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domingo, 31 de julho de 2016

Sorvete de Manga


-Sorvete de manga? - Ela perguntou. A nota de sua voz denunciava alguma coisa perdida entre o incredulamente divertido e o francamente horrorizado.
Ele, calmo, confirmou:
-Sim. Sorvete de manga.
Ela encarou o vazio brevemente... Desviando os olhos do olhar dele... Cheios de uma tranquilidade que a deixava algo desconfortável. Como é que ele podia agir naturalmente pedindo aquilo... Era ainda mais perturbador do que o pedido em si.
Ela disse:
-Olha... A tua calma fazendo esse pedido é... É... Sei lá. É ainda mais perturbadora do que o pedido em si.
-Tu acha? - Ele quis saber, erguendo vagamente as sobrancelhas, como que surpreso com aquela declaração.
-Sim! - Ela confirmou. A calma dele era, de fato, perturbadora.
-Pena que tu pense assim... - Ele disse, ainda calmo.
-Mas peraí - Ela protestou -Como assim? Tu acha perfeitamente razoável tu me pedir pra...
-Comer sorvete de manga da tua bunda? - Ele completou - Sim. Eu acho. Eu tinha a sensação de que nós havíamos alcançado um certo patamar de intimidade... Talvez eu tenha me enganado...
Ela se sentiu atingida pelo último comentário. Replicou:
-Não... Não é isso... Claro que nós temos intimidade... A gente tá junto há mais de um mês, mas... Sei lá...
Ele a interrompeu continuando:
-Porque eu achei que nós já havíamos alcançado o patamar de dizer um para o outro o que queremos... Do quê gostamos... Ainda na terça tu me disseste, e eu repito "Me pega de quatro", e eu não te julguei... Não perguntei o porquê... Não achei estranho nem repelente... Eu estava bem confortável por baixo, mas saí, me ajoelhei, te peguei pela cintura...
-Tá! - Ela o interrompeu. -Eu me lembro... Mas é que... Vamos combinar... Pedir pra - Ela baixou a voz -Ser comida de quatro... É um lance muito mais normal do que o que tu tá me pedindo, criatura... Ora... Comer sorvete da minha bunda...
-Bom... Suponho que isso seja uma questão de ponto de vista, não? É cultural... Sabia que em diversos estados Norte-americanos a única posição sexual permitida é o papai-e-mamãe? - Ele perguntou, ainda sério.
Ela o encarava sem expressão definida. Ele abrandou as feições e sorriu:
-Mas tudo bem... Nós obviamente não vamos fazer nada que tu não queira fazer... Os dois precisam se sentir confortáveis na relação pra que ela dê certo... Eu estava me sentindo confortável o suficiente pra me expor pra ti... Pra me abrir e dizer do que eu gosto... Talvez eu tenha cometido um engano e avançado o sinal. Ultrapassado alguma barreira... Eu peço desculpas.
Parecia sincero, mas cabisbaixo. Desapontado, mas não envergonhado.
Ela, por outro lado, se sentiu constrangida. Não pelo pedido incomum dele, mas pela própria negativa. Vê se pode... Em plena época de "empoderamento" feminino, ela se recriminando por não se sentir a vontade pra aceder aos caprichos dele...
O problema é que não conseguia negar a lógica da explanação do miserável.
De fato... Toda a vez que ela pediu alguma coisa na alcova, ele concordara. Posições, modalidades, coisas que a agradavam e que ele jamais sequer perguntou por que. Apenas fez e, no mínimo, com muito boa vontade.
Ele podia ser o homem da sua vida. Seu grande amor. Diabos... Com todas as coisas que tinham em comum aquele cretino podia ser o pai de seus filhos... E ela perderia isso porque achava estranho que ele quisesse... Enfim... Comer alguma coisa da sua bunda?
Ergueu os olhos e o encarou pensativa.
-Que foi? - Ele perguntou.
-O lance do sorvete... Ia ser tipo... Numa taça?
Ele suspirou:
-Não. Eu gostaria de largar uma ou duas bolas de sorvete em cima das tuas nádegas e lamber elas enquanto o contato com a tua pele as derretia.
Ela olhou em volta, como se estivesse procurando algum observador indiscreto, e então olhou de volta pra ele:
-Se eu fizer isso... Tu não pode deixar nem uma gota de sorvete em mim.
Ele sorriu.
Se casariam, teriam filhos e seriam muito felizes. Ela só teria que se habituar a uma ou outra excentricidade. Podia suportar isso... Quão mais estranho podia ficar, afinal de contas?

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