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segunda-feira, 9 de setembro de 2019
Resenha Filme: Suspiria
É de se surpreender que após o badalado Me Chame Pelo Seu Nome, o projeto seguinte do diretor Luca Guadagnino fosse o remake de um terror setentista do papa do gênero Dario Argento, mas acredito que após todos os louros colhidos pelo romance entre Elio e Oliver, Guadagnino pudesse fazer o que quisesse e foi exatamente isso que ele fez.
Eu nutro público e notório desprezo por fitas e horror, então passei longe de Suspiria quando ele passou pelos cinemas em abril desse ano, mas ontem, esperando minha pizza e ouvindo o ruído da chuva que se derramava sobre Porto Alegre desde sexta à tarde acabei resolvendo dar uma chance ao filme.
O longa composto de "seis atos e um epílogo" se passa em 1977 na Berlin dividida pelo muro entre capitalistas e comunistas. Já na primeira sequência do longa vemos uma jovem ensopada chegar ao consultório do psicoterapeuta Josef Klemperer (Tilda Swinton, irreconhecível sob uma brilhante maquiagem). Ela é Patricia (Chlöe Grace Moretz), e em meio a seu comportamento instável, ela resmunga a respeito dos horrores que se escondem em um determinado prédio. O doutor Klemperer ouve com afável atenção enquanto toma notas onde afirma acreditar que Patricia sofra de ilusões paranoides.
Simultaneamente conhecemos Susie (Dakota Johnson), uma jovem do interior dos Estados Unidos que chega à Alemanha para tentar uma vaga na prestigiada Escola de Dança de Helena Markos.
Conforme Susie consegue se destacar o suficiente em sua audição para impressionar a coreógrafa chefe da escola, Madame Blanc (Tilda Swinton, fumando feito uma chaminé), descobrimos que Patricia desapareceu, o que as matronas que dirigem a academia explicam devido às posições políticas da jovem, e suas ligações com o grupo de extrema esquerda Baader-Meinhof, uma posição que não é partilhada por todas as alunas, conforme fica claro quando Olga (Elena Fokina) tem um rompante logo no primeiro ensaio de Susie junto com o restante da companhia, e as coisas não acabam bem para a pobre dançarina.
Enquanto se aclimata à sua nova condição no conservatório, Susie se aproxima de madame Blanc, e se torna amiga de Sara (Mia Goth), e ao mesmo tempo em que a jovem ingênua de criação menonita escala os degraus rumo ao posto de primeira bailarina da companhia e protagonista da dança Volk, sua amiga ouve os apelos do doutor Klemperer e passa a questionar os métodos das instrutoras e até mesmo a verdadeira natureza dessas mulheres em uma sinistra jornada à realidade oculta nos porões da Escola de Dança de Helena Markus.
Há elementos muito interessantes em Suspiria (permitam-me omitir o ridículo subtítulo brasileiro "a dança do medo", por favor.) que são particularmente relevantes nos nossos tempos. O papel da mulher em uma sociedade em modificação e no mundo em geral, sexualidade, cumplicidade feminina, o poder da maternidade... Simbologia pra todos os lados, das mais óbvias às mais discretas, e uma brilhante capacidade de gerar tensão sem apelar aos sustos baratos.
Não existem "jump scares" em Suspiria, ou sequer aqueles momentos de falsa tensão usando a trilha sonora. Muito do horror do longa vem da habilidade de Guadagnino e seus colaboradores, nominalmente o cinematógrafo Sayombhu Mukdeeprom (que brinca com as cores mortas de uma Berlin onde chove de maneira incessante) e a edição de Walter Fasano de criar uma atmosfera opressiva mesmo em momentos onde não há nada de aterrorizante na cena, ou criar sequências de pesadelo (literalmente ou não) que realmente são perturbadoras. A trilha sonora de Thom Yorke também ajuda nesse sentido.
O grande problema é que Guadagnino e o roteirista David Kajganish parecem sofrer de uma fixação com o pano de fundo político do longa, todo entrecortado por noticiários a respeito do sequestro de um avião por ativistas do Baader Meinhof ou discussões a respeito do legado do nazismo na Alemanha.
A mistura parece interessante no início, mas conforme a trama caminha e percebemos que a atmosfera sinistra da escola não vai se cruzar com o pano de fundo sócio-político a exposição excessiva começa a se tornar irritante, ofuscando a narrativa principal e deixando o filme inchado e manco feito madame Markus (Também interpretada por Tilda Swinton).
No que tange às atuações, Tilda Swinton está ótima como é seu costume, se fartando em três papéis, incluindo o principal papel masculino do filme, o psicoterapeuta idoso que convive com a agonia de não saber o que aconteceu ao amor de sua vida durante a Segunda Guerra Mundial, e da medonha madame Markus que pouco aparece no filme. Mia Goth também manda bem em seu tempo de tela, mas é Dakota Johnson que surpreende.
A atriz marcada na paleta pela horrorosa trilogia dos 50 Tons impressiona com a mistura de força e ingenuidade de Susie, um papel que abocanha com gosto e dedicação. O destaque dela vai muito além da cabeleira vermelha que durante muito tempo é a fonte primária de cor do filme, ou mesmo das violentas coreografias que precisa executar. As três atrizes provavelmente são a melhor razão para assistir Suspiria.
Não há nada de errado com o terror de Guadagnino, nem em querer passar uma mensagem em um filme, ou contrabandear aprendizado em uma obra de ficção, mas falta um pouco de alegria ao filme mesmo em seu extremamente sangrento desfecho.
Não que o longa seja ruim, mas ele parece vergar sob o peso da importância que confere a si próprio. Existe um brilhante filme de horror de uma hora e meia ou duas em Suspiria, mas as duas horas e trinta e dois minutos do longa, com sua severidade excessiva, quase carrancuda, roubam o elemento fundamental do entretenimento: A diversão.
Ainda assim, vale uma espiada.
O longa está disponível no catálogo do Amazon Prime Video.
"-Por que estão todos tão ávidos por pensar que o pior já passou?"
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