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segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Top 10 - Cinema 2018

Neste 2018 eu fui pouco, pouquíssimo ao cinema. Provavelmente foi o ano em que eu menos entrei na sala escura na minha vida adulta, todavia, foi provavelmente o ano em que mais aluguei filmes, e se não enriqueci o dono da locadora, poucos foram os finais de semana onde não aluguei ao menos um filme para assistir. Vi muito mais filmes ruins do que bons, o que me leva a crer que, ou eu estou selecionando mal o que assisto, ou a produção anda piorando, ou, ainda estou me tornando mais seletivo na velhice.
Seja como for, eu precisei rebolar para encontrar dez filmes que mereciam posto na lista, tarefa facilitada porque vários grandes filmes do ano passado só estrearam nos nossos cinemas neste ano.
À lista:

10 - Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível


Após anos brincando com Pooh, Leitão, Tigrão e companhia no Bosque dos Cem Acres o tempo seguiu seu curso e Christopher Robin cresceu. Após frequentar um internato, a universidade, lutar na guerra, casar e ter uma filha, Christopher agora é um homem assoberbado pelo peso das responsabilidades e que não tem tempo para brincadeiras. Mas Christopher Robin tem a chance de consertar sua vida e sua personalidade quando o passado bate à sua porta na forma do velho ursinho tolo que precisa de ajuda.
Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível conta uma história sobre como é importante não ter vergonha de olhar para trás para manter sua essência. Christopher Robin precisa se reconectar ao passado para se libertar de um pensamento que lhe foi imposto pela vida, e Marc Forster e Ewan McGregor trabalham essa mensagem de maneira singela e leve, equilibrando comicidade e emotividade sem perder a mão num dos filmes mais adoráveis de 2018.

9 - Bohemian Rhapsody


Acusado de ser "chapa-branca", "gay demais", "não gay o bastante, Bohemian Rhapsody chutou os ovos de chatos do mundo ao se tornar a biografia de banda mais bem-sucedida de todos os tempos.
Com estádios lotados, músicas que toda a audiência sabe cantar junto e Freddie Mercury conduzindo a plateia em Wembley durante o Live Aid em 1985 o longa dirigido (quase todo) por Bryan Singer é a respeito da jornada da banda que revolucionou o rock ajudando a forjar a identidade do rock britânico. Porém, há mais em Bohemian Rhapsody do que apenas uma grande trilha sonora embalada por hits. Há a maneira como o Queen desafiou esterótipos esticando os limites da indústria musical com experimentações que ninguém ousava fazer no mainstream, e de como Freddie Mercury lidou com o diagnóstico de AIDS que culminaria em sua morte prematura, tudo isso embalado por um baita trabalho de elenco encabeçado por Rami Malek, que faz um tour de force digno de prêmio no papel principal.

8 - Viva: A Vida é Uma Festa


A animação da Pixar, a Pixar dos estúdios de animação, transportou a audiência para o mundo dos mortos para contar a história de Miguel, um pequeno aspirante a músico proibido de levar sua paixão adiante por conta da histórica aversão musical de sua família após sua tataravó ter sido abandonada por seu tataravô cantor.
Tentando reencontrar suas raízes musicais durante o Dia dos Mortos mexicano, Miguel acaba preso no além-vida e tem até o amanhecer para voltar ao mundo dos vivos, ou estará perdido para sempre. Unindo forças com o espírito vagabundo Hector, Miguel vai explorar o mundo dos mortos em busca da benção de seu falecido tataravô.
Colorido, vibrante e tocante como só os longas da Pixar sabem ser, Viva: A Vida é uma Festa não perde tempo lamentando a morte, e usa cada precioso minuto de sua projeção para celebrar a vida num emocionante conto sobre música, destino e amor familiar.

7 - Um Lugar Silencioso


Um Lugar Silencioso saiu do nada para se tornar um dos melhores filmes do ano em grande parte graças à uma história simples, excelentes atuações e, por estranho que pareça, o uso do som.
Embora seja tecnicamente um filme de ficção científica que quase foi parte da antologia Cloverfield, os alienígenas são tão raros e espaçados que o longa se torna muito mais um conto sobre família, e como as relações familiares podem ser complicadas graças à atuação de Emily Blunt e à direção esperta de John Krasinski.
Adicione a isso um elemento de horror de deixar na ponta da cadeira com a família obrigada a viver em constante estado de atenção a qualquer ruído que possa atrair as criaturas e nós nos vemos roendo as unhas durante o filme inteiro. E, a cereja do bolo, uma trilha sonora que enfatiza a falta de ruído e deixa a audiência de cabelo em pé ante qualquer barulhinho, e tem-se o panorama de porque Um Lugar Silencioso foi tão bom.

6 - Missão: Impossível - Efeito Fallout


Entra ano, sai ano e Tom Cruise volta a arriscar a vida na pele de Ethan Hunt para mais um capítulo da melhor crise de meia-idade da história do cinema.
Retornando para um sexto capítulo, a primeira sequência direta da franquia, a IMF precisa se reagrupar após uma missão fracassada colocar a Terra na mira de uma ameaça terrorista de proporções apocalípticas. Quando Hunt se torna suspeito de cooperar com os terroristas conhecidos como Os Apóstolos, o espião resolve usar essa suspeita a seu favor, e correr contra o relógio para impedir o fim do mundo como o conhecemos enquanto é perseguido pela CIA, por antigos aliados e pelos verdadeiros vilões contando com a ajuda de seus mais leais companheiros em mais um segmento de uma franquia que, a exemplo da Letícia Spiller, melhora com o tempo.

5 - Você Nunca Esteve Realmente Aqui


Joaquin Phoenix confirma novamente porque é considerado um dos melhores atores de sua geração com esse brutal drama que se importa menos com tensão e mais com um intenso mergulho na psique de seu protagonista. Filmado com urgência e lirismo por Lynne Ramsey, Você Nunca Esteve Realmente Aqui acompanha o calejado e traumatizado veterano de guerra Joe em seu trabalho como matador para os clientes de um detetive particular enquanto ele tenta resgatar a filha de treze anos de um senador de um grupo que explora prostituição infantil.
Sem focar no fetichismo da violência, Ramsay foca nos traumas de infância que marcaram a mente de Joe tanto quanto seu corpo repleto de cicatrizes. Com notas de Taxi Driver e energizado pela poderosa atuação de Phoenix em seu retrato de um homem sofrido, Você Nunca Esteve Realmente Aqui é um doloroso estudo sobre um homem mentalmente instável tentando encontrar alguma medida de graça ou redenção em um mundo onde ele não se encaixa mais.

4 - Três Anúncios Para Um Crime


Frances McDormand está demolidora como Mildred Hayes, uma mãe que, cansada de lamentar a morte da filha violentada e assassinada meses antes, resolve declarar guerra ao xerife Willowghby (Woody Harrelson) e de seus comandados usando três outdoors nas cercanias da cidade de Ebbing, no Missouri, apenas o primeiro passo no conflito do qual Mildred não está disposta a arredar o pé.
Isso a torna alvo do ódio de boa parte da cidade, incluindo o mentecapto racista Dixon (Sam Rockwell). Sob a lente de Martin McDonagh essa premissa pesada se torna uma inesperadamente divertida comédia de humor negro carregada de teor emocional e embalada por atuações espetaculares de McDormand, Rockwell e Harrelson, todos indicados ao Oscar, com os dois primeiros vencendo nas categorias de atriz e ator coadjuvante.

3 - A Forma da Água


O visionário Guillermo Del Toro conseguiu de novo. Transportou toda a audiência para um mundo de fantasia como só ele poderia encravar no coração da Guerra Fria para contar a história de amor entre uma faxineira muda (Sally Hawkins) e a misteriosa criatura anfíbia (Doug Jones) levada para o laboratório secreto onde ela trabalha e submetida a toda a sorte de experimentos nas mãos dos homens da ciência dos anos 1950.
Com um roteiro tocante, atuações excelentes de Hawkins, Octavia Spencer, Richard Jenkins e Michael Shannon e a direção onírica, sombria e bela de Del Toro, A Forma da Água abocanhou o Oscar de melhor filme e se perfilou a O Labirinto do Fauno no rol das maiores obras do sempre competente cineasta mexicano.

2 - A Balada de Buster Scruggs


A deliciosa antologia de faroeste dos irmãos Coen é tanto uma carta de amor ao gênero quanto um cínico escrutínio que disseca o estilo sem dó e nem piedade.
Embrulhado no fatalismo que é marca registrada dos Coen, contadores de histórias que preferem os fracassados aos bem-sucedidos, os seis contos de A Balada de Buster Scruggs vão do sombrio ao desenvolto e de volta sem jamais perder o bom-humor e o pessimismo presentes em toda a filmografia de Joel e Ethan. Ninguém no mundo dos Coen está a salvo da tristeza e do absurdo. Do pretenso ladrão de bancos de James Franco e sua desastrada dança com a morte à pobre mocinha de Zoe Kazan, que finalmente se vê dona do próprio destino apenas para descobrir que sua caravana está sendo perseguida por índios passando pelo garimpeiro de Tom Waits e pelo sombrio empreendedor do show business vivido por Liam Neeson, todos os personagens em cena estão sujeitos às mais inesperadas e impressionantes formas de desventura deixando claro, desde o primeiro segmento, com o personagem título, o pistoleiro/cantor Buster Scruggs que essa balada é tanto uma homenagem quanto uma desconstrução do mito...

1 - Vingadores: Guerra Infinita


Eu francamente tentei não ser um fanboyzinho e colocar Guerra Infinita no topo da lista, mas não foi possível.
Por mais que eu tenha assistido filmes melhores sob diversos aspectos, nenhum filme de 2018 me cativou na escala de Guerra Infinita. Provavelmente por sua, bem... Escala.
Não há filme com apostas mais altas. O destino de metade do universo está em jogo e praticamente todos os personagens que conhecemos ao longo de dezoito filmes precisam se unir para impedir que Thanos (Josh Brolin, soberbo) ganhe controle sobre as seis jóias do Infinito.
Com um ritmo surpreendentemente fluido para um filme com uma dúzia de protagonistas e dando uma aula de subversão de expectativas (eu ainda não te esqueci, Rian Johnson. Vá se foder.) Vingadores: Guerra Infinita conseguiu a proeza de ser a sequência de quase vinte filmes e, ao mesmo tempo, funcionar de forma isolada ao centrar fogo, não em seus heróis, mas no seu vilão.
Ao dar voz e propósito a Thanos, os diretores Joe e Anthony Russo e os roteiristas Christopher Markus e Stephen McFeely mudaram o panorama do longa, opondo os heróis mais poderosos da Terra e além a um inimigo obstinado não em destruição, mas no que considera o único caminho para a manutenção da vida. Ao termos o ponto de vista de Thanos, mesmo não concordando com ele, sabemos porque ele se considera o herói de sua própria história, e quando ele coloca os Vingadores de joelhos, nós não nos sentimos traídos, e o início do fim do MCU como nós conhecemos, se torna uma aposta muito mais arriscada.

