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quarta-feira, 10 de agosto de 2016
Gipsy Kings
A Melissa, vinte e três aninhos, branquinha, cabelo castanho claro escorrido até o meio das escápulas delicadas, seios pequenos e firmes, pernas torneadas, bundinha dura feito espuma balística, acordou no meio da noite sentindo o ar gélido da madrugada se insinuando pela janela e lambendo-lhe a pele delicada, que suada e nua, arrepiou-se.
Ela se encolheu instintivamente, puxando a coberta por cima do próprio corpo enquanto pensava se devia levantar para fechar a janela quando a pessoa a seu lado se mexeu suspirando.
Ela olhou para ele na penumbra. Seus cabelos negros e lisos em desalinho sobre o travesseiro dobrado ao meio, seus olhos fechados com aqueles cílios longos, longos...
Melissa enterneceu-se.
Quem poderia imaginar que apenas duas semanas depois de conhecer um homem ele já poderia ser uma parte tão importante de sua vida?
Ela não sabia ao certo o que era, mas tinha a sensação de que ele a completava de uma maneira que nenhum outro homem jamais fizera antes.
Talvez fosse esse o "x" da questão:
Ele era, de fato, um homem.
Melissa, com seus vinte e poucos anos, jamais namorara um homem mais velho. Apenas rapazinhos da sua idade. O que não tinha nada de errado, mas... Bom, a verdade é que tinha... Os rapazes de vinte e poucos, da geração da Melissa, pareciam moleques.
Na prática, eram todos fedelhos. Pareciam gurizinhos que não queriam ou não sabiam como crescer.
Mas ali, ao seu lado, havia um homem de verdade.
Maduro. Decidido. Adulto.
Que não aceitava "não" como resposta e tomava as rédeas da relação. Mas não era um macho-alfa ignorante e misógino que ferisse sua moderada veia feminista.
Não.
Ele era gentil, polido, cavalheiro e bom ouvinte.
O fato de que o sexo era muito bom... Transcendental, quase... Também ajudava.
O que dizer de um sujeito que era capaz de passar uma hora e quarenta e cinco minutos trepando vigorosamente e depois se desculpar porque estava meio cansado?
A Melissa jamais havia vivenciado tal coisa.
Até a falsa modéstia dele era cativante.
Sorriu.
Chegou a se inclinar para beijar os lábios finos que compunham aquele rosto enigmático quando ele, movendo os olhos sob as pálpebras fechadas, arqueou as sobrancelhas bem desenhadas e suspirou:
-Ahnnnnn... Felichnemmmm...
A Melissa sobressaltou-se como um cão que vê um esquilo. Sua expressão séria encarando o rosto do homem ao seu lado era a ilustração do verbete "dúvida".
Acabara de ouvi-lo gemer "Felícia" em meio ao sono?
O volume sob as cobertas denunciava um sonho erótico.
Apalpou-lhe o pênis por baixo do edredom para certificar-se de que era esse o caso.
Era.
Quem seria Felícia?
Talvez, pensou ela enquanto ainda segurava-lhe o membro viril, fosse coisa de sua cabeça. Talvez ele tivesse dito "Melissa", mas não articulara direito... Talvez... Novo gemido... Um meio sorriso:
-Iss... Ahn, Felissssseahm...
Melissa não aguentou.
Aplicou-lhe um violento safanão acordando-o de supetão:
-Quem é Felícia? - Perguntou, revoltada, os olhos esverdeados faiscando de ódio.
-Quê? - Ele quis saber. Olhos esbugalhados, expressão aturdida emoldurada pelos cabelos despenteados olhado para os lados como quem tenta concatenar onde está.
-Felícia? Quem é Felícia? - Melissa repetiu.
-Mas do que é que tu tá falando, criatura? - Ele quis saber, ajeitando o cabelo enquanto se aclimatava ao quarto...
