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terça-feira, 29 de outubro de 2019
Resenha Filme: Bem-vindos a Marwen
Fazia já algum tempo que eu vira o trailer de Bem Vindos a Marwen, acho que foi em meados de outubro do ano passado... E me pareceu uma boa prévia para um filme que tinha potencial. Era, afinal de contas, um longa de Robert Zemeckis que, a despeito de seus eventuais tropeços, costuma ser um cineasta inventivo, que não se esquiva de grandes desafios e que tem em seu currículo pérolas como Uma Cilada para Roger Rabbit, Forrest Gump e De Volta para o Futuro. Lembro de ter mostrado o trailer pro meu irmão e falado que queria ver o filme. Mas os meses passaram e nada de Bem-vindos a Marwen estrear nos cinemas brasileiros.
Eventualmente, quando já tinha até esquecido do longa, me deparei com ele na lista de filmes para locação do Google Play e após deixá-lo para mais tarde algumas vezes, resolvi assistir o filme no sábado passado.
No longa conhecemos Mark Hogancamp (Steve Carell), um homem preso em um mundo de fantasia.
Outrora um habilidoso ilustrador com diversos créditos como desenhista em histórias em quadrinhos e um vasto portfólio de arte bélica, especialmente da Segunda Guerra Mundial, Mark perdeu tudo após ser agredido quando, bebendo em um bar, comentou com outros clientes do estabelecimento que gostava de usar sapatos femininos, e isso levou a um ataque levado a cabo por cinco homens, e uma violenta surra que não o matou, mas chegou muito perto, colocando-o em coma, obrigando-o a reaprender a andar, e acabando com todas as suas memórias anteriores ao evento, em um ataque tão brutal que Mark, que era um alcoólatra que habitualmente bebia até cair, despertou de seu coma totalmente livre do impulso de beber. O cérebro do sujeito foi reconfigurado a base de pancadas.
Não foi apenas o alcoolismo e sua memória que Mark teve arrancados de si, porém.
Os cinco homens que o surraram também lhe roubaram a capacidade de desenhar, e uma vez que saiu do hospital, ele foi viver em um trailer onde montou uma instalação representando uma pequena cidade na Bélgica durante a Segunda Guerra, o vilarejo de Marwen, onde Mark encena com bonecas e bonecos tipo Barbie e Falcon as aventuras do capitão Hogie, um intrépido soldado norte-americano, e as fabulosas mulheres que o ajudam a proteger o vilarejo dos nazistas que tendem a atacar a cidade em grupos de cinco.
Marwen, suas mulheres e o capitão Hogie tornaram-se a terapia de Mark tanto para tentar relembrar fragmentos de sua vida antes do ataque, quanto para lidar com o trauma que quase custou-lhe a vida. Quase todo o grupo de vingadoras que acompanha Hogie têm contrapartes reais, algumas muito próximas, como a cuidadora Anna (Gwendolyne Christie), sua colega Carlala (Eiza Gonzáles) ou a balconista da loja de plastimodelismo que ele frequenta, Roberta (Merritt Wever), ou a fisioterapeuta G. I. Julie (Janelle Monáe).
Com uma rotina modesta trabalhando como auxiliar de cozinha no mesmo bar onde fora atacado, e continuamente expandindo a pequena Marwen em seu quintal, Mark vê as coisas saírem dos eixos quando é convocado a fazer uma declaração na audiência de sentença de seus agressores na mesma semana em que uma nova vizinha, Nicol (Leslie Mann), se muda para a casa em frente.
Foi apenas após terminar de assistir Bem-vindos a Marwen que eu descobri que o longa é baseado em uma história real. O verdadeiro Mark Hogancamp foi atacado em abril de 2000, e comeu o pão que o diabo amassou durante sua recuperação e após ela, e ele inclusive foi objeto de um premiado documentário em 2010 chamado Marwencol, que é ótimo.
Eu me sinto obrigado a dizer isso porque Bem-vindos a Marwen não é.
Não é nem sequer bom.
Na verdade, é bem ruim.
O longa co-escrito pelo próprio Robert Zemeckis (que repete com Marwencol o que fizera com O Equilibrista) mais Caroline Thompson (de Edward Mãos de Tesoura, O Estranho Mundo de Jack e outros) é equivocado de A a Z, e a despeito de suas boas intenções, parece sofrer com uma necessidade quase patológica de transformar Hogancamp em uma figura mais "limpa" para o público mais amplo possível... Seu alcoolismo é mal e mal mencionado, ele aparece em poucos momentos com um cigarro pendurado nos lábios enquanto fotografa suas miniaturas, mas jamais dá uma tragada, e até mesmo sua sexualidade recebe uma varrida porque interesses românticos e audiências mais família representam uma chance mais clara de sucesso comercial...
Não é apenas esse o problema, porém.
A exemplo do que havia feito com Forrest Gump ao transformar um personagem literário repleto de falhas de caráter em um ícone de pureza e ingenuidade cinematográfica, Zemeckis e Thompson movem céus e terras para fazer o mesmo com Hogancamp, uma pessoa de verdade. A despeito de estar prestes a ganhar uma exposição com suas fotos, repletas de tortura e fetichismo em uma galeria em Nova York, ele vive em uma redoma de inocente reclusão existindo quase como parte da paisagem.
Tudo isso seria mais perdoável se Bem-vindos a Marwen fosse um filme tão bacana quanto Forrest Gump, mas não é.
O ritmo do longa é equivocado, suas atuações problemáticas, e nem sequer os efeitos especiais de ponta que transformam os atores em figuras de ação de si mesmos ou a pitada de auto-referência de Zemeckis na última sequência animada do longa o salvam de ser absolutamente insípido.
Steve Carell não encontra o tom para interpretar Mark como uma pessoa real, e à exceção de Leslie Mann, que ganha um pouco mais de tempo de tela e material para interpretar uma personagem humana, o restante do elenco basicamente faz figuração e dá cara aos bonecos animados de Zemeckis, um cineasta que, conforme eu disse lá em cima, é dos mais respeitáveis, mas talvez devesse repensar algumas das manias que desenvolveu em anos recentes, como a vontade de recontar em forma de obras de ficção o conteúdo de documentários premiados, e enfiar captura de performance toda a vez que a oportunidade se apresenta.
Bem-vindos a Marwen está longe de ser um grande programa, ou sequer um programa razoável, e se tem algum mérito, é oferecer à audiência a oportunidade de tomar conhecimento da história do verdadeiro Mark Hogancamp.
Se tiver ficado curioso, procure pelo documentário Marwencol, disponível no Youtube, é um programa muito mais interessante.
"-Mulheres são as salvadoras do mundo!"
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