Top 10 Negativo - Cinema 2018

Tendo ido pouco ao cinema nesse ano, acabei sendo mais seletivo com o que assisti. Isso dificultou um pouco a minha vida na hora de montar a lista dos piores do ano mesmo que, em mais de uma ocasião, eu tenha saído da locadora com um filme escolhido especificamente por seu potencial de figurar no top 10 negativo.
Dificultou, mas não impossibilitou.
Hollywood continua firme e forte em sua produção de filmes ruins, potencialmente turbinados pela joint-venture entre os estúdios norte-americanos e a grana chinesa que gerou alguns frankensteins tenebrosos ao longo de 2018. Sem esquecer que, quanto mais alta a posição nesse ranking, pior.
À lista:


10 - Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindenwald


Uma tremenda decepção após o ótimo Animais Fantásticos e Onde Habitam, Os Crimes de Grindenwald é uma tremenda baderna em termos de roteiro, não faz nenhum sentido do ponto de vista lógico mesmo com a audiência aceitando um mundo onde crianças podem se tornar magos e bruxas e ainda presta um desserviço aos ótimos personagens apresentados no filme anterior.
Com uma trama excessiva e confusa que se espalha por toda a parte sem chegar a lugar nenhum, Os Crimes de Grindenwald está nessa lista não apenas por ser um filme insatisfatório, mas por ser um tombo tão vertiginoso após a qualidade do longa anterior.

9 - Megatubarão


Aposta fácil em uma lista de piores do ano. Com Jason Statham grunhindo e realizando feitos super-humanos enquanto duela com um tubarão de vinte e sete metros de comprimento que, aparentemente, é um peixe carnívoro gigante especialista em infiltração stealth até mesmo quando recebe um rastreador, tamanha sua habilidade em surpreender todo mundo, seja no fundo das Fossas Marianas, seja em uma estação de pesquisa submarina de última geração, seja na praia mais movimentada da Ásia, seria uma surpresa se Megatubarão fosse bom.
O longa de Jon Turteltaub se apóia na esperança de que a audiência esteja se divertindo o suficiente para suspender a descrença a níveis estratosféricos, ou rindo demais para pensar com clareza, mas o longa não é tão divertido assim, e nem tão engraçado.

8 - Han Solo: Uma História Star Wars


O filme que ninguém queria ver, no momento em que não deveria ter sido lançado, o filme solo de Han Solo é uma tentativa de fazer as pazes que ainda estamos bravos demais pra aceitar, o que torna as suas falhas berrantes e suas qualidades discretas. Isso se deve tanto ao fato de a base de fãs de Star Wars ainda não ter superado o estrago que Os últimos Jedi fez na franquia, quanto ao fato de que a bagunçada produção de Han Solo: Uma História Star Wars resultou em um filme de falhas berrantes e qualidades discretas.
Um protagonista sem carisma, um vilão desinteressante e uma história pra qual ninguém liga resultaram na pior bilheteria da história de Star Wars nos cinemas, e um recado claro dos fãs: Não aceitaremos qualquer coisa com Star Wars no título.

7 - Tomb Raider: A Origem


O esforço de tornar Lara Croft humana no novo filme, mais amparado na mais recente trilogia gamística do que nos inúmeros jogos dos anos 90 seria louvável se o produto desse esforço não fosse um filme tão monótono.
O Tomb Raider estrelado pela talentosíssima gatinha Alicia Vikander é um estranho blockbuster arrastado, onde pouca coisa acontece, e, quando finalmente acontece, parece que foi por mera obrigação de ofício, como se roteiristas e diretor estivessem cobrindo uma checklist do que é estritamente necessário em um Tomb Raider.
Quando a melhor cena de ação de um filme sobre a exploração de tumbas ancestrais é uma corrida de bicicletas em Londres, fica claro que, ás vezes, um filme bobo é melhor do que um filme chato, e Tomb Raider: A Origem, é muito chato.

6 - O Paradoxo Cloverfield


Terceiro segmento da mais ou menos franquia engendrada pela Bad Robot de J. J. Abrams, o estrelado Paradoxo Cloverfield surgiu de mansinho nas redes sociais com um trailer tenso que acenava com um suspense de horror espacial ao melhor estilo Alien: O Oitavo Passageiro.
Depois, surpresa, o filme não foi proscinemas, sendo largado na Netflix, se não me falha a memória, em meados de fevereiro, e, eu confesso, esqueci completamente dele, assistindo casualmente numa noite de sexta-feira lá pelo meio do ano quando uma resenha dele já era completamente irrelevante, tão irrelevante quanto o filme em si.
O longa de Julius Onah tem um elenco rico em talento e beleza (Gugu Mbatha-Raw e Elizabeth Debicki, sozinhas, já valem um ingresso pra qualquer coisa...) que é desperdiçado em uma hora e quarenta e dois minutos de clichês sci-fi, ignorância científica e elementos de casa-assombrada mal ajambrados no que parece uma medonha colcha de retalhos de filmes melhores.
Mal e mal há conexões com a antologia e por menores que elas sejam, ainda conseguem a proeza de contradizer os longas anteriores em comparação com os quais é claramente inferior.
Com sua trama de universos paralelos fica a dúvida se existe algum ponto do multiverso onde esse filme funciona.


5 - Desejo de Matar


Eu confesso que, no nosso contexto político atual, o Desejo de Matar de Eli Roth e Bruce Willis (que parece ter largado a carreira de mão e agora está só pelos contra-cheques) deve ter encontrado sua parcela de entusiastas. Afinal de contas, no remake do longa de 1974, o doutor Paul Kersey descobre que a felicidade e a segurança têm a forma de uma semi-automática enquanto o roteiro de Joe Carnahan sugere que todo o liberal cuca-fresca está a uma tragédia de distância de se tornar um conservador linha-dura com carteirinha da NRA (ou, no Brasil, camiseta escrita Olavette).
Com seu anacronismo e pobreza na escolha e condução de seus temas, o longa é uma punheta para aquele tio velho e brabo que espalha corrente com teoria conspiratória no grupo da família, confunde política social com socialismo e está sempre com medo da ameaça comunista.

4 - Rampage: Destruição Total


Ninguém assiste a um filme como Rampage: Destruição Total em busca de poesia, grandes atuações ou um grande roteiro, eu sei, mas Rampage consegue a proeza de ser um filme tão vazio de ideias, atuações e personagens que ele sequer permanece na mente por tempo o bastante para justificar uma crítica.
O longa estrelado pelo "viagra de franquias" Dwayne The Rock Johnson é uma draga. Arrastado, chato, com sequências de ação absurdas demais pra fazer sentido e genéricas demais para empolgar, vilões péssimos e criaturas digitais que não se sustentam. O longa de Brad Peyton consegue a proeza de ser um filme ruim demais pra se gostar e ruim demais pra se odiar. Não há senso de propósito, não há meta, há apenas uma sequência de ação e então a próxima, e então a próxima, e o resultado é o primeiro cataclismo de proporções bíblicas que a gente consegue passar dormindo.
Dwayne Johnson tem presença de tela, carisma e não é um ator terrível, mas ele definitivamente precisa tomar cuidado com os projetos nos quais se envolve, ou ele corre o risco de virar um Bruce Willis prematuro, topando qualquer parada direto em vídeo em troca de um cachê de sete dígitos.

3 - Arranha-Céu: Coragem Sem Limites


Dwayne Johnson tem presença de tela, carisma e não é um ator terrível, mas ele definitivamente precisa tomar cuidado com os prijetos nos quais se envolve, ou ele corre o risco de virar um Bruce Willis prematuro, topando qualquer parada direto em vídeo em troca de um cachê de sete dígitos. Não. Essas linhas repetidas não são um engano. The Rock não esteve em apenas um filme horrível esse ano, mas em dois. Arranha-Céu consegue a proeza de ser ainda pior do que Rampage já que além de ser ruim e vazio, ainda é um pastiche de longas como Inferno na Torre e especialmente Duro de Matar, o melhor filme de ação já feito.
A história do pai de família amputado que enfrenta terroristas em um prédio em chamas para salvar sua família está uns trinta anos atrasada, especialmente quando esse pai de família deveria ser humanizado por uma deficiência física, mas essa deficiência se torna apenas mais um obstáculo facilmente superado por Dwayne Johnson em modo super-homem conforme ele sucede no último segundo de novo, e de novo, e de novo... Juntando-se a isso um centro emocional subdesenvolvido (nós não temos tempo ou material para ligar para a esposa ou os filhos de Johnson), e toda a ação se torna oca. Os riscos não importam porque as pessoas na tela não importam e com isso, o filme também deixa de importar.

2 - Jurassic World: Reino Ameaçado


É complicado para qualquer filme viver à sombra do primeiro Jurassic Park. O senso de deslumbramento da primeira sequência com o braquiossauro na chegada dos visitantes ao parque é algo que, 25 anos depois de eu ter visto o filme pela primeira vez (no cine Cacique, levado pela minha vó.), permanece intocado toda a vez que eu revejo a cena e ouço a trilha de John Williams.
O Mundo Perdido, Jurassic Park III, e Jurassic World, foram filme que sistematicamente pioravam em relação ao longa original, e Jurassic World: Reino Ameaçado é mais uma pá de terra na cova da franquia que segue fazendo dinheiro, e deixando claro que sucesso financeiro não é necessariamente proporcional a qualidade.
O longa não apenas repete os erros do horroroso filme anterior, mas incorre em tantos novos escorregões de lógica que se torna simplesmente impossível suspender a descrença no nível que o roteiro demanda.
A vontade clara de ser um arrasa-quarteirão auto-consciente fazendo perguntas interessantes está tão presente quanto a falha nessa pretensão, resultando em um filme cínico e burro, que não se interessa pela própria premissa, mas sim em criar sequências de ação reminiscentes do primeiro filme, com resultados lamentáveis.
Inchado de questões morais que não tem sofisticação para sustentar o longa de J. A. Bayona que transforma o que já foi um dos filmes fundamentais do cinema em uma franquia cada vez mais genérica, vazia e esquecível.

