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segunda-feira, 4 de julho de 2016
Sinal dos Tempos
Estavam sentados no bar de sempre, o Paulo Roberto e o Everaldo. O Paulo Roberto bebendo uma Coca-Cola, o Everaldo um chope. Era happy hour, de modo que o bar estava movimentado, o Paulo Roberto se dividia entre assistir à TV do bar, ligada na Band em horário de programa do Datena, apertando os olhos pra ler as legendas do closed caption, e flertar com uma moça bonita, sexta parte de um grupo que se acumulava no balcão. A moça, de quando em quando, olhava pro Paulo Roberto, que nem sabia se era flerte de parte dela, mas achou que, se fosse, era melhor não desperdiçar, e resolveu olhar pra ela de quado em quando.
O Everaldo chegara ao bar com uma pilha de revistas. Comprava alguns semanários e periódicos com religiosa dedicação, jamais perdendo uma edição sequer. E se entretivera com aquilo a ponto de Paulo Roberto quase ter esquecido dele à mesa. Até o Everaldo resmungar:
-É o fim da civilização ocidental, viu? Puta merda. O fim...
O Paulo Roberto, se dividindo entre o Datena e a castanha bonita no balcão, achou que o Everaldo se referia a algum crime hediondo mostrado no Brasil Urgente, e apenas concordou de maneira vaga:
-Verdade... Onde vamos parar...
O Everaldo continuou:
-Nas antigas não existia essa porra. Havia um filho da puta de um porto seguro, tá me entendendo, Pê Erre? Nem era lá grandes coisa, mas tava ali, caralho. E agora... Agora essa bosta.
O Paulo Roberto desviou os olhos da moça no balcão, e olhou pra TV. Era uma matéria sobre fraude bancária. Não entendeu o desgosto do Everaldo, mas achou que tivesse a ver com a antiga segurança dos bancos... Olhou de novo pra moça, que, olhou pra ele, baixou os olhos e sorriu discretamente. O Paulo Roberto adorava o flerte. Mais do que a hora de ficar com a guria. Ainda se falava "ficar"? Resolveu disparar outro jab verbal pra manter o Everaldo ao largo:
-É... Essa bosta não tem explicação, mesmo...
O Everaldo continuou:
-Nem me fala. Porque hoje... Hoje é muito fácil. Com computador, internet e o caralho a quatro... Qualquer filho da puta mal-intencionado se faz. No nosso tempo, Pê Erre... No nosso tempo era diferente. O que é que a gente tinha? Era isso.
O Paulo Roberto continuava olhando pro outro lado. Agora não tirava o olho da mulher no balcão, que entre uma palavra e outra com as amigas, olhava pra ele.
-Era isso... - Aquiesceu Paulo Roberto, pensando em uma forma de abordar a moça. Era bonita. Cabelo castanho crespinho, pele branquinha, olhos escuros. Tinha um vinco embaixo da pálpebra inferior que... Olha, era uma dessas coisas que faziam o Paulo Roberto se fascinar. Estava fascinado pela guria do balcão, e o Everaldo não calava a boca.
-E agora, nem isso a gente tem mais... Os filha das puta nos tomam isso. Ah... Algum incauto com uma jeba atolada no rabo vai dizer "Mas a internet tá aí", "Os tempos mudaram", "tem que evoluir"... Evoluir é o meu pau, Pê Erre. O meu pau. Eu sou um tradicionalista. Não quero essas modernidades. Elas até vêm pra somar, mas pra mim, jamais pra substituir.
O Paulo Roberto percebeu que tinha perdido o fio da meada. Ainda seria por causa da fraude? Não tinha certeza. A castanha e as amigas pareciam ter começado a se movimentar pra sair.
-Tu consegue acreditar numa porra dessa, Pê Erre? Nem um pentelho. Nada. Eu nem quero ver racha escancarada. Não precisa. Mas que tenham a decência de ao menos mostrar pentelho e rabo...
O Paulo Roberto, que encarava a moça de cabelo castanho franziu a testa e foi obrigado a olhar pro Everaldo:
-Mas do quê é que tu tá falando, criatura?
O Everaldo, sorvendo um gole de chope com a pilha de revistas na frente estendeu uma ao Paulo Roberto:
-Da Playboy, porra.
O Paulo Roberto pegou a revista com uma tal de Vivi Orth na capa. Era uma mulher bonita de quem ele jamais ouvira falar. Abriu a revista onde o Everaldo a marcara com o dedo e folheou. De fato. A rigor, não havia nenhuma foto de nu frontal conforme manda o figurino.
Ergueu a cabeça pra falar com o Everaldo após avaliar o ensaio, e se deparou com a castanha bonita, ela andava em sua direção, mas olhou a revista, escancarada em uma página dupla onde a modelo, com a blusa erguida acima dos seios baixava o short exibindo a lateral da nádega, estacou, e virou.
Paulo Roberto chegou a tomar fôlego pra dizer "não, não, não, peraí", mas desistiu. Diria o que se ela parasse? "Eu tava só olhando revista de mulher pelada com meu amigo socialmente inapropriado."?
Viu a moça andando de volta para o grupo que se preparava para deixar o bar. Tinha um corpo bonito. Baixinha, bem proporcionada.
Suspirou.
Avaliou melhor o ensaio da Vivi Orth:
-Gata ela...
Everaldo, alheio à tribulação interna do amigo confirmou:
-Muito, mas vai se foder com esse ensaio de merda. Duas fotos de bunda, meio dúzia de foto de teta, e mal e mal um vislumbre do púbis? Tô te falando, Pê Erre. É o fim da civilização ocidental. A Playboy já era. A Luana Piovani já tinha feito um ensaio de encolher as bolas, e tô vendo que essa porra virou regra... Acabou o sonho, Pê Erre. Acabou. Acabou os tempos da Playboy do grupo Axé Blond...
O Paulo Robert concordou. Aquela, de fato, fora uma Playboy memorável.
-Bem lembrado, Everaldo. Bela edição... Tem outro ensaio nessa?
-Tem - Confirmou o Everaldo. -Não mostra porra nenhuma, mas a guria é mais gostosa.
Paulo Roberto seguiu as orientações de Everaldo, ignorando a presença das demais pessoas no bar. Tá no inferno, abraça o diabo, já dizia o ditado.
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