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terça-feira, 31 de julho de 2018

Não Era de Terror


Ele esperou o letreiro terminar de subir, respirou fundo, e desligou a TV.
Não era, pra ele, algo incomum ser tocado por filmes. Ainda no domingo ele chorara honestamente vendo os minutos finais do Peter Pan de 2003. Filmes tinham facilidade para emocioná-lo. Provavelmente mais do que qualquer outra mídia.
Desligar a TV após assistir, porém, não era algo que costumava fazer, gostava de dormir com o ruído da televisão ligada. Normalmente em noticiários 24 horas, mas depois de ver aquele filme, precisou de um momento de silêncio pra absorver. Sentiu o final do longa-metragem depositar um inexplicável peso sobre seu peito e precisou esticar as pernas cobertas com um edredom por cima do sofá numa posição meio sentada para ficar encarando a nesga de céu à qual conseguia enxergar da janela.
O mais estranho?
Não se tratava de nenhum filme denso e pesado, tipo documentário iraniano, ou drama polonês em preto e branco, ou um daqueles horrores japoneses com mulheres de cabelos bem compridos rastejando escada acima.
Era uma comédia setentista norte-americana.
Tudo Bem no Ano que Vem.
Ele até já havia visto, antes, mas não inteiro.
Vira algumas partes, mas por alguma razão precisou parar de assistir antes de ver o final, e agora tivera a chance de ver o filme desde o início. Começo, meio e fim.
E por mais alegre que fosse a nota com a qual o desfecho do filme acenava, lhe causou uma pontada de melancolia da qual era incapaz de se livrar.
Talvez porque se reconhecera naqueles personagens, George e Doris, e no final do filme, foi capaz de se ver sofrendo como George sofre.
E concatenou que talvez tivesse apenas ficado assustado diante do reconhecimento de um destino possível.
Poderia acontecer.
Poderia.
Não seria estranho, não seria incomum ou absurdo. Nem um pouco. Seria perfeitamente natural que, depois de tudo o que aconteceu, ele se visse na mesma posição. Era uma plausibilidade lógica, até.
E ele se sentiu, de alguma forma, assoberbado por aquela identificação, e por saber que, se fosse o caso, ele não teria direito a reclamar ou espernear.
E foi isso, essa obrigação de resignação, que o entristeceu mais. Talvez por ele saber o quanto era singular o que havia entre eles.
Porque entre ela e ele era, sim, diferente.
Não era a ternura perene pelo primeiro amor. Não era uma afeição que se molda, transfigura e permanece sempre dentro do peito, contida e cultivada.
Era outra coisa.
Era uma compreensão inequívoca e não-verbal, de completude.
Uma certeza que seria assustadora se não soasse tão natural... E que poderia ser confundida com loucura se não fosse tão familiar a quem também se sente apaixonado.
E, àquela altura, para ele, já era como as coisas aconteciam. Era habitual. Seu estado natural. Era assim já há muito tempo, desde que eles deram aqueles primeiros passos de mãos dadas até o táxi.
Não era estranho, excessivo ou impositivo. Era a epítome da afinidade. Era do jeito que devia ser.
Ou, como George e Doris colocaram de maneira muito mais articulada:
-Você sempre conseguiu ver direto através de mim, não é?
-Mas está tudo bem, porque... Eu sempre amei o que eu vi.

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