1 - Círculo de Fogo: A Revolta


Em 2013 Guillermo Del Toro criou o inacreditavelmente divertido, charmoso e bobo Círculo de Fogo, uma versão mais bonita e esperta de todos os filmes e seriados de monstros gigantes destruindo (geralmente) Tóquio em duelos com robôs gigantes.
Cinco anos depois, Del Toro saltou fora do projeto que caiu no colo de Steven S. DeKnight, um diretor sem a mesma experiência, lastro ou visão do mexicano.
O resultado é um longa que troveja idiotice, que tenta ser diversão descerebrada, mas falha em ser divertido, que faz a audiência ter saudade, não de Del Toro (porque é impossível ligar o diretor de O Labirinto do Fauno a esse filme...), mas de Michael Bay no primeiro Transformers.
Círculo de Fogo: A Revolta é inferior ao longa original em todos os aspectos, menos interessante, inteligente, bonito e empolgante, ainda consegue a proeza de estragar personagens de quem havíamos aprendido a gostar no filme anterior, e enfiar um vilão de meia pataca de que não havíamos precisado antes. O longa parece ter sido roteirizado por alguém que não assistiu ao Círculo de Fogo original, mas ouviu falar e resolveu escrever uma sequência assim mesmo, criando uma atrocidade que sapateia em cima do longa original usando os pedaços para tentar garantir um pingo de sobrevida a um produto natimorto:
O pior filme de 2018.

Resenha Filme: Venom


Não foi por mais senão curiosidade mórbida e pelo fato de ser um fã do trabalho de Tom Hardy que eu resolvi gastar uns pilas e alugar Venom no Google Play Video. Isso e o fato de que eu estava procurando qualquer pretexto para permanecer tão imóvel quanto possível na frente do ventilador durante a quase flamejante tarde de ontem, quando respirar fundo fazia a gente suar.
Não eram apenas as críticas negativas que me tornavam reticente para com Venom, mas o próprio conceito: Um filme de um inimigo do Homem-Aranha sem o Homem-Aranha? Era uma dessas ideias de Jerico que tinham chance de dar muito errado mesmo se o vilão escolhido para protagonizar seu próprio longa fosse muito interessante, o que não é, nem de longe, o caso de Venom.
Eu sempre achei Venom um personagem pobre. A despeito de ter surgido em uma boa série de histórias escritas por David Michelinie e ilustradas por Todd McFarlane em 1988 logo ficou claro que o personagem, largamente amparado em seu "visual cabuloso" de Homem-Aranha do mal era muita forma e pouquíssimo conteúdo, especialmente quando sua popularidade o levou a ter o próprio gibi e ir de vilão a anti-herói.
A vida do personagem no cinema também não era das mais inspiradas. Ele foi meio que socado goela abaixo de Sam Raimi e o resultado foi uma quase ponta em Homem-Aranha 3 interpretado por Topher Grace, uma encarnação que desagradou tanto fãs quanto não-fãs do personagem e deu fim à série de filme do teioso estrelada por Tobey Maguire.
Com a resistência dos Marvel Studios, que atualmente faz os filmes do Aranha para a Sony, em reutilizar vilões já vistos no cinema (ao menos até o momento...), eu francamente achava que Venom ficaria na geladeira por tempo indeterminado, mas aparentemente o estúdio japonês, detentor dos direitos de exploração do Homem-Aranha e de sua galeria de vilões e coadjuvantes nos cinemas não estava disposto a lucrar apenas com o cabeça-de-teia e resolveu criar seu próprio universo compartilhado usando todos os personagens do Homem-Aranha, exceto o Homem-Aranha. Com projetos envolvendo Silver Sable, Gata Negra, Morbius e, o primeiro a ver a luz do dia, esse Venom, protagonizado por Hardy, dirigido por Ruben Fleischer (do ótimo Zumbilândia) e roteirizado por Jeff Pinkner, Kelly Marcel, Scott Rosenberg e Will Beall.
O longa começa com uma espaçonave retornando à Terra.
O veículo da Fundação Vida, pilotado por John J. Jameson III (Rarááá!) faz uma aterrissagem brusca na Malásia carregando quatro espécimes alienígenas encontrados em um cometa, uma das criaturas escapa na chegada, misturando-se à população local, enquanto as outras três são levadas à sede da Fundação Vida em São Francisco.
São Francisco é a casa de Eddie Brock (Tom Hardy) e de sua noiva Annie Weying (Michelle Williams), Eddie é um jornalista investigativo hard core especializado em matérias de cunho social, e Annie é uma advogada trabalhando para uma grande firma que tem, entre seus clientes, a Fundação Vida, alvo de diversas acusações de práticas criminosas incluindo uso de indigentes como cobaias humanas em experiências farmacológicas.
Quando Eddie é designado para entrevistar o presidente da Fundação Vida, Carlton Drake (Riz Ahmed), ele fuça nos documentos de Annie, e resolve confrontar o bilionário sobre as acusações.
A tentativa de expor Drake na mídia sai pela culatra, e o resultado é que Eddie é demitido da emissora.
Como desgraça pouca é bobagem, Annie também é demitida por ter sido a fonte involuntária de Brock, e termina o noivado e o relacionamento com o jornalista.
Corta para seis meses depois. Brock, ainda desempregado é procurado pela doutora Dora Skirth (Jane Slate), chefe de pesquisa de Drake e que tem estudado os alienígenas desde sua chegada à Terra. Ela testemunhou as tentativas de Drake de unir as criaturas simbiontes a seres humanos e as trágicas consequências que essas experiências têm criado.
Skirth se dispõe a levar Eddie até os laboratórios da Fundação Vida para que ele veja com seus próprios olhos e documente o que está acontecendo, e exponha as maquinações de Drake ao público.
As coisas, porém, não saem como o planejado, e, Eddie se vê, ele próprio, unido à uma dessas criaturas, o simbionte chamado Venom.
Com Drake em seu encalço, ávido por recuperar seu espécime, Eddie precisa lidar com um grupo de operações especiais e drones explosivos em seus calcanhares, bem como aprender a conviver com o organismo alienígena que parece decidido a se unir a ele não importa o custo.
E, como isso não é o suficiente, Riot, o simbionte que escapara na Malásia chega a São Francisco disposto a iniciar uma invasão à Terra, tornando Eddie Brock e Venom as únicas esperanças do planeta.
Eu devo dizer que achava que Venom seria um filme bem pior do que de fato é.
Embora o longa tenha sérios problemas em seu script que não decide a que gênero quer pertencer, fluindo como um filme de horror, de ação, de aventura, e de comédia mudando a marcha a cada três passos, há que se dar o braço a torcer para Tom Hardy.
Embora todo o elenco de Venom seja excessivamente qualificado para o filme (sério... Michelle Williams como interesse romântico em filme de super-herói? É quase a mesma coisa que escalar Meryl Streep para ser a tia May), Tom Hardy realmente eleva a coisa toda, e é a performance e o comprometimento do britânico que garantem que Venom seja um programa menos descartável. Em especial quando Eddie começa a descobrir os poderes que o simbionte lhe garante e as duas contrapartes (o simbionte também é dublado por Hardy) discutem sua relação única, a coisa ganha uma atmosfera divertida. É quase Um Espírito Baixou em Mim com super-poderes, e é quando Venom é um filme mais agradável de se assistir com Ruben Fleischer exercitando os músculos que exibira em Zumbilândia e Hardy aparentemente se divertindo horrores.
Se em seus melhores momentos Venom é uma versão anabolizada de Um Estranho Casal, nos piores é uma maçaroca de clichês do que de pior os filmes de quadrinhos têm a oferecer. Vilões unidimensionais, sequências de ação pirotécnicas pouco inspiradas, massacres em modo censura livre e um duelo final que parece duas pessoas embrulhadas em sacos de lixo lutando à luz de velas com edição de Michael Bay.
A trilha sonora de Ludwig Göransson é absolutamente esquecível, a fotografia, um desperdício do talento de Matthew Libatique (que passa duas horas filmando um alienígena preto na noite), e a edição de Alan Baumgarten descamba na sequência final e os efeitos visuais são excelentes com Venom em repouso, não tanto quando ele precisa se movimentar.
A despeito de seus óbvios problemas de condução e desenvolvimento, porém, Venom não é tão ruim quanto parecia, mas está longe de ser um bom filme. Sem a comprometida atuação de Tom Hardy pouco teria para atrair uma audiência minimamente exigente, mas certamente ressoa entre seu público-alvo: Adolescentes descerebrados.
Assista se for um fã inveterado de Venom ou de Tom Hardy.

"-O que é que nós vamos fazer agora?
-Do meu ponto de vista, podemos fazer o que quisermos."

