Bem vindos a casa do Capita. O pequeno lar virtual de um nerd à moda antiga onde se fala de cinema, de quadrinhos, literatura, videogames, RPG (E não me refiro a reeducação postural geral.) e até de coisas que não importam nem um pouco. Aproveite o passeio.
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quinta-feira, 29 de julho de 2010
Fanatismo
-Sabe, doutor, eu nunca gostei de futebol...
-Sei.
-Me lembro de, quando guri, ficar puto da vida... Desculpa, posso dizer "puto"?
-Se era como tu te sentias, então pode. Seja honesto.
-Beleza. Me lembro de ficar puto da vida com o meu pai vendo campeonato italiano no domingo de tarde... Odiava. Queria ver Os Trapalhões, o MacGuyver, a Super-Máquina, lembra da Super-Máquina? E ele lá, vendo jogo. Só uma TV em casa. Acabava com o meu domingo.
-Entendo.
-Depois, na escola, a mesma coisa. O pessoal ia jogar bola e eu me tornava um outcast-
-Um o quê?
-Um outcast... Um exilado, um pária, um excluído.
-Ah.
-Entendeu?
-Sim, sim, pode continuar.
-Pois é, eu ficava de fora. Não gostava de futebol. Nem Copa do Mundo. A Copa do Mundo pra mim, só valia alguma coisa por que a gente era liberado mais cedo da escola. De resto, achava um saco, futebol, futebol, futebol...
-Compreendo.
-Eu nem tinha time. Quando me perguntavam pra que time eu torcia, pra não me sentir deslocado, eu mentia. Dizia que torcia pro time da pessoa que perguntou.
-Acontece, é a necessidade de encontrar identificação. Tu era uma pessoa um pouco carente na tua formação, provavelmente por causa desse distanciamento do teu pai.
-Nunca tinha visto isso por essa ótica...
-É preliminar, mas me deu essa impressão, conforme nos falarmos mais, vamos ter uma ideia mais concreta. Pode prosseguir.
-Onde eu tava?
-Tu não tinhas time na infância.
-Isso, eu nem tinha time, e dizia que torcia pro time de quem me perguntasse, qualquer time que fosse. Eu detestava futebol, mas ele era um lubrificante social importante pra moleques tímidos como eu. Enfim, eu não gostava de assistir, nem de jogar, nem de ouvir falar...
-Compreendo.
Mas aí, doutor... Aí veio aquele dia, era quarta-feira, um feriado de vinte de setembro, em 1995. Eu tava com quatorze anos, e me convidaram, pela primeira vez, pra ir ao estádio...
-Sei.
-Tinha um zagueiro paraguaio que ia fazer sua estréia pelo Inter, um tal de Gamarra, e meu pai ia ao jogo, e um amigo meu perguntou se a gente podia ir com ele, eu perguntei e nós fomos...
-Continue.
-Eu nem tava com vontade de ir pelo futebol, mais pela farra, mesmo, de ir ao estádio com meu amigo e talicoisa, além disso, o Inter tava numa fase muito ruim, os anos noventa foram muito ruins pro Inter, e noventa e quatro, noventa e cinco e noventa e seis, foram os piores anos. Ainda assim, quando eu cheguei lá... A torcida cantando, a Camisa 12 com os metais, fazendo uma fanfarra, a vibração com o primeiro cartão amarelo do Gamarra, e a catarse coletiva com o gol do Inter, do Élson... Fui fisgado, doutor. Passei a gostar de futebol, torcer pro Inter, secar o grêmio, que passou a ser chamado de apelidos nada elogiosos, até a jogar futebol eu comecei, doutor, não que eu seja algum Pelé, nada disso, na melhor das hipóteses um Enciso, mas ainda assim, doutor, daquele dia em diante, eu comecei a gostar de futebol, muito. Assisto Campeonato Inglês, adoro Copa do Mundo, não nego convite pra uma pelada, entro em discussões apaixonadas sobre futebol e não perco jogo do Inter, doutor, fico lá, sofrendo, roendo as unhas, coração acelerado, perco o sono na véspera dos jogos, como ontem, antes daquele jogo com o São Paulo, eu dormi duas horas naquela noite, e ontem, depois do jogo, só peguei no sono quase as quatro da manhã, isso sem contar a tensão durante os noventa minutos, a respiração arfante, as mãos crispadas enquanto o Andrézinho, o D'alessandro e o Taison avançavam contra a defesa dos paulistas, o pânico quando o São Paulo retomava a bola e vinha contra a defesa do Colorado, e depois, a sensação de exaustão no fim da partida, como se eu tivesse corrido com os jogadores o jogo inteiro, e a voz rouca hoje de manhã de tanto gritar na hora do gol... É isso.
