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sexta-feira, 30 de dezembro de 2016
Resenha Cinema: Capitão Fantástico
Um cervo anda pela floresta se alimentando alheio ao fato de que, escondido nas sombras, coberto de lama, um jovem o espreita.
Basta um segundo de distração do animal para que o jovem emerja dos arbustos e, faca em punho, apunhale o pobre animal até a morte.
O último suspiro do cervo é a deixa para que, das margens de um lago próximo surjam cinco crianças e um homem mais velho.
"Hoje o menino morreu", diz o homem barbado enquanto, com o sangue do cervo, batiza o jovem enlameado diante dele. "Em seu lugar, há um homem", decreta.
Essa é a cena de abertura de Capitão Fantástico, escrito e dirigido por Matt Ross (de Silicon Valley), onde Ben Cash (Viggo Mortensen) faz seu filho mais velho, Bodevan (George MacKay) passar por um ritual de iniciação em estilo indígena.
Ben, vive com seus seis filhos, Bodevan, Kielyr (Samantha Isler), Vespyr (Annalise Basso), Rellian (Nicholas Hamilton), Zaja (Shree Croocks) e Nai (Charlie Shotwell) em meio à floresta.
Anos antes, Ben e sua esposa Leslie (Trin Miller) resolveram se afastar da sociedade e criar seus filhos junto à natureza, com disciplina militar, educação de PHD e com pouco dos confortos da vida moderna.
Mas Leslie não está presente.
Diagnosticada com transtorno bipolar, ela está internada há alguns meses, e em sua ausência, Ben se transformou no capitão solitário do barco.
Quando não estão caçando para comer, os filhos de Ben fazem exercícios, escalada na rocha, longas corridas pela mata, e praticam luta.
Eles leem Dostoievski, George Elliot e Jared Diamond, discutem Mao, Trotsky, Marx e Noam Chomsky, cantam e tocam instrumentos.
Os Cash têm uma utopia "retirada d'A República de Platão" nas matas do noroeste do Pacífico, até que a notícia de que Leslie cometeu suicídio chega a Ben e ele é ameaçado por seu sogro (Frank Langella), que o culpa pela morte da filha, de que será preso se for ao funeral.
Ben é um homem que, acima de tudo, preza a liberdade, mas as crianças querem se despedir da mãe, e essa é uma família que prega poder ao povo, e mostrar o dedo médio ao Homem.
Então os Cash entram em seu ônibus, chamado Steve, e partem rumo ao Novo México para o funeral de Leslie. Uma jornada que confrontará a criação que Ben ofereceu a seus filhos com tudo aquilo do qual ele tentava afastá-los, ameaçando a harmonia da família e fazendo com que Ben questione se a criação que ele tem dado às crianças é, de fato, o melhor para elas.
É um lindo filme.
Cativante e divertido, e, mais importante, que não toma partido do protagonista como seria de se esperar.
Desde as sequências iniciais a audiência tem ferramentas para questionar os métodos de criação das crianças e ponderar se Ben é o melhor ou o pior pai do mundo.
Ele cria seus filhos para serem pensadores livres, mas como isso é possível se o único parâmetro disponível é ele próprio? Como saber se eles estão pensando livremente ou sendo apenas programados para regurgitar o discurso que ele profere?
Eles são educados para serem questionadores, mas a autoridade do pai é inquestionável e sua palavra é a lei.
Ele se preocupa com a segurança deles a ponto de fazê-los treinar para matar e terem tônus muscular de atleta profissional, mas os expõe ao risco de escaladas na rocha e intempéries na mata...
Quando o sogro ameaça tirar a guarda dos filhos de Ben, nós entendemos porque ele quer fazer isso. Não existe como julgá-lo errado ou pintá-lo como um vilão.
O que faz com que a balança desequilibre é o carisma e o talento de Viggo Mortensen.
O ator, que é capaz de passar mais emoção com um olhar do que muitos atores são capazes com vinte e sete páginas de monólogo está destruidor no longa. Seu Ben Cash é um homem cheio de certezas quando isolado com os filhos em seu idílio, mas que, ao ser confrontado com a realidade do mundo que tentou deixar pra trás, se enche de dúvidas e temores.
Ele só quer ser o melhor pai para crianças inteligentes e preparadas, mas é capaz de perceber que, talvez, não tenha sido perfeito na execução de suas intenções.
Os filhos são todos ótimos, com destaque para George MacKay e Nicholas Hamilton, enquanto Frank Langella e Ann Dowd dão profundidade aos pais de Leslie de maneira cândida e crível, e ainda há participações bacanas de Kathryn Hahn, Steve Zahn, Missi Pyle e Erin Moriarty.
Fotografia honesta de Stéphane Fontaine, figurinos espertos de Courtney Hoffman e uma trilha sonora de encher os ouvidos e o coração (a versão de Sweet Child O' Mine do final do filme é de fazer os olhos transbordarem), trabalho de Alex Somer, completam o espetáculo.
Facilmente um dos melhores filmes de 2016, assista no cinema.
Leve um lenço.
"Nós não podemos ir ao funeral da mamãe. Nós temos que fazer o que mandaram. Algumas lutas, você não pode vencer. Os poderosos controlam a vida dos que não têm poder. É assim que o mundo funciona. É injusto e desmedido. Mas é uma droga. Nós temos que nos calar e aceitar... Bom, que se foda."
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