Resenha DVD: Megatubarão


Há filmes que a gente vê o título e já espera um determinado perfil. Quer dizer, ninguém em sã consciência espera que um longa chamado Megatubarão vá ser uma maravilha do cinema. Muito antes pelo contrário.
Espera-se uma dessas besteiras de baixo orçamento financiadas pelo Syfy Channel ao melhor estilo sharknado, ou mega tubarão versus polvo gigante ou qualquer outra coisa nesse gênero, filmes de terrir que não se levam a sério e nem agregam lá muito valor de produção.
O ponto é que esse Megatubarão tinha orçamento, estúdio, elenco e lançamento de blockbuster. Custou cento e cinquenta milhões de dólares à Warner e à China Media Capital, tinha no cast nomes reconhecíveis em Hollywood e inclusive encheu o longa de chineses para aumentar a arrecadação na Ásia. Coisas que tornavam esse filme, no mínimo, intrigante.
E foi por mera curiosidade que ontem passei na locadora e catei o filme de John Turteltaub, mesmo dos filmes d'A Lenda do Tesouro Perdido com Nicolas Cage.
O longa abre com uma sequência cinco anos no passado, quando o especialista em resgate sub-marino Jonas Taylor (Jason Statham) e sua equipe tentava resgatar a tripulação de um submarino nuclear naufragado. Durante o resgate, porém, alguma coisa atacou a embarcação, forçando Jonas a tomar uma decisão dolorosa, deixar morrer dois membros de sua equipe para salvar onze vítimas.
Corta para o presente.
O multi bilionário Jack Morris (o eterno Dwaight Schrute Rainn Wilson) chega à instalação de pesquisa submarina que financia. Lá, o doutor Zhang (Winston Chao) e sua equipe vasculham o fundo do oceano e acabaram de fazer uma espetacular descoberta: As fossas Marianas não são o ponto mais profundo da Terra. O que se considerava o fundo das fossas é, na verdade uma camada de fluido em temperatura subzero que mantém isolado um ecossistema quase alienígena do qual ninguém jamais teve vislumbre ou notícia.
Quando uma equipe formada por três pesquisadores alcança a maior profundidade da história da exploração submarina, o impensável acontece, e um megalodonte, o maior tubarão que já nadou nos mares e que todos consideravam extinto, ataca o veículo, deixando o grupo incapaz de retornar à superfície e com o tempo de oxigênio em contagem regressiva.
A única pessoa capaz de executar esse resgate?
Jonas. O homem que vem sendo ridicularizado nos últimos cinco anos exatamente por ter testemunhado o ataque de um megalodonte.
Mas mais do que salvar os pesquisadores no leito do oceano, Jonas e a tripulação da estação precisam estar preparados para as consequências de colocar o maior e mais terrível predador dos oceanos de volta na cadeia alimentar da qual esteve ausente por dois milhões de anos.
A premissa por si só já deixa claro que o longa é um tremendo prepostero, e não haveria nada de errado com isso se o longa simplesmente não se levasse a sério, o grande problema aqui é que o roteiro escrito por Dan Georgarias, Jon Hoeber e Erich Hoeber jamais decide se quer ser uma bobagem estilo Sharknado ou um filme estilo Homem versus Natureza mais sério, como Tubarão.
O longa começa tentando ser assustador, e até consegue gerar uma atmosfera de tensão enquanto a ação transcorre nas profundezas da fossa isolada do primeiro ato, mas do momento em que Statham ressurge na tela em diante, a tensão é mandada lá pra casa do capita em nome de sequências de ação absurdas e frases de efeito engraçadinhas.
Pra piorar o esburacado roteiro do filme não suporta três segundos de escrutínio lógico, o que, novamente, não teria problema se o longa escolhesse um tipo de abordagem condizente e se mantivesse com ele. Como esse não é o caso, temos sacrifícios heroicos, lamentos e piadinhas condensados no mesmo espaço, fazendo com que tudo seja inócuo.
No elenco, destaca-se Wilson, divertido com seu Jack Morris emulando Elon Musk, e Ruby Rose, cuja hacker Jaxx parece uma personagem punk de anime. Além desses ainda temos Li Bingbing, Cliff Curtis, Sophia Cai (porque, afinal, quem não levaria uma criança de oito anos para uma estação de pesquisa submarina?), Page Kennedy, Robert Taylor, Ólafur Darri Ólafsson, Masi Oka e Jessica McNamee, servindo de isca (e eventual petisco) para o Meg.
Praticamente não existe trilha sonora e os efeitos visuais são OK no que é, de longe, o filme de tubarão menos sangrento que eu já vi, afinal, classificação indicativa mais branda se reflete em público mais amplo e, consequentemente, mais grana nas bilheterias e, nesse caso em especial, num clímax que é absolutamente sem graça e monótono, substituindo o pavor de um ataque de fera devoradora de homens por correria.
Geralmente eu tento não pichar filmes que são exatamente o que prometem, mas é difícil pra mim nutrir simpatia por produtos desalmados como esse Megatubarão, mais um exemplo de que combinar cinema norte-americano com chinês resulta em produtos indigestos como Círculo de Fogo 2, A Grande Muralha, Arranha-Céu e esse Megatubarão, o filme trash mais caro e comportado da história do cinema.

"-Meg contra homem não é uma briga... É um massacre."

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Resenha Filme: Você Nunca Esteve Realmente Aqui


Fazia já bastante tempo que eu estava com vontade de assistir Você Nunca Esteve Realmente Aqui, longa de Lynne Ramsay (Precisamos Falar Sobre Kevin), o circuito reduzidíssimo do filme quando estreou no Brasil em agosto não ajudou, e o desinteresse de Paulo, dono da locadora de que sou sócio (talvez a última locadora em Porto Alegre?) no filme, somado ao preço de dezessete reais e noventa centavos do filme no Now da Net, me fizeram crer que eu só conseguiria assistir ao filme quando ele passasse na sessão de filmes indies do Max Prime, como ocorrera com O Lagosta.
Mas ontem descobri o serviço do Google Play Video na TV, e encontrei Você Nunca Esteve Realmente Aqui para alugar em full HD por módicos seis e noventa (mais barato que uma locação de DVD na locadora. Toma essa, Paulo.), e passei minha noite na companhia de Joaquin Phoenix.
Ou melhor, de Joe.
Joe é um veterano de guerra que trabalha como matador para um detetive particular. Joe, porém, escolheu um nicho específico: Ele resgata mulheres vítimas de abuso, geralmente meninas vítimas de exploração sexual. E Joe criou a fama de entregar o que lhe é pedido, e ser veemente na violência que usa para fazê-lo.
Quando o conhecemos não podemos ver Joe inteiro. Apenas fragmentos. Seu rosto contorcido em um grito mudo embalado em plástico. Suas mãos apanhando os objetos de seu ofício após mais um trabalho bem sucedido. Um rolo de fita adesiva, um colar com o nome de uma menina, um martelo sujo de sangue. Não há panorâmica, vemos apenas fragmentos da cena. É melhor se acostumar. Nada é entregue de bandeja em Você Nunca Esteve Realmente Aqui.
Joe é um sujeito de estatura mediana, mas tem uma constituição sólida. Braços musculosos e cobertos de cicatrizes. Uma barriga paternal. Uma barba espessa e grisalha. Cabelos longos presos em um pequeno rabo de cavalo. Não é alguém com quem se mexeria na rua.
Algo horrível acabou de acontecer, mas Joe não está abalado. Ele é o agente de parte daquele caos. Pra ele, só mais um dia no escritório.
Mas a vida de Joe não é apenas violência. Ele vive no Brooklyn com sua mãe idosa (Judith Roberts).
Joe cuida da mãe, que começa a apresentar sinais de demência senil. Ele a coloca na cama. Ajuda com as tarefas domésticas. Brinca e faz piadas. A despeito da violência que sabemos que Joe é capaz de entregar, ele é carinhoso com a mãe, ainda que, eventualmente, algo reticente.
Eventualmente Joe é contratado para resgatar a filha de treze anos de um senador em campanha eleitoral (Alex Manette).
A menina, com um histórico de fugas de casa caiu nas mãos de um grupo de exploradores de menores e está sendo mantida em um bordel oculto em uma bonita "townhouse" Nova Iorquina.
Após uma breve preparação que inclui o aluguel de um automóvel, compra de refrigerante e água, fita adesiva e um novo martelo, Joe está pronto para a ação. Ele observa a casa, descobre os pormenores de seu funcionamento, e age com extrema violência resgatando a jovem Nina (Ekaterina Samsonov) e punindo brutalmente os seguranças e frequentadores do local no processo.
Mas após concluir o serviço, Joe se vê envolvido em uma conspiração que o faz embarcar em uma jornada de pesadelo, conforme seu mundo desaba e ele é arrastado para o inferno embalado pelos traumas que é incapaz de superar enquanto precisa decidir se essa é uma jornada rumo ao fim ou à redenção.
Não se deixe enganar pela premissa que imediatamente traz à mente thrillers de ação descerebrados. Você Nunca Esteve Realmente Aqui é exatamente o oposto. Há pouquíssima ação, e muitíssimo cérebro.
Talvez porque o longa escrito e dirigido por Lynne Ramsay (a partir do livro de Jonathan Ames) seja menos uma história e mais um estudo de personagem. O ponto de vista de Joe é a única coisa que temos para trabalhar. Se ele não sabe ou não viu, nós também não sabemos e nem vemos. As únicas coisas que sabemos sobre o seu passado são as lembranças que ele não consegue manter ocultas. Pequenos fragmentos que estão ali, não para nos dar qualquer vislumbre do background do protagonista, mas para assombrá-lo, e nós com ele. O pai abusivo que aterrorizava a mãe com um martelo (que Joe, adulto, transforma em uma ferramenta de retidão usada para punir os maus), o tiro em uma criança que agoniza no oriente-médio, o container cheio de mulheres mortas. O passado de Joe não vai além disso porque ele não está tentando lembrar, mas esquecer, e essas poucas memórias surgem sem convite e são imediatamente afugentadas. Joe não quer reviver nada. Joe mal quer viver. Ele flerta com a ideia de soltar uma faca afiada feito a língua do diabo na própria garganta. Ele fantasia sobre dar um tiro na própria boca. Ele é um veterano ansioso pela morte, mas decide que não pode morrer ainda. Joe não é um homem, mas a soma de seus ferimentos e traumas tentando encontrar propósito.
Da mesma forma, Você Nunca Esteve Realmente Aqui é a soma de cenas tão distintas quanto o momento em que Joe e sua mãe cantarolam juntos polindo a prataria ou a sequência que vemos através de câmeras de vigilância quando ele esmigalha a cabeça de pessoas a marteladas. É lírico e poético em um momento, uma explosão de brutalidade no seguinte.
Músicas pop surgem contrapondo a ação, e a invasiva trilha sonora de Johny Greenwood pulsa para nos oferecer um vislumbre da sobrecarga sensorial experimentada por Joe nos momentos de tensão enquanto a cinematografia de Thomas Townend nos obriga a encarar closes de mãos, dedos, olhos em imagens propositadamente granuladas para nos colocar dentro desse mundo porque Lynne Ramsay remove qualquer vestígio de gordura de seu script, mantendo o diálogo esparso, quase raro, e obrigando o espectador a encontrar seu próprio caminho guiado apenas pela performance de Phoenix, para nossa sorte, um dos melhores atores em atividade no cinema.
Com um começo desnorteador e um final enigmático entremeado por lirismo e brutalidade, os econômicos oitenta e três minutos de Você Nunca Esteve Realmente Aqui são difíceis, desafiadores, até pretensiosos, mas nem por isso menos brilhantes.
Não é pra todo mundo. Mas é um dos melhores filmes do ano.