-Muito bem. Olha, vou ser franco contigo, se eu te disser alguma coisa hoje, vai ser tudo prematuro, mas, conforme tu continuares vindo aqui, nós vamos conversar mais e com algum tempo, muito trabalho, muita conversa, muita dedicação, nós vamos conseguir te livrar disso, vamos te curar desse fanatismo.
-Quê?
-Vamos te curar disso. Acabar com essa fixação por futebol.
-Mas quem é que quer ser curado, doutor? Eu não podia estar mais feliz! Nós ganhamos do São Paulo sem levar gol! Celso Roth colocou meu time nos trilhos! Dá-lhe Colorado, rumo ao bi da América!!!!
quarta-feira, 28 de julho de 2010
O que precisamos...
E o que é que nós sabemos, não é?
Nós, dessa raça lastimável, confortavelmente colocada sobre um pedaço de rocha prenhe de vida em meio á vastidão do espaço inóspito, e sem saber valorizar essa vida, sem sermos capazes de reconhecer que nosso planeta, por si só, é um milagre e que procurar sentidos e significados ocultos, místicos, divinos ou seja lá que porcaria for fora disso tudo o que já possuimos é, usando um jargão da moda, uma puta falta de sacanagem.
Enfim, aqui estamos nós, nunca satisfeitos com o que já temos, sempre procurando por mais um pouco de tudo em busca de satisfação para sentimentos e anseios doentios incutidos em nós pelo simples convívio com outros seres dessa racinha imperfeita e estragada da qual fazemos parte. Sábio e feliz, mesmo, só o Almeida.
O Almeida, nos seus trinta e oito, trinta e nove anos, parou em frente a uma mulher em plena Rua da Praia, ela não era uma mulher qualquer, era bonita, alta, magra, devia ter seus trinta e cinco anos, também. Loira, cabelos lisos e longos, óculos de grau baixo, vestia tailleur e salto alto e portava uma pasta, muito, mas muito, anos luz além da capacidade de areia do proverbial caminhãozinho do Almeida.
E o Almeida, em plena rua da Praia, enquanto a mulher encarava pensativa uma vitrine, parou ao lado dela, e ficou olhando ela de maneira extremamente rude.
Aqui cabe dizer que o Almeida era um sujeito grandalhão, mal-encarado, com cabelo de palha de aço e físico de estivador, não que fosse um troglodita, mas certamente não obedecia as regras da sociedade contemporânea nem tampouco estivesse enquadrado nos padrões de aparência dela, embora seu comportamento e aparência certamente se encaixariam nas regras de convívio e ideais físicos de sociedades primitivas como a dos, sei lá, digamos, cro-magnons.
O Almeida parou do lado dessa bela mulher, em frente á vitrine de uma loja de sapatos, e ficou a encarando até ela se sentir desconfortável o suficiente para perguntar-lhe se havia algum problema.
O Almeida balançou a cabeça em sinal de negativo, e, quando ela se preparava para girar sobre o salto de seus sapatos e sair de perto daquele exemplar mal-acabado de homem, ele finalmente verbalizou:
-Muito linda, tu, hein? Uma mulher desse porte, sozinha, com cara de bunda na vitrine olhando bota de salto alto... Só tem uma explicação. Tá sentindo falta de mim.
A moça não resisitu, indignada com a completa falta de traquejo do Almeida, e perguntou fechando os olhos como se, com eles abertos, não tivesse forças pra abosrver toda a rudeza do comentário:
-Como é que é?
-Tá sentindo falta de mim, um homem de verdade, que te faça sentir uma mulher de verdade.
-Cavalheiro- Ela começou a frase com "cavalheiro" embora jamais usasse essa palavra, mas enfim, ela imaginou que, dada a grosseria do brutamontes, ela deveria usar um pouco mais de pompa em suas interações, de modo a colocá-lo no devido lugar:
-Cavalheiro - Ela disse -Eu posso garantir que, dentre as muitas coisas das quais careço nesse momento, o senhor não está nem sequer próximo.
