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segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Resenha Série: Watchmen: Temporada 1, Episódio 1: It's Summer and We're Running Out of Ice


Watchmen, o quadrinho, é uma obra-prima da nona arte.
Na verdade, é o tipo de trabalho que consolidou o formato como uma forma de arte para o grande público. Faltariam parágrafos para enumerar todas as qualidades da graphic novel de Alan Moore e Dave Gibbons, mas deixe-me dizer que quem não leu esse quadrinho não sabe o que está perdendo, e que por mais maneira que seja a adaptação dirigida por Zack Snyder em 2009, ela é pálida, esquálida, até, na comparação com o material fonte.
Por isso uma adaptação em formato de série me agradava quando a ideia foi aventada alguns anos atrás.
A HBO, premiado braço televisivo da AT&T, dona do conglomerado que inclui Warner Bros. e DC Comics era exatamente o tipo de criadora de conteúdo que poderia fazer uma baita de uma adaptação à altura da obra original de maneiras que o longa de Snyder simplesmente era incapaz de fazer a despeito de seus acertos.
Mas eis que, balde de água fria, o Watchmen da HBO não seria uma adaptação da graphic novel, mas uma continuação. Uma fanfic imaginada por Damon Lindelof (da elogiada The Leftovers, que eu infelizmente não assisti, e da tenebrosa Lost, que eu não aguentei assistir) para responder o que aconteceu ao mundo na esteira dos eventos descritos no quadrinho de 1986.
Curiosamente, porém, o primeiro episódio da série tem início em julho de 1921, quando encontramos um menino negro assistindo a um filme mudo a respeito do delegado Bass Reeves (um homem da lei negro que realmente existiu e até inspirou a criação do branquíssimo Cavaleiro Solitário).
No filme, Reeves garante, após prender um xerife corrupto, que não haverá justiça das ruas, mas assim que uma bomba explode no teto do cinema e o menino é levado por sua mãe pianista e seu pai soldado para as ruas tomadas pelo motim e pelos linchamentos liderados pela Ku Klux Klan. O cenário em questão é um medonho evento histórico real: A rebelião racial de Tulsa, quando vários quarteirões do bairro de Greenwood, então a mais rica região afrodescendente dos EUA foram destruídos durante um massacre que, especula-se, tenha custado a vida de mais de 300 membros da comunidade negra.
O garoto, com um bilhete no bolso onde se lê "Por favor, cuide desse menino" é colocado em um baú e enviado para a segurança seguindo a mesma mitologia de Moisés ou do Superman, mas ao invés de ser levado para a segurança e adotado por um faraó ou um gentil casal de fazendeiros, o pequeno se vê sozinho no ermo após a morte de seus guardiões temporários, com um bebê nos braços e tendo ao fundo Tulsa em chamas...
Corta pra 2019.
Um homem é parado na estrada por um policial.
É uma parada rotineira igual a tantas outras, exceto por dois detalhes: O patrulheiro usa uma bandana amarela para ocultar seu rosto. E precisa pedir permissão à central para sacar sua arma.
Ao mesmo tempo em que o vigilantismo foi incorporado à polícia na forma do anonimato dos agentes da lei, há (literalmente) um mecanismo contra a brutalidade policial, já que os agentes precisam convencer um supervisor de que estão sob ameaça para sequer ter a chance de disparar sua arma.
No tempo que o policial, um homem negro, leva para convencer seu interlocutor no rádio de que precisa sacar sua arma, o suspeito que ele parou na rodovia faz seu movimento, e usando uma máscara de Rorschach, dispara uma arma automática contra a viatura.
Esse é o 2019 de Watchmen.
Todos os automóveis são elétricos. O Vietnã é um estados norte-americano. A cara de Richard Nixon foi adicionada ao Monte Rushmore. O anonimato dos policiais é garantido pela lei e se todos os tiras usam bandanas amarelas no rosto, os detetives mais ranqueados são quase heróis mascarados com máscaras e/ou uniformes coloridos e nomes de guerra estilosos. Eventualmente uma sirene soa avisando que uma chuva de pequenas lulas irá cair. Esse é o futuro do Watchmen dos quadrinhos, quando Ozymandias acabou com a Guerra Fria simulando um ataque alienígena interdimensional com uma criatura em forma de lula gigante matando milhões em Nova York (e não incriminando Dr. Manhattan), e essa chuva de moluscos parece ser um efeito colateral do evento de 1986...