"-Joe, acorda. Está um dia lindo.
-Está mesmo um dia lindo."

sábado, 22 de dezembro de 2018

Resenha Game: Marvel's Spider-Man: Silver Lining


"Tudo o que tem um começo, tem um fim", já diria a Oráculo de Matrix, e o DLC de Marvel's Spider-Man, The City That Never Sleeps não é exceção. Ontem a Insomniac disponibilizou o último dos três capítulos do conteúdo baixável do melhor game que o cabeça de teia já teve e eu não acho que esteja exagerando quando digo que o melhor ficou guardado para o final.
Conforme ficou claro para quem jogou Turf Wars, o capítulo anterior do DLC, o chefão Cabeça de Martelo não havia morrido nas mãos da capitã Yuri Watanabe. O tal Projeto Olympus havia deixado o don da Maggia ainda mais indestrutível do que antes, de modo que um balaço na testa deixara de ser garantia de morte para o vilão.
Enquanto Yuri foi afastada pela corregedoria, o Cabeça de Martelo segue com seu plano de ocupar o vácuo de poder de Wilson Fisk e se tornar o grande chefão do crime de Nova York usando armamento da Sable International que ficou dando sopa em Nova York após os eventos da história principal do game, e a única coisa entre o bandidão e seu objetivo é o espetacular Homem-Aranha, que continua travando uma guerra particular contra os capangas turbinados do mafioso.
Eis que ressurge Silver Sable. A personagem que foi um pé no saco durante a história principal do game e que me irritou profundamente por sempre aparecer para dar uma coça no Homem-Aranha (em segmentos onde o player não podia controlar o herói para tentar, de fato, vencer a briga) volta a Nova York para lidar pessoalmente com a sua tecnologia nas mãos do Cabeça de Martelo.
Sable é mais uma personagem beneficiada pelo primoroso roteiro do game que, de forma geral, faz maravilhas por todo mundo (mesmo que coisas como a Mary Jane jornalista e o Miles Morales geek me incomodem um pouco...). Quando a mercenária surge, parece que ela está apenas querendo vingança ou proteger os próprios interesses, mas conforme a trama anda, nós descobrimos mais sobre as motivações de Sablinova e isso ajuda a expandir ainda mais o mundo ondo o game se desenrola.
Se Sable parece estar agindo de forma egoísta no início, não tarda para descobrirmos que ela é uma personagem com quem podemos simpatizar e, mais do que isso, alguém com intenções nobres, o que justifica a forma como o Homem-Aranha pega leve com ela. Somado a essa nova luz sobre a personagem, a parceria entre a mercenária curta e grossa e o espirituoso amigão da vizinhança cria um clima de buddy cop que torna a narrativa mais divertida, e gera alguns dos melhores diálogos do game, fazendo com que estejamos mais do que dispostos a ter um pouco mais dessa parceria na tela.
Mas há mais méritos no DLC.
Foi uma sacada de mestre pegar um vilão da terceira linha da gloriosa lista de antagonistas do Homem-Aranha e transformá-lo em uma ameaça real para a trama. Nas mãos da Insomniac o Cabeça de Martelo é mais do que um capanga durão, mas um autêntico chefão do crime com um plano e sem medo de sujar as mãos para chegar no topo da pirâmide. Mesmo que seu visual nesse terceiro capítulo seja bem porcaria ele impõe uma ameaça real durante todo o tempo, e derrotá-lo no final (em uma sequência desafiadora e cinematográfica) gera genuína satisfação.
Claro, as interações entre o protagonista e Mary Jane e Miles Morales e outros personagens ajudam a manter essa Nova York digital viva e reativa, mas Silver Lining é um capítulo dedicado à Silver Sable, e o fato de conseguir tornar a antipática personagem uma presença bem-vinda é testemunho da qualidade do trabalho dos roteiristas do game.
Em termos de gameplay não há grandes novidades.
O sólido sistema do jogo é respeitado e mantido, nós perseguimos veículos, lutamos contra ondas de inimigos e, entre uma coisa e outra, há uma ou duas missões de estilo furtivo, o grande diferencial é a dificuldade. Silver Lining pega pesado na hora de jogar a bandidagem pra cima do cabeça de teia, com todos os tipos de inimigos dos capítulos anteriores dando as caras em grande quantidade com equipamentos de ponta, obrigando o jogador a fazer uso de todo o arsenal de engenhocas aracnídeas à disposição para sobrepujar os inimigos.
Entre os crimes aleatórios retorna o tiroteio com um caminhão tanque no meio que havíamos visto em uma das missões secundárias envolvendo estudantes da UES, mas agora com capangas da Maggia vestindo trajes Olympus, e um "defender a torre" que na verdade é "defenda o caminhão de suprimentos" das ondas de capangas.
Uma das minhas partes preferidas do game, as bases, retorna, e ainda que haja apenas três ou quatro bases para invadir, o nível de desafio é muito bom, com uma grande e variada quantidade de inimigos para enfrentar em estações de metrô abandonadas muito bacanas que, novamente, ampliam o mundo do game aventando um rico subterrâneo para explorar no futuro.
De negativo, novamente, os desafios da Screwball. Não são muitos, seis, se não me falha a memória, mas, rapaz, eu odeio a Screwball. Ela é a millenial quintessencial e eu realmente torço para que ela morra na prisão já que o game não me deixou matar ela com as minhas próprias mãos.
Outra missão secundária nova são os registros de cenas de crimes, onde o Homem-Aranha é colocado para procurar por gravações deixadas em locais onde assassinatos ocorreram. Cada um dos arquivos encontrados pelo herói desvelam uma nova peça em um quebra-cabeça que leva até a capitã Watanabe, e, ainda que o segmento não tenha um desfecho de fato, ele deixa portas abertas para o futuro de Yuri, seja numa sequência ou em outro DLC.
Sem mexer num gameplay que funcionou perfeitamente, Silver Lining conseguiu ser uma ótima revisita a um game que todo mundo tinha adorado e oferecer um grande nível de desafio durante os combates ao mesmo tempo em que criou missões secundárias satisfatórias e com consequências para o futuro do personagem e o mundo que ele habita.
Quem jogou os dois capítulos prévios não perde por esperar, pois o melhor foi, como eu disse lá no início, guardado para o final que, ainda que seja agridoce, amarra as pontas soltas com propriedade e fundamenta esse mundo para receber mais e mais histórias de personagens que aprendemos (ou reaprendemos) a amar.
Que venha mais Marvel's Spider-Man.

"-Onde você aprendeu a lutar?
-Nas ruas da Symkaria.
-Eu aprendi vendo filmes, devíamos trocar anotações."

Metrônomo


Quatro e vinte da madrugada.
Acorda de um sonho com ela. Tão excitado que chega a ser fisicamente doloroso.
Está lá deitado. Nu. O pau dolorido apontando pro teto. Pulsando feito um metrônomo.
No sonho, ela estava deitada na cama vestindo apenas um conjunto de lingerie rendada branco enquanto lia um gibi com um copo de suco na mão.
Ele se vestia para trabalhar e avisava que estava atrasado. Ela se espreguiçava, lânguida, e dizia que ele bem que podia se atrasar mais uma meia hora, já que era sábado.
Ele, já totalmente vestido, sorria dizendo que teriam todo o dia depois que ele voltasse pra casa. Ela largava o copo de suco de laranja sobre o criado-mudo e deitava de barriga pra cima, apoiada nos cotovelos, e separava lentamente os joelhos.
Ele se inclinava sobre ela na beira da cama e beijava-lhe os joelhos, um de cada vez:
-Quando eu voltar de tarde retomamos essa conversa, morena.
Nunca a havia chamado de "morena". Ao menos não assim, verbalmente. Já se referira a ela assim, mas jamais a chamara de "morena". Pareceu ridículo. Assim como pareceu ridículo levantar e sair após ter-lhe beijado as pernas.
Após ter sentido-lhe o cheiro.
Após tê-la tocado com mãos e lábios.
Acordou. E agora estava lá deitado. Nu. O pau dolorido apontando pro teto. Pulsando feito um metrônomo.
Só conseguia pensar nela. Na calcinha dela. Nas rendas delicadas e finas que não lhe continham a umidade. Pensava em todas as vezes que lhe tocara a roupa íntima e a encontrara molhada... Em como a encontrava sempre macia, quente e úmida... Convidativa... Deliciosa... Perfeita.
Pensou em quantas oportunidades como a do sonho haviam desperdiçado. Em quantas outras estavam desperdiçando...
Lembrou-se de sentir o cheiro íntimo dela nos próprios lábios depois de se despedirem. Imaginou se ela era capaz de sentir o próprio cheiro nele quando se beijavam na despedida. Malditas despedidas.
Cada uma delas maldita. Mil vezes malditas.
Pensou na calcinha dela, mostrando-se fugidia dentro da sorveteria na Padre Chagas.
Pensou na calcinha dela, à vontade no quarto dela enquanto ele desenhava-lhe uma tatuagem com caneta Bic na região ilíaca.
Pensou na calcinha dela afastada pro lado enquanto o vestido subia-lhe pela cintura numa tarde de sábado.
Pensou na calcinha dela nas suas mãos, deslizando pra fora dos pés dela numa noite de sexta.
Pensou na calcinha dela em uma foto enviada.
Pensou nela.
Em como a roupa íntima dela era sempre provocante. Sempre de mulher. De mulherão. No contraste com o jeito de menina, quase moleca de seu comportamento.
Amou-a um pouco mais sentiu um pouco mais de saudade.
Estava lá deitado. Nu. O pau dolorido apontando pro teto. Pulsando feito um metrônomo.
E o coração, também.