O Almeida não disse nada, só sorriu fazendo uma careta de Willem Dafoe, e enfiou o dedo no umbigo removendo uma migalha de alguma coisa e a descartando. Só então disse:
-Vai te fazer com essa mixaria?
Claro que ela deu-lhe as costas e saiu andando imediatamente sem sequer olhar pra trás, ela jamais, mesmo que Almeida não fosse do tamanho que era, e não tivesse a cara de bandido que tinha, se daria o trabalho de oferecer outra resposta a um sujeito como o Almeida, que se comportava como Almeida se comportava e usava as expressões que Almeida usava. Ela virou sobre os calcanhares e sumiu em meio a multidão que ocupava a rua dos Andradas naquela tarde de outono e nunca mais viu o Almeida de novo.
O Almeida fez um "tsc" estalando a língua no céu da boca, ergueu a camiseta e saiu coçando o umbigo com seu passo vagaroso até a repartição pública onde fingia que trabalhava, estava acostumado á foras e aquele era só mais um pra sua nada modesta coleção, amanhã ele certamente ouviria outro, e no final de semana, na gafieira, ouviria mais uma dúzia até encontrar uma mulher bêbada ou sem amor-próprio o bastante para aceitar aquele tipo de, como ele mesmo gostava de chamar, xala-lá.
A moça em questão, porém, a do tailleur, não esqueceu daquele encontro, naquele mesmo dia contou à suas colegas de trabalho do ocorrido entre goles de café e risadas escandalizadas. Ao chegar em casa, sua mãe telefonou, e ela contou a história novamente, o que fez sua mãe aconselhá-la a evitar andar no Centro sozinha, especialmente de pernas de fora, e que não desse abertura pra desclassificados e, no dia seguinte, quando saiu com Jairo, o corretor de imóveis com quem ela namorava, ela contou novamente tudo, dando especial ênfase ás partes desagradáveis.
Jairo, que era um sujeito extremamente educado, limpo e polido, nem sequer riu. Pareceu ultrajado com o comportamento do grosseirão, e disse que se estivesse com ela, teria dado-lhe uma lição.
Ela não disse nada, mas pensou que o gorilão bruto transformaria Jairo em patê de fígado com um dos brações amarrados às costas.
Naquela noite, após fazer amor com Jairo (Ele chamava de intercurso, e ela detestava.), quando ele se levantou correndo após o ato e se trancou no banheiro para tomar banho, ela ficou imaginando se, talvez, assim, de repente, quem sabe, ela não estivesse precisando, ainda que só um pouquinho, em doses homeopáticas, de um Almeida na vida dela.
terça-feira, 27 de julho de 2010
Calor.
Era um dos meses de janeiro mais quentes dos últimos anos. Lá pelas três, quatro da tarde, a temperatura batia fácil na casa dos trinta e sete graus, ficar sentado, dentro de casa, diante do ventilador fazia suar. Ficar sentado, dentro de casa, embaixo do ventilador com o traseiro dentro de uma bacia de gelo podia ser agradável, mas só até o gelo derreter, e o gelo derretia rápido.
Andar no centro da cidade era tarefa pra poucos... Bom, isso não é verdade, era tarefa pra todo mundo que não estava na praia e precisava trabalhar, mas era tarefa desagradável e que demandava preparo atlético de maratonista senegalês.
E, por alguma razão, um dos melhores amigos do Anderson resolveu casar justamente naquele mês, e convidou Anderson para ser padrinho.
E Anderson se viu diante de uma sinuca por duas razões:
Primeiro, ele era o cara que mais detestava calor entre todos os detestadores de calor do mundo. Anderson era o tipo de sujeito que, se tivesse dinheiro e disponibilidade de tempo, passaria os meses de novembro a maio na escandinávia, que gostava de usar casaco com camiseta de manga curta no inverno pra sentir melhor o frio que entrava pelas mangas do agasalho, que independente dos sete graus dos meses de junho e agosto corria de calção e camiseta na beira do Guaíba, e teria que comparecer á um evento social num mês em que as temperaturas superavam, de barbada, os trinta graus, mesmo à noite.