O presidente dos Estados Unidos é Robert Redford, na Casa Branca há 30 anos, e as questões raciais dos EUA parecem ter sido abordadas de maneira mais direta por esse presidente ator do que teriam sido por Ronald Reagan no nosso mundo, mas não foram totalmente superadas por alguns.
Em Tulsa o grupo terrorista conhecido como Sétima Kalavaria lança uma mensagem em vídeo. O grupo de supremacistas brancos envergando máscaras de Rorschach cita um trecho do diário do vigilante afirmando que irão acabar com os traidores da raça.
Aparentemente a tentativa de Rorschach de expôr os planos de Ozymandias do além túmulo jamais deu certo. A ideia de que o ataque interdimensional de 1986 tenha sido uma conspiração é vista com a mesma credibilidade que teorias malucas como a falsidade do pouso do Homem na Lua, ou que os atentados do 11 de setembro fossem um trabalho interno, tendo sido abraçada apenas por caipiras racistas e ignorantes que partilhavam algumas das visões do vigilante falecido (que era um moralista homofóbico, mas até onde lembro, não era racista...).
O ataque ao policial na estrada dá início a uma ofensiva da polícia de Tulsa, liderada pelo chefe Judd Crawford (Don Johnson) e encabeçada pela policial Angela Abar (Regina King), que esconde sua verdadeira profissão sob a fachada de uma padaria e o traje de super-freira da Sister Night.
Com a ajuda dos detetives Looking Glass (Tim Blake Nelson), Red Scare (Andrew Howard) e Pirate Jenny (Jessica Camacho) Angela e Judd partem para o ataque contra a Kavalaria num movimento que, a princípio parece bem-sucedido, mas logo fica claro que foi apenas a queda da primeira peça do dominó...
Há um bocado de conteúdo nesse primeiro episódio de Watchmen, nada, porém, que nos deixe saber, acima de qualquer suspeita, se a série será boa, ou não.
Obviamente há valor de produção, e Lindelof certamente dedicou um bocado de tempo à construção desse mundo pós-Watchmen e acertadamente faz questão de acenar com a influência em diversos momentos. Nós vemos a Archie do Coruja em ação, há uma ligeira filmagem mostrando o Dr. Manhattan, que vive em Marte e aparentemente é observado por satélites, e Jeremy Irons tem uma breve e interessante aparição, vivendo um personagem que pode, ou não, ser Ozymandias (embora um jornal afirme que ele foi declarado morto), vivendo recluso em um castelo na Grã-Bretanha onde cavalga, medita e datilografa peças de teatro nu enquanto recebe massagens nas coxas, com dois criados que não parecem inteiramente humanos...
Que esses pequenos detalhes chamem mais a atenção do que o tronco da narrativa do episódio com a Sétima Kavalaria e a polícia de Tulsa não chega a advogar em favor desse primeiro episódio (que demanda uma boa dose de conhecimento sobre fatos históricos norte-americanos e sobre o musical Oklahoma! pra ser totalmente compreendido), mas ao menos nos dá a esperança de que esses mundos eventualmente se mesclem e as coisas comecem a, ou fazer mais sentido, ou ficarem mais interessantes, eu estou aberto a qualquer uma das possibilidades.
A nova série da HBO tem seus momentos, constrói a atmosfera certa e parece carregado de boas ideias na tentativa de expandir o mundo da graphic novel na qual se baseia, mas começa apresentando suas ideias de maneira meio bagunçada. Resta saber se é um recurso para manter a audiência no escuro antes de desvelar uma grande conspiração nos próximos oito capítulos, ou apenas uma decisão equivocada.
Eu certamente continuarei olhando pra saber.

"-Tic. Tac. Tic. Tac. Tic. Tac..."

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