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Ideia de Coragem


Quando o sujeito de meia-idade, cabeça calva raspada, corte no supercílio, foi colocado na traseira da viatura da Brigada Militar, ele tinha uma expressão entre o aturdido e o resignado. Olhava apenas para a frente, sem encarar a multidão de transeuntes que parava para observar a comoção em meio à avenida Borges de Medeiros, no coração de Porto Alegre.
Funcionários da Imobiliária saíam à calçada e conversavam com brigadianos e com vizinhos contando da ocorrência, e foi num desses relatos que se pôde ouvir em detalhes a narrativa da tentativa de assalto que tomara lugar havia pouco.
O sujeito entrara na imobiliária como cliente, mas sacara uma arma para a recepcionista. Rendeu todos os funcionários e ordenou que se juntassem no almoxarifado, onde seriam trancados enquanto ele vasculhava o local em busca de dinheiro. No momento de trancar os funcionários no almoxarifado, porém, o pretenso assaltante derrubara a chave, e, ao abaixar-se para apanhá-la, os seus reféns perceberam tratar-se de um simulacro. A proverbial arma de brinquedo.
De posse de tal informação, os trabalhadores que superavam em número ao atrapalhado malfeitor não tiveram dificuldade para subjugá-lo e chamar a polícia que, então, o deteve.
Enquanto via o sujeito sendo preso, eu não pude deixar de me comiserar dele. Mesmo estando ciente de que, houvesse ele sucedido em seu intento, e efetuado o assalto, eu o estaria considerando um marginal digno de raiva, ao vê-lo preso e aturdido, flagrei-me apiedado do pretenso meliante. Porque me ocorreu que, para tomar parte em tão desastrada empreitada, assaltar uma imobiliária usando uma arma de brinquedo, uma pessoa deve estar, mais do que buscando dinheiro fácil, experimentando alguma forma de desespero.
E eu sei... Eu sei que aquele sujeito provavelmente não permaneceu preso, e hoje ou amanhã já deverá estar novamente nas ruas.
Eu sei que ele provavelmente não era um marinheiro de primeira viagem.
Eu sei que, se ele aprendeu alguma coisa com essa desventura, é bem factível que tenha sido sobre a necessidade de ter uma arma verdadeira para realizar seus assaltos e que em futuras venturas criminosas ele provavelmente será mais cuidadoso na hora de prender suas vítimas no almoxarifado e estará melhor equipado, e sei que posso ser, eu mesmo, sua próxima vítima.
Eu sei de tudo isso.
Ainda assim, sabendo de tudo isso, não pude deixar de sentir pena do sujeito.
E ainda que conheça muita gente, muita, muita gente, que discorde... Que gostaria que o assaltante trapalhão tivesse sido linchado na avenida... Que gostaria que a polícia o tivesse massacrado no ato... Que gostaria que ele tivesse sido preso e executado pelo Estado... Eu não acho que eu esteja errado.
Ontem, enquanto avaliava minha própria reação ao caso, confesso que senti uma ponta de orgulho. Porque nos dias de hoje é muito fácil se sentir uma vítima. Estamos sendo treinados pelas circunstâncias para ver algozes em potencial a cada esquina e tomamos decisões baseados na preocupação perene com a nossa segurança e a de nossos entes queridos.
Acabamos de eleger um presidente por conta de raiva e medo, uma decisão que muitos tomaram baseados na expectativa de que um Estado policialesco seja instaurado e recrie a segurança perdida e agora vemos a ascensão de um governo que se forma seguindo as diretrizes de um bizarro guru que vende cursos pela internet e publica livros que se tornam best-sellers ao vender viés de confirmação...
Vivemos em um mundo que se polariza e onde as pessoas decidem muito mais por temor e aversão do que por qualquer tipo de método.
Então, eu fiquei feliz por ser capaz de me apiedar de um meliante fracassado, mesmo sabendo que ele provavelmente não se apiedaria de mim, fosse eu uma de suas vítimas. Por ser capaz de praticar empatia por alguém que não fosse igual a mim.
Talvez porque eu seja um calhorda pretensioso com necessidade de me sentir superior, como me disse um conhecido. Ou, talvez, porque no momento em que o medo for maior que a compaixão, a minha ideia de coragem terá sido derrotada.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Resenha DVD: Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível


Vivemos em tempos burros. É algo que eu não me canso de repetir até porque não paro de presenciar. Eu, francamente, não acredito que a humanidade já tenha sido mais estúpida ao longo da História, e digo isso sabendo um pouco a respeito de História. Alguém inevitavelmente me lembrará de períodos como a Idade das Trevas e outros momentos famosos de obscurantismo e ignorância da existência humana, e eu concordo que há momentos da nossa espécie onde fomos muito, muito burros e particularmente malvados, mas, hoje em dia, com o tanto de informações que há disponível, ser imbecil é uma escolha que consciente, ou não, a maioria faz por livre e espontânea vontade, e não por imposição do Estado, do clero, ou de qualquer organização que seja...
Outra coisa que nosso momento atual tem em abundância, além de estupidez, é cinismo. E se um pouco de cinismo e sarcasmo são até interessantes quando acompanhados de inteligência, perfilados com burrice formam uma combinação dolorosa.
Eu começo essa resenha de Christopher Robin falando de burrice e cinismo porque o longa dirigido por Marc Forster e roteirizado por Alex Ross Perry, Tom McCarthy e Alisson Schroeder não tem nenhuma dessas duas coisas, mas pode ser uma presa fácil para ambas...
O longa abre com Christopher Robin tendo uma festa de despedida de seus amigos do Bosque dos Cem Acres. Christopher está chegando à idade de se juntar a um internato em Londres, e deixar a infância de brincadeiras em Sussex para trás rumo à vida adulta.
A despeito de suas promessas de que jamais esqueceria de Pooh, Tigrão, Ió, Leitão e os demais, Christopher vai, com o passar dos anos, sendo absorvido pela vida adulta. Entre escola, universidade, a Segunda Guerra e o casamento, Christopher Robin cresce, amadurece (ganha as feições de Ewan McGregor) e eventualmente deixa o Bosque dos Cem Acres bem para trás.
Anos se passaram, e Christopher Robin, casado com a arquiteta Evelyn (o pitéu Hayley Atwell) é, agora o gerente de eficiência de uma companhia que fabrica malas, a Winslow, e tem uma filha pequena, Madeline (Bronte Carmichael) com quem pouco interage.
É o pós-guerra e com o esforço de reconstrução da Europa poucas pessoas têm condições de sair de férias, de modo que os negócios vão mal para a Winslow.
Christopher tornou-se um homem assoberbado pelo peso das responsabilidades, pressionado por seu exigente chefe, Giles Winslow Jr. (O Mycroft Holmes Mark Gatiss), e que mal vê a esposa e nunca passa tempo com a filha, que pretende mandar para um internato.
Às vésperas de um final de semana em família há muito postergado, Christopher recebe a notícia de que terá que trabalhar no final de semana. Com os lucros da empresa caindo sistematicamente, é necessário fazer um corte de despesas, o que pode significar demissões. Temendo pelos empregos de seus colegas, Christopher se prepara para quebrar a cabeça na tentativa de manter os postos de trabalho na empresa enquanto Evelyn e Madeline viajam à cabana em Sussex para o final de semana sozinhas.
Enquanto Christopher Robin é tragado pelas responsabilidades de estar crescido, Pooh e companhia jamais o esqueceram.
O urso amarelo periodicamente ia até a entrada do bosque à espera de Christopher Robin sem jamais se deixar abater pela ausência do amigo. As coisas se complicam quando, uma certa manhã, Pooh não é capaz de encontrar nenhum de seus amigos para o desjejum. Temendo que eles possam ter sido apanhados por um Efalante ou uma Dinonha, o urso fica sem alternativa, sequer sair do Bosque dos Cem Acres em busca de ajuda.
Em busca de Christopher Robin.
Não tarda para que os dois ex-melhores amigos se reencontrem, mas se Pooh está felicíssimo em reencontrar Christopher Robin, a recíproca não é verdadeira. O trabalho cobra um alto preço de um adulto, e Christopher simplesmente não tem tempo para ajudar seu antigo bicho de pelúcia a encontrar o resto da patota. Ansioso para se livrar do súbito reencontro com o passado, Christopher decide viajar rapidamente até Sussex e devolver Pooh ao Bosque dos Cem Acres para poder se concentrar novamente no trabalho, mas descobrirá que, por mais que tente deixar sua infância para trás, ela não vai desistir dele tão facilmente.
É muito fácil torcer o nariz para Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível.
A mensagem é o manjado tema de que, de vez em quando, precisamos pisar no freio e aproveitar a vida. De que é sempre bom, e até necessário, manter viva a criança interior... E essas são mensagens sem lugar no nosso tempo. Quem pisa no freio é esmagado pelos que vêm atrás, e temos uma geração inteira de pessoas que simplesmente se recusam a crescer e que criaram até um termo para quando precisam cumprir alguma responsabilidade: "adulting".
Nesse cenário considerar Christopher Robin: Um Encontro Inesquecível um filme anacrônico e apontar seus clichês é lugar-comum na cartilha do crítico de cinema ácido e espertinho. O longa de Marc Forster demanda, mais do que suspensão de descrença, uma ternura que a maior parte de nós não tem em estoque.
Mas aqueles poucos que têm essa ternura guardada em algum recôndito da própria mente, seja porque é capaz de lembrar de como era mais fácil e aprazível ser criança, seja porque cantarolava o tema do Ursinho Pooh (na época Puff) para um animal de estimação muito querido, Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível é um deleite.
Sob a direção de Marc Forster e a lente do cinematógrafo Matthias Koenigswieser as pinturas de Ernest Shepard ganham vida, o campo britânico se torna ensolarado e aprazível, com clareiras iluminadas por uma calorosa luz dourado-pálida que invade Londres quando Pooh e seus amigos saem em busca de Christopher. Há alguma comédia pastelão, mas ela é contida e divertida, sem jamais se tornar mais veemente ou barulhenta do que deveria. Coisas como um urso de pelúcia andando com as patas sujas de mel por um tapete, ou um burro de pelúcia sendo resignadamente levado pela correnteza de um riacho são dosadas na medida para serem engraçadas de uma forma bonitinha, e não abrasiva.
Como a voz de Pooh, o trabalho de dublagem de Jim Cummings (que também faz a voz de Tigrão) é sublime. Um misto de nostalgia e conforto comparável a voltar a comer aquele bolo que a nossa avó fazia quando éramos pequenos depois de anos. Igualmente inspirado está Brad Garrett no papel de Ió em sua constante e adorável depressão.
Não há, porém, nenhuma dúvida de que Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível, tem como maior trunfo o seu protagonista.
Ewan McGregor torna a ansiedade e as responsabilidades do personagem título uma presença recorrente, aquela proverbial nuvem negra pairando sobre a cabeça do homem que precisa ser o provedor de sua casa e que esqueceu a criança que costumava ser. Ainda assim, o ator escocês também é um dos intérpretes com mais capacidade de transmitir alegria no cinemão contemporâneo, e quando ele retrata Christopher Robin voltando a se divertir com seu sorriso aberto e expressão de genuíno contentamento, nós também somos capazes de nos deleitar tanto quanto ele e o restante dos moradores do Bosque dos Cem Acres.
Basta se despir do cinismo.
Com roteiro comedido, linda fotografia, direção segura de um baita cineasta e ótimo trabalho de um grande elenco (que ainda conta com Nick Mohammed, Sophie Okonedo, Peter Capaldi e Toby Jones) Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível não é filme para burros e nem para cínicos. Todos os outros, porém, certamente serão capazes de se divertir (e possivelmente se emocionar) com esse belo reencontro entre um homem e sua infância, que, a despeito das eventuais lágrimas, deixa na boca um gosto doce igual a mel.
Um dos meus filmes preferidos desse ano.
Assista, vale a pena.