A segunda razão, é que Anderson foi convidado pra ser padrinho do casamento. E Anderson era um misantropo, niilista, descrente e cético de carteirinha, que considerava a amizade entre homem e mulher um engodo, a família uma instituição falida e achava que a única maneira de o homem (enquanto gênero) ser mais cachorro, seria sendo fiel, o que era, na opinião dele, impossível, pois o homem (enquanto gênero) era programado biologicamente para a poligamia, de modo que a única coisa que Anderson desprezava mais do que casamentos, eram batizados, pois como bom niilista, descrente, cético e misantropo, Anderson era ateu, mas isso não vem ao caso.
A questão, na verdade questões, eram que Anderson deveria atender á uma cerimônia religiosa, que celebraria diante das famílias de ambos membros do casal, a união de seu amigo Teobaldo à uma moça que ele não conhecia, com a promessa de fidelidade inabalável até que a morte os separasse. Tudo isso durante uma noite de sábado, em janeiro, numa cidade vizinha à Porto Alegre, e com Anderson sendo obrigado á vestir terno e gravata.
Não havia, no mundo, modo de aquele programa ter menos a cara de Anderson. Mas, como era o casamento de Teobaldo, um cara que ele conhecia desde os quatorze anos de idade, que era um de seus amigos mais antigos, com quem ele crescera e se criara jogando bola e brincando na rua perto de casa, Anderson aceitou sem pestanejar agradecendo, honrado, pelo convite.
Foi apenas mais tarde, quando batia perna pelo centro com o calor de 35 graus lhe fazendo suar em bicas atrás dos estranhos presentes que ainda estavam na lista, que Anderson imaginou se não deveria ter mandado Teobaldo pensar melhor se queria mesmo se casar, talvez fazer um período sabático por um tempo, até, digamos, julho, para só então decidir se queria mesmo dar um passo tão importante e definitivo.
Se isso desse mais tempo para Anderson procurar aquele saleiro maluco, ou aquele jogo de bolo, ou então, perguntar se o casal não preferia um micro-ondas ou uma lavadora de louça, que eram muito mais fácil de encontrar, tanto melhor, se o casal pensasse melhor em todo o ridículo da situação e resolvesse que o casamento era apenas uma imposição tola de uma sociedade ancorada á valores retrógrados e que pouca utilidade tinha na nossa atribulada realidade ocidental, melhor ainda.
Mas ele resolveu fechar o bico e seguir procurando pelas peças em questão, também se mexeu e comprou um terno para o casamento, embora a simples ideia de colocar uma peça de roupa sobre outra e ainda envolver seu pescoço com uma gravata o deixasse às portas do pânico. Anderson encontrou os presentes da lista, também comprou um terno preto com risca-de-giz, coisa de mafioso, e usaria-o com camisa branca e gravata vermelha, beleza, não era a combinação do traje que o incomodava, era a combinação do traje com o calor do verão Porto-Alegrense.
Anderson, manteve-se em silêncio, apoiando seu amigo, o que lhe pareceu ser seu papel como padrinho.
Na noite da cerimônia, Anderson estava lá, perigosamente próximo da desidratação, tanto era o suor que lhe escorria pelas costas e peito, mas sorriu, apertou muitas mãos, conheceu a amiga da noiva que seria seu par entre os nove (!!!) casais de padrinhos do casal, e soube que, durante a cerimônia, ficaria em pé, à direita do noivo e de braços dados com a madrinha, tudo isso, e aí veio o momento de maior pânico de Anderson, sob os holofotes que iluminariam o altar.
Anderson, o maior detestador de calor entre todos os detestadores de calor do mundo, vestindo terno, gravata e suspensórios, permaneceria durante a cerimônia sob as escaldantes luzes de refletores, de braços dados com outro ser humano que irradiaria seu calor próprio.
Anderson engoliu em seco. Foi até o lado de fora do local da celebração, juntou-se á seu par, e caminhou pelo corredor, posicionando-se EXATAMENTE sob um dos holofotes.
O noivo estava no altar, o pastor também. A noiva entrou ao som da marcha nupcial, ambos ajoelharam-se em frente ao clérigo, Anderson pensou se poderia se ajoelhar, também, não tanto por reverência, mas para desviar-se dos raios de calor que emanavam da lâmpada sobre sua nuca, entretanto teve que se manter de pé após a madrinha impedí-lo de se abaixar.
O pastor começou, então, um longo, longo, longo discurso ácerca de todas as responsabilidades dos cônjuges em um matrimônio. Todas.
