que outrem, simplesmente não têm estatura moral para usufruir.
Um nêgo véio conforme manda o figurino, pode dizer e fazer algumas bobagens, e também deve ser capaz de machucar piazotes com metade de sua idade sem grande esforço, e na hora em que o nêgo véio resolve que a coisa se alongou mais do que devia, ele saca os talher, e aí, meu amigo, é prudente sair do caminho.
Poucos homens no cinema de hoje em dia têm tanto nêgo veísmo quanto Liam Neeson.
O ator irlandês que já concorreu ao Oscar de atuação e que talvez seja o maior mentor do cinema pop se redescobriu após os sessenta anos de idade como herói de ação.
Ao contrário dos Stallones e Schwarzeneggers da vida, Neeson não é uma montanha de músculos, tem algum talento dramático (que realmente não tem usado muito, recentemente), e convence como nêgo véio capaz de quebrar tudo na hora de tirar a prataria da gaveta.
Após dois Busca Implacável em que quebrou a Europa resgatando sua filha sequestrada, Neeson volta à ação em Sem Escalas.
Na trama, ele é Bill Marks, agente federal aéreo, os policiais que fazem a segurança nos vboos norte-americanos após o 11/09.
Bill não é lá muito chegado ao seu emprego. Um homem atribulado, com um passado sofrido, alcoólatra e incapaz de superar a morte de sua filha, Bill tornou-se agente aéreo após ser defenestrado da polícia de Nova York, mas nem mesmo gosta de voar.
OEm sua situação, ele é escalado para policiar o pior voo possível. A viagem sem escalas entre Nova York e Londres. Seis horas praticamente sobre o oceano atlântico.
O que já era ruim, fica ainda pior quando, em meio à viagem, Bill recebe uma mensagem de texto em sua linha segura informando-o de que há um assassino a bordo, que promete matar um passageiro a cada 20 minutos a menos que receba 150 milhões de dólares em uma conta bancária.
Bill avisa seus superiores e seu colega de voo, o agente Jack Hammond (Anson Mount), mas logo percebe que, enquanto não descobrir quem é o responsável pelas mensagens, ele não pode contar com ninguém.
Em sua busca desesperada pelo culpado, Bill pode confiar apenas no piloto do avião, comandante McMillan (Linus Roache), a comissária de bordo Nancy (Michelle Dockery), e talvez, sua vizinha de poltrona, Jen (Juliane Moore, ruivona, envelhecendo muito bem), mas depois que as pessoas começam a morrer, fica a dúvida se Bill pode confiar em si mesmo para proteger os passageiros e a tripulação.
Apesar da espetaculosa reinvenção de Neeson como action hero tardio, Sem Escalas não é uma fita de ação (embora tenha sua quantidade considerável de pancadas na traqueia, mãozadas na cara e esmagamento de ossos em espaços exíguos), estando muito mais pra um thriller de suspense investigativo ao estilo Assassinato no Expresso do Oriente (Embora Hercule Poirot jamais fosse capaz de quebrar pescoços e esmurrar suspeitos com a desenvoltura de Qui-Gon Jinn), e, nesse aspecto, a fita funciona que é uma beleza.
A tensão do filme é palpável, Liam Neeson segura a peteca com estilo, amparado pelo bom elenco de apoio (que inclui além de Moore, Mount e Roache Scoot McNayri, Corey Stool, Shea Whingham, Jason Butler Harner e até a recém oscarizada Lupita Nyong'o), todos convincentes sob a batuta de Jaume Collet-Serra (De Desconhecido, também com Neeson), mantendo o suspense que move a trama.
Claro, o filme tem problemas, especialmente após a revelação do vilão, com motivos que nem toda a suspensão de descrença do mundo tornam aceitáveis.
Ainda assim, com uma boa dose de ação no desfecho, e um trajeto muito bem sucedido, obrigado, Sem Escalas vai bem, e cumpre seu papel.
Assista no cinema, vale a pena. Se não assistir, Liam Neeson vai procurá-lo... Vai encontrá-lo.... E vai matá-lo.
"Eu não estou sequestrando esse avião. Estou tentando salvá-lo!"
sábado, 1 de março de 2014
Resenha Cinema: RoboCop
Em 1987, os roteiristas Edward Neumeuer e Michael Miner e o diretor Paul Verhoeven criaram junto com um elenco equilibrado e uma equipe talentosa um dos maiores filmes de sci-fi (o ramo mais pop da ficção científica) de todos os tempos:
RoboCop.
Na fita, o policial Alex Murphy (Peter Weller) era brutalmente assassinado no cumprimento do dever. Seus restos destroçados, com pouco mais que uma fagulha de vida, eram utilizados pela corporação OCP (um tipo de ACME do mal) para confeccionar o que seria o último grito do combate tecnológico ao crime: Um sistema cibernético operando sob a consciência de um policial abatido.
Entretanto, algo que os técnicos da OCP não eram capazes de prever tornavam os resultados da experiência incertos, à medida que a programação da máquina parecia incapaz de subjugar a força de vontade do homem sob ela.
Era um filmaço.
Sou suspeito pra falar a respeito de RoboCop. O filme é, sem sombra de dúvida, o longa metragem que eu mais vi na minha vida. Cheguei a assistir RoboCop nove vezes ao longo de um final de semana na época das locações de VHS estendidas no ardor dos meus oito, nove anos de idade.