"-Eu não penso neles há anos.
-Bem, nós pensamos em você todos os dias."

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Resenha Filme: A Balada de Buster Scruggs


Enquanto fã confesso e declarado dos irmãos Coen devo admitir que me levou muito mais tempo do que deveria para assistir A Balada de Buster Scruggs, disponibilizado no catálogo da Netflix desde o dia 26 de novembro, se não me engano. Não tenho nenhuma desculpa para tal lapso exceto a de que eu não sabia que o filme já fora lançado pelo serviço de streaming, o que descobri apenas ontem quando finalmente resolvi espiar a Netflix após um hiato que se estendia desde que eu assistira ao último episódio de Demolidor...
A Balada de Buster Scruggs é uma antologia de histórias situadas no velho oeste com elencos, ambientações e histórias distintas em cada uma delas, mas todas com um elemento em comum: O toque Coeniano de ter personagens sendo total e absolutamente ferrados pelo destino após tentar desesperadamente planejar as coisas.
O primeiro segmento da antologia é o que dá título ao filme. Conforme uma mão vira as páginas de um livro, nós podemos ler uma descrição da cena vindoura, e vislumbrar um belo painel pintado retratando uma cena emblemática da história por vir, nesse caso, Buster Scruggs (Tim Blake Nelson), o Sabiá de San Saba, que encontramos todo paramentado de branco, tocando um violão e cantando no lombo de seu cavalo, também branco, pelo deserto. Buster é um caubói afável e simpático que conversa amigavelmente com a câmera enquanto viaja, mas sob sua fachada polida esconde um competentíssimo pistoleiro capaz de matar com a mesma facilidade com que canta e dança.
Provavelmente o segmento mais auto-consciente da antologia, A Balada de Buster Scruggs usa metalinguagem e se dirige ao "faroeste" de maneira direta, brincando com todos os clichês do gênero e aludindo à mentira inerente a ele. O caubói de branco, o caubói de preto, os números musicais, a facilidade com que Buster elimina cada adversário que surge em seu caminho... O velho Oeste não era um lugar divertido, e quem quer que pense que era, está destinado a levar uma bala no meio da testa...
O próximo segmento, Perto de Algodones mostra um assaltante (James Franco) abocanhando mais do que pode mastigar ao assaltar um pequeno banco no meio do nada. O caixa do local (Stephen Root) é mais engenhoso do que o bandido supunha e não tarda para que o protagonista esteja na ponta de uma corda após ser julgado e condenado por tentativa de assalto, as coisas, porém, não saem como o esperado novamente.
O mais curto dos segmentos do filme, Perto de Algodones também teve o momento mais engraçado, quando o personagem de Franco faz uma pergunta a um colega no desfecho da história.
As coisas ficam consideravelmente mais sombrias em Vale-Refeição, estrelado por Liam Neeson como o dono de um show itinerante protagonizado por um jovem sem braços ou pernas (Harry Melling, o Dudley Dursley da franquia Harry Potter) que declama apaixonadamente peças de teatro, trechos da bíblia e discursos políticos para audiências cada vez menores que rendem cada vez menos dinheiro.
Conforme a dependência do jovem artista se torna progressivamente menos lucrativa, o empresário começa a contemplar novas possibilidades para seu show, possibilidades que, talvez, não envolvam mais o órfão deficiente.
O quarto segmento, Cânion Dourado, adaptado da obra de Jack London, tem Tom Waits como um velho garimpeiro suando a camisa na tentativa de encontrar um bolsão de ouro que pode mudar sua vida em um belo vale até então intocado pelo homem.
Em sua busca pelo metal precioso, o velho acaba se envolvendo em uma querela de vida ou morte que é mostrada do ponto de vista da natureza do local, que não se importa com a busca do ancião e nem com os perrengues pelos quais ele passa, apenas quer que ele saia logo de lá para que a vida possa seguir seu curso no que é, provavelmente, o único dos curtas que tem algo que podemos classificar como um final feliz.
A penúltima e mais longa porção da antologia, A Garota que Se Assustou, baseado em uma história de Stewart Edward White, é estrelada por Zoe Kazan como a jovem Alice Longabaugh, uma jovem solteira que viaja junto com seu irmão em uma caravana cortando o coração dos EUA rumo ao Oregon onde há uma oportunidade de negócios para ele e de casamento para ela.
As coisas se complicam quando o rapaz morre inesperadamente, deixando a senhorita Longabaugh em uma situação complicada, sem dinheiro, família ou perspectivas, mas podendo, finalmente gerenciar a própria vida e futuro, até mesmo se aproximando de um dos guias da caravana, Billy Knapp (Bill Heck), que começa a pensar que, talvez, seja a hora de deixar as caravanas de lado, e se separar de seu parceiro de viagens, Senhor Arthur (Grainger Hines) antes de estar velho demais para sossegar.
Obviamente, as coisas não são como poderia se esperar, e os Coen têm uma reviravolta preparada para sacolejar a história antes que o segmento se encerre.
Fechando o filme, Os Restos Mortais traz um heterogêneo grupo de viajantes compartilhando uma diligência. Um apostador francês (Saul Rubinek), uma pomposa e proba senhora (Tyne Daly), um caçador (Chelcie Ross) e dois caçadores de recompensa (Jonjo O'Neill e Brendan Gleeson) viajam noite adentro a bordo de uma carruagem que não pára até chegar ao se destino enquanto compartilham histórias e visões de mundo em uma pequena coleção de diálogos de deixar Tarantino com inveja.
A Balada de Buster Scruggs é um excelente filme. Ele tanto abraça o gênero do faroeste quanto o satiriza sem jamais deixar que a auto-consciência se torne pastiche. Há comprometimento para com o gênero tanto quanto desconstrução, a exemplo do que ocorrera em Bravura Indômita, a ironia não é a razão de ser do filme, apenas está em toda a parte porque o cinema dos Coen é assim, e o velho oeste é o cenário ideal para a ideia de existência eventual e o poder demolidor das circunstâncias sobre essa existência. Tudo no oeste quer te matar, já disse Seth McFarlane, e os Coen concordam. Cantinas e bancos minúsculos surgem no meio de cenários grandiosos e icônicos. O Oeste é grande, e a obra humana é diminuta como sua existência nesse cenário caótico.
Tecnicamente impecável, o longa conta com uma bela trilha sonora de Carter Burnwell, correto trabalho de edição dos Coen sob o pseudônimo de Roderick Jaynes e uma ótima fotografia de Bruno Delbonnel, que dá show em Os Restos Mortais, com as cores esmaecendo conforme os viajantes se aproximam de seu destino...
As atuações são todas muito boas, com destaque especial para o soberbo Tim Blake Nelson, que canta as maldades do mundo ignorando o fato de que é uma delas, para Liam Neeson, e seu pesado retrato de um homem soturno vislumbrando a possibilidade de fazer algo horrível, Zoe Kazam, transmitindo o misto de tensão e alívio ao ter em mãos as rédeas do próprio destino, e um irreconhecível Chelcie Ross, roubando a cena com uma grande performance cômica.
A Balada de Buster Scruggs é um excelente filme, um dos melhores do ano, fácil, e um autêntico exemplar da filmografia de Joel e Ethan Coen, que há mais de trinta anos têm feito filmes mostrando que a existência humana na Terra é frágil e tumultuada, mas jamais aborrecida.
Assista.

"Eu não odeio o próximo, mesmo quando ele é cansativo e ranzinza e tenta roubar no pôquer. Eu assumo que é apenas o jeito que a humanidade é, e aquele que encontra nisso motivo para raiva e desânimo é só um tolo por esperar demais."