Anderson sentiu seu cérebro adormecer por conta da exposição do calor ainda nos primeiros quarenta e cinco minutos de discurso do pastor, não que ele estivesse ansioso por ouvir o que o religioso tinha á dizer sobre casamentos. Durante o tempo em que esteve prestando atenção no que o sujeito falava, em pelo menos vinte e oito oportunidades Anderson pensou em maneiras de contradizer as palavras que saíam da boca do ministro, mas manteve-se quieto, tanto por que não fazia parte daquela congregação quanto por que não seria delicado bradar aos quatro ventos que o casamento era uma esdrúxula arma nas mãos de uma sociedade patriarcal obsoleta, arraigada em valores morais duvidosos, e que servia unicamente para os homens manterem uma ilusão de controle sobre as mulheres sem precisar prestar contas de seus próprios atos libidinosos. Anderson, então, permaneceu em silêncio, e imóvel, sem se mexer sequer para esfregar a mão na testa e secar o suor que lhe escorria dos cabelos, derretendo seu gel e lavando o perfume Ralph Lauren que ele comprara apenas para a ocasião. Não se mexeu nem quando o suor escorreu por seu cabelo, correu pela haste dos óculos e desceu pelo lado de seu nariz fazendo cócegas.
Apenas quando o pastor proclamou que declarava os pombinhos marido e mulher, Anderson se mexeu, direto até o banheiro, onde lavou o rosto, as mãos e a nuca com água fria, maldizendo a tolice de pessoas que não só se casavam em pleno janeiro escaldante, como ainda insistiam em se casar nos dias de hoje.
Ele ficou ainda mais emburrado quando, na fila do buffet, ficou atrás de uma tia gorda da noiva, que com eus vestidinho florido de verão, podia demorar-se á vontade próxima dos pratos quentes enquanto caçava impiedosamente todos e cada um dos salgadinhos de camarão nas bandejas, luxo ao qual Anderson não podia dar-se, afinal, só de chegar perto do buffet, já estava suando em bicas, uma vez mais.
Anderson foi se enfurecendo com os sorrisos, com os tapinhas nas costas, com as felicitações requentadas de todos que ali estavam, e foi se perguntando se, de fato, vida inteligente dominava a Terra, uma vez que aquele pastiche depunha contra toda a capacidade intelectual da raça dominante em nosso planetinha insignificante.
Com amargura e suor abundantes, Anderson andou pelo salão evitando madrinhas solitárias com quem não queria dançar, e bebendo tudo que lhe oferecessem e estivesse em temperatura inferior á ambiente, o que era relativamente fácil.
No momento da despedida, Anderson preparou um pequeno, mas feroz discurso anti-família, sociedade, casamento e humanidade de modo geral, que pretendia sussurrar no ouvido de Teobaldo quando ele lhe estendesse a mão.
Parou em meio ao corredor humano de gente risonha e arremessadora de arroz, e, assim que Teobaldo lhe estendeu a mão, puxou-o para perto de si. Teobaldo o olhou nos olhos e lhe agradeceu por participar do dia mais feliz de sua vida.
Anderson viu o sorriso de Teobaldo, percebeu quão radiante estava Daniela, sua noiva, e abraçou o amigo agradecendo-lhe pela oportunidade.
Enquanto olhava o casal entrar no carro para a curta lua-de-mel que os esperava antes de retomarem seus afazeres em sua corrida rotina, Anderson não pôde deixar de pensar em que tolice aqueles dois estavam fazendo, mas, se os deixara satisfeitos, se lhes permitiu colher alguma alegria, se eles partilharam, ou ao menos tiveram a intenção de partilhar essa alegria com seus amigos e parentes... Quem era Anderson, niilista, descrente, misantropo e chato de carteirinha para se queixar?
Enfim, se desse errado, no futuro ele poderia sorrir para o lado e proclamar que já sabia, e, se desse certo, estava, de fato, feliz pelo amigo, e o calor que sentia dentro de si não era particularmente desagradável.
segunda-feira, 26 de julho de 2010
Resenha Game: Red Dead Redemption
Foi hoje de manhã, antes de sair de casa que eu finalmente terminei o modo history do que, pra mim é, desde então, o melhor jogo de video game de 2010, e, talvez, um dos melhores games de todos os tempos.
Red Dead Redemption, o que muita gente, incluindo eu, considerava um "GTA de Velho Oeste" foi lançado no início de junho, foi, aliás, quando eu comprei o jogo.
