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segunda-feira, 12 de dezembro de 2016
Resenha DVD: A Lenda de Tarzan
Eu acho que a maioria das pessoas não tem a idade nem o background nerd necessários para lembrar dos tempos em que o SBT tornou a sua sessão de filmes vespertinos no sábado à tarde um festival Tarzan.
Entrava semana, saía semana e tu podia apostar dinheiro que passaria ao menos um filme sobre o rei das selvas no Cinema em Casa, ou qual fosse o nome daquela hora de filmes. Ás vezes era um Tarzan e alguma outra coisa, A Fantástica Fábrica de Chocolate, ou Cama Ardente, ou AIDS: Aconteceu Comigo, Z: o Ataque dos Dobermanns... Mas não era raro passarem dois filmes de Tarzan em sequência, geralmente sem nenhuma conexão um com o outro exceto o personagem central e a ambientação africana, estrelado por atores diferentes interpretando o rei dos macacos em aventuras que, obrigatoriamente envolviam nadar em um rio e lutar contra um crocodilo de borracha em algum momento.
Meu Tarzan favorito, porém, era o de Greystoke: A Lenda de Tarzan, interpretado por Christopher Lambert em um filme que, eu admito, era pretensioso pra danar, mas me agradava bastante.
Quando ouvi falar que haveria uma nova versão em live action de Tarzan, confesso que fiquei bastante surpreso.
Por mais que a forma de Hollywood fazer filmes hoje em dia seja basicamente requentar ideias que já foram usadas com sucesso no passado, ou adaptar histórias que estão no coração e mente das pessoas, o atual momento que vivemos em termos de sociedade e a sensibilidade politicamente correta que se instalou na mídia me pareciam olhar com cara de reprovação e balançando a cabeça para uma história onde um nobre inglês branco cresce na África para se tornar o defensor dos povos nativos e o rei dos animais.
Olhando as críticas a filmes de qualquer tipo nos dias de hoje, vê-se que muitos especialistas parecem mais dispostos a criticar um filme por ele ter um homem caucasiano no papel de protagonista do que por sua qualidade enquanto filme.
Pouco tempo após o lançamento de Doutor Estranho li uma resenha onde a jornalista falava que não aguentava mais histórias sobre "um homem branco destinado a salvar o mundo", imagine a reação dessa jornalista à história de um homem branco ganhando domínio sobre a natureza e sendo o salvador dos povos da África? Ela provavelmente rolaria os olhos e sofreria uma síncope.
Eu não sou tão politicamente correto.
Tentei ver A Lenda de Tarzan no cinema, e só não o fiz, de fato, porque não encontrei horários legendados que coubessem na minha agenda (a proliferação de filmes dublados e a falta de educação e civismo dos frequentadores eventuais vão me fazer parar de ir ao cinema de vez ou matar alguém durante um filme), mas esperei ansioso que o filme fosse lançado em DVD (é, eu ainda alugo DVD) e no sábado, finalmente consegui alugá-lo.
O longa dirigido por David Yates (dos últimos quatro filmes da franquia Harry Potter e Animais Fantásticos) abre com um breve recordatório sobre a colonização belga no Congo (para quem não está familiarizado com a História da África, a Bélgica, esse insuspeito país do qual lembramos apenas pelo chocolate e pelo cabelo do Marouane Fellaini, protagonizou um dos mais cruéis capítulos da colonização européia no continente).
O rei Leopoldo, ansioso por obter lucro com a exploração do país africano, rico em marfim e minério, se enterrou em dívidas, e precisa urgentemente de dinheiro para pagar seus débitos e manter sua máquina extrativista funcionando protegida por seu exército regular e seus mercenários.
Para isso, ele envia seu mais fiel agente ao Congo. Leon Rom (Christoph Waltz), que tem a missão de adentrar as partes mais sinistras da região em busca dos diamantes de Opar.