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Resenha DVD: O Protetor 2


Quatro anos atrás, eu fui uma das pessoas que elogiaram O Protetor. Adaptação cinematográfica da série de TV oitentista The Equalizer, onde Robert McCall, um ex-espião se tornava detetive particular para equalizar as chances de pessoas comuns em situações além de suas capacidades. A trama do longa de Anthony Fuqua estrelado por Denzel Washington, Chloë Grace Moretz (que eu tenho a impressão de que propositadamente alterna a posição de seus dois primeiros nomes para me atrapalhar...) e Marton Csokas era basicamente a mesma do programa de TV, mas com mais pancadaria. O Robert McCall de Washington era um ex-operativo da CIA com um conjunto de habilidades muito particular, adquirido ao longo de uma carreira muito longa, habilidades que o tornavam um pesadelo para homens como qualquer vilão que lhe cruzasse o caminho.
Em outras palavras, sim, era meio que um chupim de Busca Implacável, uma desculpa para um quase sessentão Denzel Washington deixar de lado seus dotes dramáticos e se concentrar em ser cool e esfaquear uns pescoços. Era uma divertida sessão de cinema, que distraía por duas horas e onde o mocinho vencia o vilão, não me lembro se o apunhalando, baleando ou explodindo, o que meio que dá a ideia de que, por divertido que fosse, O Protetor não era particularmente memorável.
Por isso, talvez, minha surpresa ao saber que Washington faria a primeira sequência de sua carreira justamente para O Protetor, quatro anos e mais duas indicações ao Oscar depois do primeiro longa, e minha completa e absoluta falta de interesse em ir pro cinema para assistir ao filme. No sábado, porém, após falhar em alugar o filme do Ursinho Pooh, me deparei, na locadora, com essa sequência, e, na falta de outras novidades, resolvi alugar o filme.
Na sequência, Robert McCall, após deixar seu emprego na Home-Mart anos antes, é motorista de aplicativo em Boston, num emprego que o mantém perto o suficiente da tragédia humana para estender uma mão amiga aos necessitados, como o idoso Sam Rubistein (Orson Bean), que tenta recuperar uma pintura perdida durante a Segunda Guerra, ou a vizinha Fatima (Sakina Jaffrey), que cuida obstinadamente do jardim do condomínio onde McCall mora, ou o jovem Miles (Ashton Sanders, de Moonlight), aspirante a artista que Robert quer manter na escola e longe do tráfico, além de uma eventual surra brutal em abusadores de moças, ou uma viagenzinha à Turquia para resgatar a filha da dona da livraria preferida... Seja como for, McCall está levando seus dias à sua maneira, devagar e sempre, trabalhando, lendo seus livros, tomando seu chá e fazendo sua justiça enquanto segue lamentando a perda da esposa anos antes.
A rotina de Robert é sacudida quando sua amiga Susan (Melissa Leo) é enviada à Bélgica para analisar um pretenso suicídio de um colaborador da agência. Ao constatar que a morte do sujeito foi, de fato, uma execução, Susan se torna alvo, e quando ela é assassinada, as coisas se tornam pessoais.
Movido pelo desejo de vingar a morte de Susan, McCall une forças ao seu ex-parceiro Dave York (Pedro Pascal) e coloca sua intuição e experiência para funcionar na tentativa de descobrir os responsáveis pela morte de Susan e matá-los bem mortos.
Se era surpreendente saber que Washington resolvera fazer de O Protetor a primeira sequência de sua carreira, fica quase chocante após assistir ao filme.
Novamente dirigido por Antoine Fuqua e escrito por Richard Wenk, responsáveis pelo primeiro longa, O Protetor 2 é superficial e aborrecido além de qualquer explicação plausível para um filme de ação estrelado por Washington. É difícil não imaginar que Wenk tenha gostado do climão de matiné anos 80 do primeiro longa e tentado simplesmente reproduzi-la no script da sequência.
O problema é que "clima dos anos 80" não é, por si só, uma coisa boa. Tampouco criar um roteiro de duas horas de clichês e trama sem sentido que se arrasta de uma sequência de luta hiper editada para a próxima intercalada pela subtrama de Miles, que tinha algum potencial, mas, de tão mal desenvolvida, só serve pra alongar o filme e, talvez, para dar a impressão de que O Protetor 2 é mais do que um filhote de Busca Implacável 2.
O vilão, absolutamente previsível desde a primeira cena em que aparece, tem motivações tão vagas e um modus operandi tão caótico que, até agora, eu ainda não sei bem qual era o jogo dele ao longo do filme.
Nem mesmo o fato de haver uma vasta quantidade de violentas cenas de luta faz com que o longa pareça menos arrastado. Washington está com sessenta e três anos, e não deve ter mais o vigor que lhe permitiu fazer coisas sensacionais como as sequências de luta de O Livro de Eli, de modo que o que vemos são sequências picotadas de pancadaria confusa que acabam com o vilão caído no chão, um dos vícios mais irritantes do cinema de ação recente.
Apesar desses problemas, O Protetor 2 mais que triplicou seu orçamento de 62 milhões de dólares nas bilheterias do mundo todo. Denzel Washington é um ator talentoso e carismático que arrebanhou uma considerável e justificada boa-vontade de fãs de cinema, e eu não me surpreenderia se, em algum momento do futuro, ele recebesse mais um roteiro de O Protetor pelo correio. Resta torcer para que ele realmente leia o script antes de aceitar estrelá-lo.
Absolutamente dispensável, e muito menor do que seu protagonista, O Protetor 2 é produto para fãs inveterados de Washington. Esses, talvez, consigam se manter acordados durante o filme inteiro.

"-Eu vou matar todos vocês e meu único arrependimento é que só vou poder fazer isso uma vez."

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

O Teaser de Vingadores: Ultimato

E, paulatinamente, a Marvel divulgou a primeira prévia de Vingadores 4, confirmando o título do filme:
Ultimato.
No teaser de pouco mais de dois minutos, vemos Tony Stark à deriva no espaço, os Vingadores remanescentes planejando seu próximo passo, Jeremy Renner como o Ronin, e o clássico espantalho usando  armadura de Thanos em Titã.
Confira:



Dirigido por Joe e Anthony Russo, escrito por Christopher Markus e Stephen McFeely e estrelado por todo mundo do MCU, Vingadores: Ultimato estréia em 25 de abril de 2019.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Carpintaria (e amor eterno) para Iniciantes


Limpou o suor que lhe escorria da testa com a palma da mão direita. Ato contínuo, secou a palma suada da mão no peito da camiseta que vestia. Suspirou, e apanhou novamente o manual de montagem da peça de mobiliário que jazia semi-conclusa no tapete da sala.
Estava tudo certo?
Parecia tudo certo. Os pés estavam no lugar... A base fora afixada corretamente... A porta do compartimento abria e fechava... A peça treze. Onde estava a peça treze? Virou-se, de cócoras, procurando o retângulo vermelho de vinte e cinco por dezoito centímetros com duas aberturas para os pinos girofix, uma abertura para tambor girofix, quatro clavilhas de madeira e dois parafusos... Encontrou.
Apanhou os parafusos, todos perfilados sobre a folha que mostrava o tamanho e quantidade de cada uma das peças do conjunto e os colocou junto da peça treze. Apanhou, com um meio sorriso, sua novíssima parafusadeira, e a acelerou brevemente, por duas vezes, ouvindo o "zun-zuun" que o motor elétrico produzia.
Lamentava ainda não ter uma daquelas na tarde do dia anterior, quando passara horas apertando parafusos com chave de fenda, uma tarefa inglória para alguém que, naquela semana, vinha sendo acometido por dores no pulso. A dor era tanta no final do dia, que foi até o shopping e comprou a ferramenta elétrica.
Posicionou a peça número treze colocou o primeiro parafuso no lugar, e fez, à mão, os primeiros giros para garantir que a peça de aço estava dentro da madeira. Escolheu, com cuidado, a ponta correta, tipo Phillips, e posicionou a ponta junto à cabeça do parafuso para, com firmeza, empurrar a ferramenta de encontro ao parafuso enquanto acelerava.
Viu, com gosto, o parafuso afundar aos giros madeira adentro, pensando que, com aquela ferramenta em mãos na tarde anterior, já estaria, à noite, com o móvel devidamente montado. Pensava nisso quando percebeu que o parafuso parara de avançar. Impôs mais força, sentindo, novamente, o suor brotar-lhe da fronte.
Nada.
Burfou. Trocou a ponta da parafusadeira por uma tipo fenda que coubesse na cruz da cabeça do parafuso. Apoiou com vigor a ferramenta no lugar e acelerou novamente pressionando a ferramenta contra o parafuso com força.
Pouco a pouco a peça foi entrando na madeira. Milímetro... Por... Milímetro... Parou.
Ainda faltava um pouco. Um mínimo... Tecnicamente o parafuso estava afixado, mas ele não gostava daquele pequeno espaço entre a cabeça do parafuso e a madeira. Era mínimo, ele vira, perceptível apenas pelo tato, mas ele queria que ficasse perfeito.
Largou a parafusadeira de lado, e apanhou a chave de fenda. Agachou-se diante do móvel parcialmente montado e virou a cabeça procurando a cabeça do parafuso para posicionar a chave e terminar, manualmente, o serviço.
Ah, não...
O parafuso espanara.
A cruz da cabeça do parafuso convertera-se em um círculo perfeito, redondo como uma pupila, sem nenhum ponto que pudesse servir como apoio para uma chave de qualquer espécie.
Tinha duas opções: Deixar como estava e conformar-se com o fato de que estava bom o suficiente, que o parafuso estava firme, e que dificilmente precisaria desmontar aquele móvel novamente, então sem problema o parafuso ter-se tornado inamovível pela deformação, especialmente porque o parafuso em questão ficaria oculto sob o tampo do móvel, indetectável exceto sob profundo escrutínio... Ou começar a realizar os procedimentos de remoção de parafusos espanados, que, de modo geral, incluía borracha, ou a parte verde de uma esponja, ou um alicate e um bocado de força.
Não conseguiu resistir. Após duas tentativas frustradas com a esponja e uma chave de fenda, apanhou um alicate e forcejou contra o parafuso, removendo-o por inteiro.
Foi até a caixa de ferramentas e encontrou um parafuso mais ou menos do mesmo tamanho do que inutilizara acidentalmente, e substituiu a peça, tomando cuidado, dessa vez, para que a parafusadeira não o arruinasse.
Ao terminar, o suor escorria-lhe pelas costas, testa e peito. Pensou em descansar um momento, talvez fazer uma pausa para o almoço, mas decidiu não. Continuou trabalhando por mais meia hora até concluir a montagem e poder, finalmente, instalar a TV que comprara na black friday.
Evitou pensar no fato de que, entre o rack novo que fora forçado a comprar e a parafusadeira, os quinhentos reais economizados na TV já haviam se diluído em boa parte. Apenas foi tomar banho, lavar roupas, e fazer o almoço.
Não sentiu nenhuma alegria particular enquanto assistia um filme na televisão nova, nem sentiu-se impelido a explorar todos os recursos da coruscante smart TV LED de 43 polegadas.
Não...
Apenas a achou muito clara. E maldisse o fato de que precisou lavar os óculos já que o brilho excessivo da nova tela evidenciava de maneira desconfortável a sujeira, antes imperceptível nas lentes.
Foi enquanto secava os óculos com uma toalha de rosto que deu-se conta de o quanto estava amargurado. E não soube deixar de estar. Nem se queria deixar de estar.
Mas se perguntou por que seria.
As coisas estavam mais calmas, agora. Mais tranquilas. Não havia grandes nuvens negras em seu horizonte. Pelo contrário. As coisas andavam relativamente bem. Tão bem quanto possível, ao menos.
Deu-se conta de que era.
Era saudade.
Saudade dela. De ouvir dela. De saber dela...
Era a abstinência do amor de sua vida que o deixava sorumbático e carrancudo.
Não pensou no ridículo da situação. Não pensou em como era desconfortável estar assim, tão desarmado com relação a alguém. Em como era precária sua situação, para precisar que outrem lhe apontasse o caminho do próprio contento. Porque de alguma forma, era natural que assim fosse. De alguma forma, fazia todo o sentido do mundo.
Talvez, dali a alguns dias soubesse dela. E então... Então veria-se alegre o bastante para brincar com o novo aparelho, experimentar-lhe as funções, ou apenas sorrir satisfeito diante do trabalho quase bem feito na montagem de seu novo móvel.
Sabia que, se tivesse uma palavra dela, assim seria. O sorriso dela era o mapa até o seu próprio.