Eu sei, parece que pouco mais de um mês é tempo demais pra terminar um game cujo modo history se pode terminar tranquilamente em vinte horas de jogo contínuo, porém, quando se começa a jogar, e se é absorvido pela trama, e se aprende a aproveitar tudo o que o jogo tem a oferecer é inevitável passar mais e mais tempo explorando a região de New Austin, México e Tall Trees, especialmente se você, como eu, é um fã declarado de westerns que corre pro cinema toda a vez que alguém faz um filme com o tema.
No game você encarna John Marston, um ex-criminoso, agora reformado, que é coagido pelas autoridades á caçar seus ex-colegas de gangue.
Logo de início, encontramos Marston deixando a cidade de Blackwater em um trem rumo a Armadillo, cidade na fronteira selvagem dos EUA com o México. Corre o ano de 1911 e as autoridades estadunidenses buscam formas de coibir a violência instaurando a civilização mesmo nos recantos mais obscuros do oeste selvagem custe o que custar.
Sentiu a trama? Não tem a maior cara de faroeste espaghetti do bom? Daqueles de Sergio Leone estrelados por Clint Eastwood e com trilha de Ennio Morriconi?
Pois só melhora.
Os cenários, que não são exatamente realistas, evocam os faroestes do cinema, com paisagens áridas na fronteira selvagem, ainda mais áridas e alaranjadas no México, e repletas de neve e gelo ao norte de Black Water, e criam uma atmosfera de imersão quase absoluta graças a essa decisão estilística quanto ao ambiente.
A música é genial, bandolins, gaitas, assobios e violinos entram em ação conforme a situação que se apresenta, e, por falar em situações que se apresentam, os encontros aleatórios espalhados pelo jogo exigem raciocínio e reflexos rápidos, pois em inúmeras vezes o sucesso ou o fracasso em uma determinada missão é decidido em uma fração de segundo.
Os gráficos são lindos, e merecem ainda mais admiração se levarmos em consideração que se trata de um sandbox, o estilo de jogo de mundo aberto onde você faz o que quer, na hora em que decidir.
E acredite, a riqueza de detalhes é tanta, a quantidade de atividades que se pode realizar em toda a parte é tanta, que em inúmeras oportunidades eu liguei o console e passei horas jogando sem progredir um segundo sequer no tocante à história do jogo. Fosse apenas cavalgando pelo cenário (Aliás, é difícil não se apegar ao seu cavalo no game, até por que, a sua conexão com o animal influencia coisas importantes como velocidade em que se pode progredir e terrenos que podem ser vencidos.), ou me engajando em alguma das muitas atividades colaterais em que se pode dispensar alguns bons minutos ou horas, eu ficava sentado feito uma criança feliz diante da TV caçando lobos, domando cavalos selvagens, esperando que algum desafortunado viesse me implorar por ajuda após roubarem sua carroça, ou sequestrarem sua esposa ou praticando jogos de azar.
Há os saloons onde se pode jogar pôker (Passei horas ganhando e perdendo fortunas nisso.), Black Jack (o nosso vinte e um.), Liar's Dice (Ah, esse eu não conhecia, é um jogo de dados ao estilo general, mas com regras que punem o blefe, e vicia.), também se pode tomar um porre violento e brigar contra a rapa na frente do boteco.
Claro, não seria um faroeste se você não tivesse a oportunidade de manejar um colt 44, ou uma winchester 22 em tiroteios com malfeitores cujas carrancas estampam pôsteres de Procura-se por toda a região.
Mas Red Dead Redemption garante isso.
E, como o próprio John Marston admite á certa altura do game, ele não conseguiu suas muitas cicatrizes caindo na igreja, ele é um pistoleiro tarimbado que já esteve envolvido em mais conflitos do que gostaria, e, uma vez que (por mais familiares que sejam os controles a qualquer um que já tenha jogado alguma edição de GTA), nem sempre a nossa habilidade nos controles faria justiça à habilidade do nosso herói, a experiência de John em combates armados é ilustrada com o recurso Dead Eye, que, quando ativado, reduz a velocidade dos acontecimentos ao redor do protagonista garantindo tiros e mais tiros certos, um recurso que, em determinadas situações, vem muito à calhar mas que usado sem parcimônia tira um pouco da graça dos tiroteios do jogo.
