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terça-feira, 25 de março de 2014

O Padrão


O Sandro, muito sério, com uma expressão grave, levantou quando a Lisiane chegou no restaurante. Ela se inclinou para beijá-lo, mas ele fez sinal para que ela sentasse após dar um "oi" seco.
Ela sentou, esbaforida, soprando os cabelos da frente dos olhos e apoiando a bolsa no colo. O garçom parou ao lado deles com as mãos juntas atrás do corpo:
-Querem pedir?
A Lisiane, olhou pro garçom, chegou a tomar fôlego, mas voltou-se para o Sandro e perguntou:
-Não sei... Eu quero pedir alguma coisa?
O Sandro ruborizou brevemente, pigarreou, olhou pro garçom e disse que iriam dar uma olhada no cardápio. Solícito, o rapaz se retirou, deixando o casal à vontade.
A Lisiane olhou pro Sandro, ainda com a bolsa no colo, gotículas de suor coladas à testa:
-E então...?
O Sandro tomou fôlego, os dedos das mãos entrelaçados por cima da mesa:
-Olha, Lis...
Hesitou, olhou pra um lado, depois pro outro.
Ela:
-Fogo!
Ele sorriu, triste:
-Lis... Eu não posso mais continuar namorando contigo.
Ela ergueu uma sobrancelha bem no alto:
-Eu nem sabia que a gente tava namorando...
-Lis... - Sandro ia começar um protesto, mas deteve-se. A Lisiane tinha razão. Eles não eram namorados. Não oficialmente. Andavam de mãos dadas, frequentavam a casa um do outro. Tinha coisas dele no apartamento dela, tinha coisas dela na casa dele, eles faziam sexo, assistiam filmes aninhados um no outro. Mas não. Ele jamais a pedira em namoro.
Não oficialmente.
Não conforme manda o figurino.
A Lisiane falou:
-Então tu não quer mais me ver?
-Não... Não é isso... Eu só... Só não posso mais... Ter isso que a gente tem.
A Lisiane se recostou na cadeira. Estava calma feito um ninja, aquilo deixava o Sandro ainda mais nervoso.
Ela falou:
-Tu tá querendo sair com outra pessoa?
Ele maneou a cabeça negativamente:
-Não... Nada disso. Não é outra pessoa...
Ela se inclinou pra frente:
-Foi alguma coisa que eu disse? A minha forma de agir?
O Sandro suspirou:
-Não, Lis... Tu é um anjo... Eu não tenho nenhuma queixa de ti... Do teu comportamento...
-Não... Porque, se eu sou molenga demais... Se é por causa disso, de eu ser meio avoada...
-Não, Lis. Não é... Não tem nada a ver com isso. Não é tu...
Ela deixou os braços caírem sobre a mesa, sua expressão se alterou sensivelmente:
-Não. - Ela sentenciou -Se tu não quer mais "isso que a gente tem", é porque alguma coisa tá te incomodando. Se tá te incomodando e tu não quer mais estar comigo, é alguma coisa que eu faço... Eu te sufoco?
Ele se recostou na cadeira, tentando ganhar alguma distância:
-Não... Tu não me sufoca.
-Eu te cobro alguma coisa? Eu te obrigo a fazer qualquer coisa de que tu não gosta?
O Sandro apenas voltou a balançar a cabeça em sinal de negativo.
-Pois é. Eu não te pedi pra conhecer meus pais, não te pedi pra ir à nenhuma festa familiar comigo, nem te pedi pra comprar absorvente no mercado pra mim, nada, Sandro. Nada, nunca.
-Eu sei. - Ele disse, olhos baixos.
-E agora tu diz que "não quer mais ter isso" comigo? É porque eu não te cobrei? É isso? Tu queria ter sido mais cobrado? Queria que eu fosse essas gurias melosas e grudentas que ficam puxando o rosto do namorado quando ele tenta olhar pro outro lado?
-Lis-
Ela o interrompeu:
-Ah, não. Desculpa. Tu não era meu namorado.
Ela falou alto. Algumas pessoas olharam. O Sandro não disse nada. Ela cobriu o rosto com a mão. Ele pensou que ela iria chorar, ficou em pânico com a perspectiva. Mas ela estava calma quando tirou a mão e se dirigiu a ele:
-Sabe o que eu desejo, Sandro? Que tu seja muito feliz. Seja sozinho ou com outra pessoa... Mas quer saber? Eu acho que tu não consegue ser feliz. Tu não consegue porque tu não sabe o que quer. Tu não sabe do que tu não gosta, então como é que tu vai saber do que é que tu gosta?
Ela levantou, juntou a bolsa e saiu.
Sandro ficou olhando enquanto ela se dirigia à saída, com suas pernas compridas sendo jogadas uma na frente da outro quase como se estivesse marchando.
Ela tinha razão em vários aspectos.
O Sandro não podia se queixar de cobranças por parte dela.
A Lisiane jamais fazia nenhuma. Nenhuma cobrança, nenhuma queixa, nenhum ultimato, nada. Ela era a figura do contentamento.
Ela parecia amar a vida. Parecia amar tudo o que a vida tinha. As coisas boas e as ruins. Ela sabia aproveitar tudo, filtrar sabedoria de tudo, rir mesmo das coisas mais chatas. Era parte do que o fazia amá-la.
E sim. Ele a amava. A amava e sabia que não estava agindo direito com ela.
Queria pedi-la em namoro. Um dia de noite, na frente da casa dela, segurando sua mão após terem assistido a um filme no cinema.
Queria pedi-la em casamento sobre um dos joelhos, anel dentro da caixinha, música de fundo dizendo que estar com ela o fazia muito feliz, e que se ela lhe desse a chance, ele passaria o resto da vida tentando retribuir.
Mas não dava...
Não dava porque a Lisiane era demais pro Sandro. Era areia demais pro caminhãozinho dele. Ele sempre soube, mas só descobriu com certeza ao perceber um padrão.
Um padrão na roupa íntima da Lisiane.
Ela era dessas mulheres que usam só calcinha rendada, estilo tanga e fio dental.
O Sandro era pra mulher que usa calcinha grande, tipo da vovó, mas de algodão.
E olhe lá.

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