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sábado, 1 de março de 2014

Resenha Cinema: RoboCop


Em 1987, os roteiristas Edward Neumeuer e Michael Miner e o diretor Paul Verhoeven criaram junto com um elenco equilibrado e uma equipe talentosa um dos maiores filmes de sci-fi (o ramo mais pop da ficção científica) de todos os tempos:
RoboCop.
Na fita, o policial Alex Murphy (Peter Weller) era brutalmente assassinado no cumprimento do dever. Seus restos destroçados, com pouco mais que uma fagulha de vida, eram utilizados pela corporação OCP (um tipo de ACME do mal) para confeccionar o que seria o último grito do combate tecnológico ao crime: Um sistema cibernético operando sob a consciência de um policial abatido.
Entretanto, algo que os técnicos da OCP não eram capazes de prever tornavam os resultados da experiência incertos, à medida que a programação da máquina parecia incapaz de subjugar a força de vontade do homem sob ela.
Era um filmaço.
Sou suspeito pra falar a respeito de RoboCop. O filme é, sem sombra de dúvida, o longa metragem que eu mais vi na minha vida. Cheguei a assistir RoboCop nove vezes ao longo de um final de semana na época das locações de VHS estendidas no ardor dos meus oito, nove anos de idade.
Sob a ótica de Verhoeven, o futuro indefinido, mas próximo, era um lugar aterrador, onde empresas comandavam governos, corporações multi-nacionais definiam os rumos da sociedade que acompanhava a tudo anestesiada por uma mídia idiotizante enquanto o crime organizado galopava nos bastidores até os mais altos escalões (familiar, não?).
O roteiro era descaradamente chupado de O Cavaleiro das Trevas, quadrinho do Batman de Frank Miller, com sequências despudoradamente idênticas às do gibi, mas a mão de Verhoeven, com sua capacidade sinistra de transformar tudo em sátira, mas não em pastiche, equilibrou os elementos tornando RoboCop e sua violência ultrajante (a sequência da morte de Murphy, o tiro nos bagos do estuprador, o capanga derretendo em ácido e jugulares perfurada pela conexão USB fodona do tira robô ainda hoje são chocantes) uma ácida crítica social, e um filme com toneladas de colhões abordando de maneira esperta questões que permanecem relevantes quase trinta anos após o lançamento do longa.
Por essas e outras, quando falaram que RoboCop teria um remake, eu joguei os braços pra trás e bocejei. RoboCop precisa de um remake tanto quanto eu preciso de uma terceira perna.
Mas é a Hollywood dos anos 2010, uma indústria que passa por um óbvio declínio criativo, e que faz filmes para uma geração de imbecis mal educados que são incapazes de enxergar além do que são capazes de ouvir da boca de um dos personagens na tela, ou de assistir um filme sem efeitos especiais "convincentes" que dure mais de duas horas, então...
José Padilha, dos ótimos Tropa de Elite e Tropa de Elite 2 foi escalado para transformar em filme o roteiro de Joshua Zetumer, encarregado de atualizar a trama original.
Nesse novo RoboCop com censura livre, Alex Murphy (Joel Kinnaman) é um detetive da polícia de Detroit. Ele está investigando o traficante de armas Antoine Vallon (Patrick Garrow), que tem policiais na sua folha de pagamento.
Após quase prender Vallon, Murphy é vítima de um atentado à bomba, e deixado entre a vida e a morte nos hospital.
Ao mesmo tempo, a OCP, poderosa empresa do ramo de robótica, fornecedora de drones para o exército dos EUA, busca formas de burlar a lei que proíbe o emprego de robôs de segurança em território americano.
A forma de fazê-lo pode ser a expertise do doutor Dennett Norton (Gary Oldman), cientista que lidera o campo de próteses robóticas.
O presidente da OCP, Raymond Sellars (Michael Keaton), decide então, unir a pesquisa de Norton, o que Restou de Alex Murphy, e os interesses de sua companhia em um único projeto.
A confecção de um policial humano, operando dentro de um robô. A eficiência da máquina submetida à consciência humana.
Após convencerem a esposa de Murphy, Clara (Abbie Cornish), das vantagens de manter Murphy vivo como máquina, Alex é levado à China (óbvio), onde é reconstruído.
Após passar por mudanças físicas absurdas e ter até mesmo seu cérebro manipulado para aumentar sua eficiência, Murphy é levado de volta aos EUA, onde se transforma no grande peão da OCP para ter sucesso em seu intento de alterar a constituição e permitir a utilização de drones na segurança pública.
Porém, dentro na mente de Murphy, há algo que o impede de se submeter à sua programação. Algo que vai além do que é físico ou químico.
Razoável, no máximo.
O RoboCop de 2014 não lambe as botas do longa de 87, o que não significa que seja horrível.
A bem da verdade, há muitas qualidades nesse RoboCop de José Padilha que vão além dos ótimos efeitos especiais e do elenco maneiro.
O flerte com diversas discussões interessantes como o acesso à privacidade num mundo vigiado por câmeras em cada canto, a crítica à influência excessiva da mídia sensacionalista e reacionária retratado pelo apresentador vivido por Samuel L. Jackson, o peso da ética médica do cientistas de Gary Oldman, o quanto uma vida sintética vale a pena ser vivida, como o marketing e a opinião pública refletem nas ações dos governantes, a corrupção da polícia, do governo, e do ser humano em si com o milico filho da puta vivido pelo "Rorschach" Jackie Earle Haley, e até a utilização de drones pelo governo, tópico que anda incomodando o Barack Obama nos EUA recentemente...
Todas discussões válidas e que poderiam render em um filme, mas sem que haja como desenvolvê-las a contento, acabam inócuas.
Pior do que isso, a hiper exposição de pontos de vista contrastantes e, em última análise, válidos, acabam eclipsando o protagonista.
Entre tantas personagens coadjuvantes com vozes e mensagens, a jornada de aceitação e reconquista de Alex Murphy acaba sendo contada meio nas coxas, quase como acessório.
Incapaz de repetir o tom cínico do longa de Verhoeven, nem de dar lastro à grande quantidade de mensagens contrastantes, Padilha ainda tenta criar um bom espetáculo de ação, mas a verdade é que emular jogos de videogame em primeira pessoa não chega a ser grande ideia, e seu filme perde novamente pro original e sua fartura de tiroteios e pancadarias.
No fim das contas, o RoboCop de 2014 é bem superior ao Vingador do Futuro de 2012, outro filme de Verhoeven aleijado e demolido pelo estúdio em um remake, mas sejamos francos, isso não chega a ser um mérito.
Na comparação com o original, perde em praticamente todos os aspectos, nem mesmo o ED-209 é assustador em CGI como foi em stop-motion.
Assista ao original de novo, é infinitamente melhor programa.

"Obrigado pela sua cooperação."

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