As sequências animadas têm qualidade cinematográfica, com diálogos bem escritos que conduzem perfeitamente a ótima e envolvente história do game, e um trabalho de dublagem muito inspirado, especialmente do protagonista, e do vilão Dutch Van Der Linde.
No final das contas a Rockstar está de parabéns, o game é uma rara combinação de história envolvente, ambiente imersivo, jogabilidade simples e fator replay amplo (A quantidade de desafios e mini-games espalhados pelo jogo é de chorar.), com um protagonista carismático (Já estou com saudades, John.) e um final apoteótico que fica no mesmo nível de pérolas como Butch Cassidy e Sundance Kid, ou Três Homens em Conflito, enfim, Red Dead Redemption é uma ode aos filmes de faroeste em forma de video game.
Mal posso esperar pra começar outra campanha, e que venha uma sequência.
"As vezes eu digo a mim mesmo que as coisas acontecem por uma razão. Como se o que me trouxe até aqui tivesse sido algum tipo de chamado do destino. Mas ninguém traçou meu caminho senão eu."
Resenha Cinema: À Prova de Morte
Foi no sábado à noite que, em uma dessas salas miudinhas de circuito alternativo de Porto Alegre consegui, enfim, assistir À Prova de Morte, filme que Quentin Tarantino escreveu e dirigiu para ser metade do projeto Grindhouse, que o cineasta idealizou com seu parceiro Robert Rodriguez, como forma de homenagear as antigas sessões de cinema populares nos EUA nos anos setenta, com filmes de baixo orçamento em que os gêneros dominantes eram os bloxploitation recheados de terror, monstros, sexo e artes marciais.
A ideia era bacana, dois filmes de dois cineastas que entendem do riscado homenageando um cinema de origem trash em uma sessão dupla.
Infelizmente, em 2007 o pessoal não entendeu a brincadeira. Talvez tenha sido a estética dos filmes, com efeitos visuais totalmente toscos, os cortes bruscos, a fotografia prejudicada, os "rolos perdidos", que faziam algumas sequências do filme desaparecerem sem lá muita explicação, tudo proposital, para evocar as autênticas grindhouses, mas o público deve ter ficado sem paciência e o projeto, após naufragar nas bilheterias dos EUA, foi desmembrado e ficou no limbo.
Planeta Terror, a metade que cabia a Robert Rodriguez, filme de zumbis totalmente podreira no melhor estilo "sangue, tripas e gosma" do extinto Cine Trash da Band ainda chegou ao Brasil, direto em DVD se não me falha a memória, e era um filme divertido, bem intencionado e que tinha um elenco maneiro se divertindo horrores.
A metade de Tarantino, porém, seguia inédita por essas bandas, mas, graças ao sucesso de Bastardos Inglórios, encontrou distribuidora e, após mais de dois anos frequentando apenas festivais, entrou no circuito. Restrito, é verdade, mas ainda assim, melhor que nada, afinal, estamos falando de um filme de Tarantino, e eles sempre merecem ser conferidos.
À Prova de Morte não é diferente.
É um filme divertido, descompromissado, que não deve ser levado muito a sério para ser apreciado, mas ainda é Tarantino.
Na trama, Dublê Mike (Kurt Russel, doido e canastra na medida.) é um dublê especializado em ação sobre quatro rodas, e também um psicopata misógino que usa seu Chevy Nova negro á prova de morte como arma para matar belas e incautas meninas e satisfazer seus anseios doentios.
O filme tem dois momentos bem diferentes, em que o Dublê Mike se vê às voltas com dois grupos distintos de mulheres (Não tão) indefesas.
No primeiro, onde o Dublê Mike controla as ações, a cara do filme é mais Tarantinesca, com todas as características que esperamos encontrar num filme do cineasta:
Lá estão os diálogos longos, ácidos e repletos de palavrões que ficam martelando na nossa memória por muito tempo depois de o filme acabar, a exploração das formas das (belas) mulheres com a câmera fetichista do diretor pegando closes dos traseiros rebolativos das moças ao som de uma trilha sonora ótima (outra marca Tarantinesca), ou dos pés das garotas de pernas compridas, além, claro, da violência extremamente explícita e cheia de estilo, tudo no lugar, conforme a cartilha de Quentin, e em prol da diversão.