O líder tribal chefe Mbonga (Djimon Honsou) está disposto a fazer um trato com Rom. Ele oferece os diamantes Opar em troca de seu inimigo jurado:
Tarzan.
A questão é que Tarzan não existe mais.
Após ter sido criado por gorilas nas florestas congolesas depois de ter perdido seu pai e sua mãe, John Clayton III, lorde de Greystoke (Alexander Skarsgård) retornou à Londres, assumiu uma cadeira na câmara dos lordes e vive confortável e civilizadamente na propriedade Greystoke com sua esposa Jane Porter (Margot Robbie).
Quando outros nobres ingleses lhe transmitem o convite de Leopoldo para que Graystoke viaje ao Congo como emissário diplomático britânico e veja as benesses que os Belgas estão construindo para os nativos no país, o primeiro impulso de Clayton é negar o convite, entretanto, ele é persuadido a mudar de ideia por George Washington Williams (Samuel L. Jackson), um observador norte-americano que tem razões para crer que Leopoldo e os Belgas estão cometendo todo o tipo de atrocidades no Congo, incluindo escravidão, mas não tem provas e nem tampouco convite para viajar ao país africano, algo que pode conseguir se acompanhar Greystoke.
Se John Clayton estava reticente em voltar ao continente negro, Jane é toda entusiasmo em retornar ao convívio das pessoas com quem conviveu durante seu período como missionária, e se inicialmente ele planejava mantê-la sã e salva em Londres durante a viajem, logo fica claro que voltar à África sem Jane não é uma opção.
Logo John Clayton, Jane e George chegam ao Congo, reatando antigos laços sem saber que estão entrando em uma armadilha e que a única forma de livrar os nativos do jugo sanguinário de Leopoldo pode ser com o retorno de Tarzan.
Eu gostei do filme.
No geral, o longa tem alguns problemas de edição, mas nada que atrapalhe o desenvolvimento da trama. As atuações são OK, embora Waltz pareça estar reprisando Hans Landa toda a vez que faz um vilão, ele continua sendo extremamente carismático, e seu grande problema é não convencer como uma ameaça física ao bombado Tarzan de Skarsgård, que, por sinal, tem uma expressão facial tão dura quando seus abdominais, mas encontra guarida na abordagem de nobre inglês para sua impassividade fleumática, já Margot Robbie é tão convincente como uma dama de 1890 quanto eu sou.
A deliciosa australiana interpreta Jane em modo Século XXI, atrevida, respondona, inteligente e independente.
Por sinal, essa necessidade que o roteiro de Craig Brewer e Adam Cozard tem de, o tempo todo, se desculpar com um "veja bem", é um dos defeitos mais chatos do longa.
Volta e meia alguma coisa acontece para reforçar a posição dos nativos africanos como iguais de Tarzan, e não seus súditos, ou para mostrar que Jane não é uma donzela em perigo, e sim uma mulher independente e cheia de recursos, ou até para mostrar que Tarzan não é o rei dos macacos, mas apenas mais um na côrte de seus irmãos gorilas.
O roteiro se desculpa o tempo todo por ter um salvador branco e patriarcal, e isso é muito chato. Se o filme abraçasse de vez a obra de Edgar Rice Burroughs talvez o longa andasse a distância que separa uma boa matinê de um ótimo filme, mas o longa parece ter medinho de se assumir, e com isso, ele fica no meio termo.
Não me entenda errado, não há nada de intrinsecamente ruim em A Lenda de Tarzan, que, no geral, é um bom filme. A ação é competente, os efeitos especiais são bons, o elenco é bacana... O grande senão é que há um baita filme em A Lenda de Tarzan, mas por várias razões, ele nos é sonegado, e isso é uma pena.
Ainda assim, o longa se junta a Greystoke na minha lista de filmes de Tarzan favoritos, e certamente ele ainda vale a locação.
"Ele é Tarzan. Você é Jane. Ele virá."
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