-Felícia. Que o senhor tava gemendo. Tava sonhando com alguma piranha que faz coisas que eu não faço? Ou alguma outra incauta que caiu na tua lábia? - Tinha lágrimas de ódio nos olhos.
-Eu realmente não sei do que tu está falando, Mel... - Ele respondeu com uma expressão consternada no rosto.
A Melissa não acreditou:
-"Félissssnham... Felishammmm..." Era isso que o senhor gemia enquanto se reborcava na cama... "Felishammmm... Felishammm..." - Melissa gemia fazendo uma expressão caricatural de êxtase.
Ele ficou olhando pra ela pro breves instantes, ainda parecendo consternado, mas de súbito, ergueu as sobrancelhas como quem entende, abrandou as feições e sorriu um riso divertido.
Melissa continuava enfurecida:
-Do que é que tu tá rindo? Eu sou tua palhaça, agora?
Ele a pegou pela mão. Ela relutava, mas ele era decidido.
Sorrindo explicou:
-Não era Felícia... Era "Felice". - Disse ele, de maneira paternal.
-Felitche? Quié isso? Felitche? - Melissa não estava convencida.
-É de uma música... Volare, do Gipsy Kings... Tu conhece? - Quis saber.
-Não... - Melissa respondeu, a expressão fechada em um bico desconfiado. A forma condescendente como ele falava a deixava irritada e desarmada quase na mesma medida.
-Bom - Explicou ele -Meu pai era louco por Gipsy Kings. Eu cresci ouvindo eles. Um dos grandes sucessos da banda, uns caras meio hispânicos, meio italianos e meio Romani-
-O que é "romani"? - Perguntou Melissa, demandando detalhes para não ser enrolada.
-São ciganos, meu amorzinho. Eles se referem a si próprios como Romani.
-Ah. - Ela assentiu.
-Enfim, esse grupo, Gipsy Kings, fizeram algumas músicas de grande sucesso nos anos oitenta... Ao menos aqui no Brasil é o período de que eu me lembro deles. E o que talvez seja o grande sucesso deles é uma canção chamada Volare. E provavelmente era com isso que eu tava sonhando. Hoje, mais cedo, falei com um tio meu, e relembramos meu pai. Sempre que eu lembro do meu pai, me vem à memória a imagem dele com um pano de prato na cabeça dedilhando o violão e imitando o vocalista do Gipsy Kings cantando Volare...
Sorriu triste... Olhou para a janela, parecia estar vendo muito além dela.
-"Volare, ô-ô... Cantare, ô, ô, ô, ô... Nel blu, dipinto di blu... Felice di stare lassu..." - Cantarolou. Tinha os olhos rasos d'água.
A expressão de Melissa fora de desconfiada a envergonhada em uma fração de segundo. Apertou a mão dele, enquanto seus lábios rosados se retraíam em um tímido pedido de desculpas:
-Desculpa... Eu não sabia, Viktor... Quando eu te ouvi falando... E vi que tu tava... Excitado...
Ele a segurou pela ponta do queixo:
-Meu amor... Como é que eu não estaria excitado contigo nua do meu lado? - Ele perguntou a olhando nos olhos como quem diz a mais doce de todas as obviedades.
Ela se derreteu. Pedindo desculpas, se pôs a beijar-lhe os lábios com sofreguidão, ele correspondeu, massageando vigorosamente o corpo delicado e nu de Melissa enquanto a colocava deitada na cama.
Antes de beijá-la nos seios, barriga e púbis e começar nova sessão de alcova, ele ainda pensou que o plano de pegar mulheres com nomes foneticamente semelhantes para evitar atritos não dera certo. Seu pai daria boas risadas quando ficasse sabendo.
Ele não contaria à Felícia, porém. Felícia, a exemplo de Melissa, também achava que era a única.
O importante é que, para Viktor de SanMartin, o musical, até mesmo Gipsy Kings sempre podia se tornar uma rota de fuga.
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