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quarta-feira, 25 de outubro de 2017

O Que Eu Aprendi com o Gump


Eu jamais fui dessas pessoas que tratam animais de estimação como se fossem filhos.
Pra ser cem por cento honesto, eu sempre vi pessoas que fazem isso com alguma reserva. Jamais fui capaz de entender o que leva uma pessoa a tratar um cão, gato ou o que quer que seja como se fosse uma extensão de si.
Sempre me dividi entre a piedade e o escárnio ao me deparar com gente tratando um bicho por "meu filho" ou "minha filha".
Mesmo que nos últimos treze anos eu venha sendo um dos milhões de brasileiros que têm um animal de estimação, jamais tratei meu canino, o Gump, como um filho. O pessoal da PETA não precisa se morder, pois também jamais o tratei como uma propriedade.
O Gump sempre foi uma responsabilidade, com sua comida, banhos, remédios e passeios sendo minha obrigação, mas uma obrigação que eu cumpria com prazer, pois aquele bichão peludo sempre foi, acima de tudo, meu amigo.
Não foram poucas as ocasiões em que eu pautei meus horários pelo Gump, marcando idas ao cinema, jogos de futebol ou RPG de acordo com seus passeios. Também não foram poucas as ocasiões em que eu precisei me refrear nos gastos porque ele precisava de medicação, banhos ou ração. E houveram até momentos em que, na falta de uma babá para ele, eu o trouxe a tiracolo pro trabalho, para garantir que ele não ficaria sozinho em casa o dia todo.
Jamais vi tais coisas como sacrifícios.
Sempre vi esses momentos como um preço pequeno a se pagar pelo afeto e lealdade que recebi em troca da minha dedicação.
Vale a pena.
Sempre valeu.
E, confesso, custei a pegar o jeito.
Jamais havia tido um cachorro, jamais morei em casa, e encontrar a dose certa de passeios para facilitar a vida de um cachorrão de grande porte dentro de um apartamento demorou mais do que deveria, mea culpa.
Mas nos entendemos.
Ele, sabendo que não deveria roer os puxadores dos gaveteiros, que o lugar de fazer xixi dentro de casa era perto do box do chuveiro, e que a comida no prato sobre a mesa não está disponível para qualquer um que consiga pegá-la. Enquanto eu descobria que, de vez em quando, a caminha no chão é menos convidativa do que o sofá, que quando o nível de água no prato está baixo é o mesmo que não ter mais água, e que, apesar da voz grave, aqueles latidos não eram uma briga, mas uma conversa.
Em tempo, aprendemos a compreender os gestos um do outro, a ponto de eu poder andar com ele pela rua sem guia, sabendo que, em determinados momentos ele olharia para trás para saber qual era o nosso próximo passo com um simples maneio de cabeça de minha parte, da mesma forma que eu aprendi que o queixo deitado sobre a minha coxa quando eu tentava ver TV era um pedido de permissão para subir no sofá.
Aprendi que o melhor carinho era no pescoço, na barriga, e nos quartos traseiros. Que empurrar o prato pela casa com o nariz era um pequeno ritual antes de comer, e não uma queixa sobre algo errado com a comida. Que comida humana em um pratinho no chão era fórmula eficaz para vários minutos de refestelamento no tapete da sala enquanto espirros de satisfação eram disparados do narigão preto.
Aprendi que a melhor forma de oferecer um comprimido era ocultando-o em uma salsicha. E que embora a maioria dos cachorros tenha pavor de fogos de artifício, ele não ligava. Aprendi que outros cães nem sempre são divertidos, que a amizade canina é tão seletiva quanto a humana, e até fiquei em dúvida se dei sorte de encontrar um cachorro com traços de personalidade iguais aos meus, ou se o convívio fez com que adquiríssemos traços da personalidade um do outro.
Aprendi que animais voadores parecem deliciosos o suficiente para que qualquer coisa com asas convidasse à caça, fosse um pombo ou um mosquito, e que aqueles apontadores de laser são como crack para cães.
Aprendi que, acuado, mesmo um amigo pode te morder, e aprendi a perdoá-lo pelas dentadas como ele me perdoou após eventuais palmadas.
Aprendi que depois do banho, a pele ressecada pode coçar muito, mas que um hidratante resolve o problema. Que a grama em volta do prédio do IPERGS é incrivelmente divertida, e que, apesar de haverem locais de passeio preferidos, variar é sempre bom. Que é importante ter paciência com quem vê o mundo mais com o nariz do que com os olhos, e que cada moita na beira da calçada tem um cheiro diferente da anterior, sendo necessário esperar que cada uma seja devidamente investigada e, se necessário, mijada, antes de seguir o caminho.
Aprendi que gatos não são o inimigo, mas se assustam fácil e é importante fazê-los dar uns pulos de vez em quando. Que bolinhas são divertidas, mas buscá-las não é tão interessante quanto tê-las na boca enquanto alguém tenta tirá-las de ti. Que ninguém jamais está ocupado demais para oferecer um afago e receber um abraço canino, não importa o que esteja fazendo.
Que não há caminho fácil até o coração de um cão, mas, se houvesse, um petisco em forma de bife seria um ótimo primeiro passo.
Aprendi, também, a não julgar aqueles que, confrontados com o sofrimento de um cachorro, se veem diante do dilema de tirar a vida de seu amigo para não deixá-lo padecer.
Aprendi que o cão experimenta muito mais do que nós em muito menos tempo, pois, para eles, as coisas mais simples geram explosões de felicidade e abismos de tristeza. E que talvez, por isso, eles vivam tão menos do que nós.
Em apenas treze anos, o Gump me levou junto com ele por explosivas gargalhadas em momentos de pura bobagem, e hoje, após dois meses de tentativas de tratamento infrutíferas, ele se foi, deixando uma tristeza e uma saudade muito maiores do que o seu felpudo corpanzil amarelo.
E, apesar de tentar medir e pesar as coisas à luz da racionalidade, eu me vejo sofrendo hoje, da mesma forma que sofri quando perdi pessoas de minha família imediata.
Talvez porque, apesar de continuar não vendo o Gump como um filho, eu siga o vendo como um amigo. E, aquela exibição de slides em power point que todos recebemos em algum momento já dizia que, os amigos, são a família que a vida nos permite escolher.
E eu escolhi o Gump.
Ele foi meu amigo.
Meu camarada.
O meu melhor companheiro.
O melhor cachorrão do mundo, e todas essas coisas que eu disse pra ele ao longo dos anos, e repeti hoje, enquanto ele me deixava.
Obrigado pela jornada, amigão.
O espaço que tu deixa no meu coração, jamais vai ser preenchido de novo...

2 comentários:

  1. gump, a gente teve oportunidade de se falar só uma vez. um dia a tarde voce passou no meu trabalho e eu pude te afagar. aquele dia você rosnou pra mim mas tudo bem , encarei como um elogio; obrigada por ter cuidado tão bem do seu dono. Ouvir ele falando de você era uma das coisas mais gostosas da vida :)

    (acho que de tanto amor que tenho por você , sempre foi fácil amar as coisas da tua vida e as coisas que você amava, isso ficava ainda mais fácil se essa coisa era amarelo e peludo...sinto muito mesmo, espero que você fique bem.amo você

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