Sob a ótica de Verhoeven, o futuro indefinido, mas próximo, era um lugar aterrador, onde empresas comandavam governos, corporações multi-nacionais definiam os rumos da sociedade que acompanhava a tudo anestesiada por uma mídia idiotizante enquanto o crime organizado galopava nos bastidores até os mais altos escalões (familiar, não?).
O roteiro era descaradamente chupado de O Cavaleiro das Trevas, quadrinho do Batman de Frank Miller, com sequências despudoradamente idênticas às do gibi, mas a mão de Verhoeven, com sua capacidade sinistra de transformar tudo em sátira, mas não em pastiche, equilibrou os elementos tornando RoboCop e sua violência ultrajante (a sequência da morte de Murphy, o tiro nos bagos do estuprador, o capanga derretendo em ácido e jugulares perfurada pela conexão USB fodona do tira robô ainda hoje são chocantes) uma ácida crítica social, e um filme com toneladas de colhões abordando de maneira esperta questões que permanecem relevantes quase trinta anos após o lançamento do longa.
Por essas e outras, quando falaram que RoboCop teria um remake, eu joguei os braços pra trás e bocejei. RoboCop precisa de um remake tanto quanto eu preciso de uma terceira perna.
Mas é a Hollywood dos anos 2010, uma indústria que passa por um óbvio declínio criativo, e que faz filmes para uma geração de imbecis mal educados que são incapazes de enxergar além do que são capazes de ouvir da boca de um dos personagens na tela, ou de assistir um filme sem efeitos especiais "convincentes" que dure mais de duas horas, então...
José Padilha, dos ótimos Tropa de Elite e Tropa de Elite 2 foi escalado para transformar em filme o roteiro de Joshua Zetumer, encarregado de atualizar a trama original.
Nesse novo RoboCop com censura livre, Alex Murphy (Joel Kinnaman) é um detetive da polícia de Detroit. Ele está investigando o traficante de armas Antoine Vallon (Patrick Garrow), que tem policiais na sua folha de pagamento.
Após quase prender Vallon, Murphy é vítima de um atentado à bomba, e deixado entre a vida e a morte nos hospital.
Ao mesmo tempo, a OCP, poderosa empresa do ramo de robótica, fornecedora de drones para o exército dos EUA, busca formas de burlar a lei que proíbe o emprego de robôs de segurança em território americano.
A forma de fazê-lo pode ser a expertise do doutor Dennett Norton (Gary Oldman), cientista que lidera o campo de próteses robóticas.
O presidente da OCP, Raymond Sellars (Michael Keaton), decide então, unir a pesquisa de Norton, o que Restou de Alex Murphy, e os interesses de sua companhia em um único projeto.
A confecção de um policial humano, operando dentro de um robô. A eficiência da máquina submetida à consciência humana.
Após convencerem a esposa de Murphy, Clara (Abbie Cornish), das vantagens de manter Murphy vivo como máquina, Alex é levado à China (óbvio), onde é reconstruído.
Após passar por mudanças físicas absurdas e ter até mesmo seu cérebro manipulado para aumentar sua eficiência, Murphy é levado de volta aos EUA, onde se transforma no grande peão da OCP para ter sucesso em seu intento de alterar a constituição e permitir a utilização de drones na segurança pública.
Porém, dentro na mente de Murphy, há algo que o impede de se submeter à sua programação. Algo que vai além do que é físico ou químico.
Razoável, no máximo.
O RoboCop de 2014 não lambe as botas do longa de 87, o que não significa que seja horrível.
A bem da verdade, há muitas qualidades nesse RoboCop de José Padilha que vão além dos ótimos efeitos especiais e do elenco maneiro.
O flerte com diversas discussões interessantes como o acesso à privacidade num mundo vigiado por câmeras em cada canto, a crítica à influência excessiva da mídia sensacionalista e reacionária retratado pelo apresentador vivido por Samuel L. Jackson, o peso da ética médica do cientistas de Gary Oldman, o quanto uma vida sintética vale a pena ser vivida, como o marketing e a opinião pública refletem nas ações dos governantes, a corrupção da polícia, do governo, e do ser humano em si com o milico filho da puta vivido pelo "Rorschach" Jackie Earle Haley, e até a utilização de drones pelo governo, tópico que anda incomodando o Barack Obama nos EUA recentemente...
Todas discussões válidas e que poderiam render em um filme, mas sem que haja como desenvolvê-las a contento, acabam inócuas.
Pior do que isso, a hiper exposição de pontos de vista contrastantes e, em última análise, válidos, acabam eclipsando o protagonista.
Entre tantas personagens coadjuvantes com vozes e mensagens, a jornada de aceitação e reconquista de Alex Murphy acaba sendo contada meio nas coxas, quase como acessório.
Incapaz de repetir o tom cínico do longa de Verhoeven, nem de dar lastro à grande quantidade de mensagens contrastantes, Padilha ainda tenta criar um bom espetáculo de ação, mas a verdade é que emular jogos de videogame em primeira pessoa não chega a ser grande ideia, e seu filme perde novamente pro original e sua fartura de tiroteios e pancadarias.
No fim das contas, o RoboCop de 2014 é bem superior ao Vingador do Futuro de 2012, outro filme de Verhoeven aleijado e demolido pelo estúdio em um remake, mas sejamos francos, isso não chega a ser um mérito.
Na comparação com o original, perde em praticamente todos os aspectos, nem mesmo o ED-209 é assustador em CGI como foi em stop-motion.
Assista ao original de novo, é infinitamente melhor programa.
"Obrigado pela sua cooperação."
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