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quinta-feira, 13 de dezembro de 2018
Resenha Filme: A Balada de Buster Scruggs
Enquanto fã confesso e declarado dos irmãos Coen devo admitir que me levou muito mais tempo do que deveria para assistir A Balada de Buster Scruggs, disponibilizado no catálogo da Netflix desde o dia 26 de novembro, se não me engano. Não tenho nenhuma desculpa para tal lapso exceto a de que eu não sabia que o filme já fora lançado pelo serviço de streaming, o que descobri apenas ontem quando finalmente resolvi espiar a Netflix após um hiato que se estendia desde que eu assistira ao último episódio de Demolidor...
A Balada de Buster Scruggs é uma antologia de histórias situadas no velho oeste com elencos, ambientações e histórias distintas em cada uma delas, mas todas com um elemento em comum: O toque Coeniano de ter personagens sendo total e absolutamente ferrados pelo destino após tentar desesperadamente planejar as coisas.
O primeiro segmento da antologia é o que dá título ao filme. Conforme uma mão vira as páginas de um livro, nós podemos ler uma descrição da cena vindoura, e vislumbrar um belo painel pintado retratando uma cena emblemática da história por vir, nesse caso, Buster Scruggs (Tim Blake Nelson), o Sabiá de San Saba, que encontramos todo paramentado de branco, tocando um violão e cantando no lombo de seu cavalo, também branco, pelo deserto. Buster é um caubói afável e simpático que conversa amigavelmente com a câmera enquanto viaja, mas sob sua fachada polida esconde um competentíssimo pistoleiro capaz de matar com a mesma facilidade com que canta e dança.
Provavelmente o segmento mais auto-consciente da antologia, A Balada de Buster Scruggs usa metalinguagem e se dirige ao "faroeste" de maneira direta, brincando com todos os clichês do gênero e aludindo à mentira inerente a ele. O caubói de branco, o caubói de preto, os números musicais, a facilidade com que Buster elimina cada adversário que surge em seu caminho... O velho Oeste não era um lugar divertido, e quem quer que pense que era, está destinado a levar uma bala no meio da testa...
O próximo segmento, Perto de Algodones mostra um assaltante (James Franco) abocanhando mais do que pode mastigar ao assaltar um pequeno banco no meio do nada. O caixa do local (Stephen Root) é mais engenhoso do que o bandido supunha e não tarda para que o protagonista esteja na ponta de uma corda após ser julgado e condenado por tentativa de assalto, as coisas, porém, não saem como o esperado novamente.
O mais curto dos segmentos do filme, Perto de Algodones também teve o momento mais engraçado, quando o personagem de Franco faz uma pergunta a um colega no desfecho da história.
As coisas ficam consideravelmente mais sombrias em Vale-Refeição, estrelado por Liam Neeson como o dono de um show itinerante protagonizado por um jovem sem braços ou pernas (Harry Melling, o Dudley Dursley da franquia Harry Potter) que declama apaixonadamente peças de teatro, trechos da bíblia e discursos políticos para audiências cada vez menores que rendem cada vez menos dinheiro.
Conforme a dependência do jovem artista se torna progressivamente menos lucrativa, o empresário começa a contemplar novas possibilidades para seu show, possibilidades que, talvez, não envolvam mais o órfão deficiente.
O quarto segmento, Cânion Dourado, adaptado da obra de Jack London, tem Tom Waits como um velho garimpeiro suando a camisa na tentativa de encontrar um bolsão de ouro que pode mudar sua vida em um belo vale até então intocado pelo homem.
Em sua busca pelo metal precioso, o velho acaba se envolvendo em uma querela de vida ou morte que é mostrada do ponto de vista da natureza do local, que não se importa com a busca do ancião e nem com os perrengues pelos quais ele passa, apenas quer que ele saia logo de lá para que a vida possa seguir seu curso no que é, provavelmente, o único dos curtas que tem algo que podemos classificar como um final feliz.
A penúltima e mais longa porção da antologia, A Garota que Se Assustou, baseado em uma história de Stewart Edward White, é estrelada por Zoe Kazan como a jovem Alice Longabaugh, uma jovem solteira que viaja junto com seu irmão em uma caravana cortando o coração dos EUA rumo ao Oregon onde há uma oportunidade de negócios para ele e de casamento para ela.
As coisas se complicam quando o rapaz morre inesperadamente, deixando a senhorita Longabaugh em uma situação complicada, sem dinheiro, família ou perspectivas, mas podendo, finalmente gerenciar a própria vida e futuro, até mesmo se aproximando de um dos guias da caravana, Billy Knapp (Bill Heck), que começa a pensar que, talvez, seja a hora de deixar as caravanas de lado, e se separar de seu parceiro de viagens, Senhor Arthur (Grainger Hines) antes de estar velho demais para sossegar.
Obviamente, as coisas não são como poderia se esperar, e os Coen têm uma reviravolta preparada para sacolejar a história antes que o segmento se encerre.
Fechando o filme, Os Restos Mortais traz um heterogêneo grupo de viajantes compartilhando uma diligência. Um apostador francês (Saul Rubinek), uma pomposa e proba senhora (Tyne Daly), um caçador (Chelcie Ross) e dois caçadores de recompensa (Jonjo O'Neill e Brendan Gleeson) viajam noite adentro a bordo de uma carruagem que não pára até chegar ao se destino enquanto compartilham histórias e visões de mundo em uma pequena coleção de diálogos de deixar Tarantino com inveja.
A Balada de Buster Scruggs é um excelente filme. Ele tanto abraça o gênero do faroeste quanto o satiriza sem jamais deixar que a auto-consciência se torne pastiche. Há comprometimento para com o gênero tanto quanto desconstrução, a exemplo do que ocorrera em Bravura Indômita, a ironia não é a razão de ser do filme, apenas está em toda a parte porque o cinema dos Coen é assim, e o velho oeste é o cenário ideal para a ideia de existência eventual e o poder demolidor das circunstâncias sobre essa existência. Tudo no oeste quer te matar, já disse Seth McFarlane, e os Coen concordam. Cantinas e bancos minúsculos surgem no meio de cenários grandiosos e icônicos. O Oeste é grande, e a obra humana é diminuta como sua existência nesse cenário caótico.
Tecnicamente impecável, o longa conta com uma bela trilha sonora de Carter Burnwell, correto trabalho de edição dos Coen sob o pseudônimo de Roderick Jaynes e uma ótima fotografia de Bruno Delbonnel, que dá show em Os Restos Mortais, com as cores esmaecendo conforme os viajantes se aproximam de seu destino...
As atuações são todas muito boas, com destaque especial para o soberbo Tim Blake Nelson, que canta as maldades do mundo ignorando o fato de que é uma delas, para Liam Neeson, e seu pesado retrato de um homem soturno vislumbrando a possibilidade de fazer algo horrível, Zoe Kazam, transmitindo o misto de tensão e alívio ao ter em mãos as rédeas do próprio destino, e um irreconhecível Chelcie Ross, roubando a cena com uma grande performance cômica.
A Balada de Buster Scruggs é um excelente filme, um dos melhores do ano, fácil, e um autêntico exemplar da filmografia de Joel e Ethan Coen, que há mais de trinta anos têm feito filmes mostrando que a existência humana na Terra é frágil e tumultuada, mas jamais aborrecida.
Assista.
"Eu não odeio o próximo, mesmo quando ele é cansativo e ranzinza e tenta roubar no pôquer. Eu assumo que é apenas o jeito que a humanidade é, e aquele que encontra nisso motivo para raiva e desânimo é só um tolo por esperar demais."
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