No segundo momento do filme, a estética permanece algo Tarantinesca com os diálogos e as personagens femininas fortes, mas o estilo Grindhouse ganha mais força, alcançando seu ápice no excelente duelo entre dois carangos envenenados por estradas empoeiradas em plena luz do dia, onde Mike encontra oposição à sua altura, ele armado com seu Chevy Nova preto 68, suas adversárias em um Dodge Challenger branco 1970, numa bela referência ao duelo Bem x Mal.
Vale destacar que as atuações do elenco principal são muito boas, e que, mesmo que não fossem, só as duas sequências com muscle cars, e a lap dance de Vanessa Ferlitto (Arlene / Butterfly) ao som de Down in Mexico já valeriam o ingresso.
No fim das contas, a lição permanece: Não perca, jamais, a chance de ver um filme de Tarantino, sempre vale à pena.
"Ei, Pam? Lembra quando eu disse que esse carro era à prova de morte? Bem, eu não estava mentindo, esse carro é 100% à prova de morte. Mas, para se beneficiar disso, querida, você tem, MESMO, que estar no meu assento."
sexta-feira, 23 de julho de 2010
Flocos de Neve.
Ela, linda, com os cabelos loiros lisos presos para trás por uma tiara larga de plástico azul que combinava com o azul de seus olhos, parara muito grave á porta de seu prédio. Perguntou se ele, meio bagunçado, cabelo castanho, barba de dois dias, podia ir com ela até o banquinho do lado do prédio. Em outros tempos ele teria achado maneiro. Encararia aquilo como sinal que que ela queria dar uns malhos antes de se despedirem, talvez houvesse contato mão/seio entre beijos resfolegantes, e talvez, apenas talvez, outros contatos ainda mais convidativos. Mas essa não era uma dessas ocasiões. Ele sabia. Sabia pelo tom de voz dela, pelo modo cabisbaixo como ela andava em direção ao tal banco, pela forma como ela se sentou e pela forma como ela suspirou ao agarrar sua mão, e encarar os próprios tênis All-Star azul-marinhos enquanto tomava fôlego para começar:
-Abel... A gente precisa conversar.
Abel tremeu na base. Além dos outros sinais mencionados, ele sabia que as coisas não iriam dar certo por que aquele fora um encontro ruim. Muito ruim. Aquele encontro se encaminhava pra ser o pior de todos os tempos. Aquele dia, se encaminhava pra ser o pior dia da pior semana do pior mês de todos os tempos.
A semana, que fora um inferno desde a segunda-feira, quando Abel soube que seu estágio não seria renovado, e ainda assim teria que trabalhar até a sexta-feira para cumprir seu contrato, contivera todos os ingredientes que, bem misturados a azar e uma dose de má-vontade resultam em tragédia.
Abel fora multado com o carro da empresa, ele machucara o pé jogando futebol, derramara suco de laranja concentrado na camisa branca que usaria para procurar um novo emprego na semana seguinte, seu computador dera pau e precisaria de uma nova placa de video que, àquela altura ele, sem emprego, não poderia pagar, uma vez que até as mensalidades de sua faculdade estavam em risco. Além disso ele ficara sentindo os sintomas de uma gripe que se avizinhava.
Mas ele mantivera alguma esperança de que as coisas dariam certo por que, afinal das contas, Abel ainda tinha uma âncora de esperança o segurando em meio a turbulência daquele mar de pequenas tragédias suburbanas. Ele tinha Rita.
Rita, a loirinha da rua de trás, que ele e os outros moleques de sua rua observavam com olhos gulosos á cada passagem dela pela quadra em direção ao super-mercado ou quando andava de braços dados com as outras meninas da vizinhança, e imaginavam se ela cheirava tão bem quanto parecia, se sua pele era tão macia quanto aparentava e se era gentil como denunciava seu sorriso repleto de dentes.
Rita que, inexplicavelmente, resolveu que Abel, á despeito de sua extensa lista de falhas de caráter, era alguém com quem ela poderia conversar.
E, se á princípio Abel imaginara que ela o tomara por um amigo assexuado com quem podia se abrir, logo mudou de opinião quando ela o beijou, de forma meio inesperada, após conversarem por horas em uma noite fria de julho.
Marcaram o encontro para sexta-feira, quando Abel esperava estar de emprego novo, OK, o emprego não surgira, mas ainda assim, ele veria Rita naquela noite. Havia inúmeros empregos no mundo inteiro que Abel podia conseguir, mas apenas uma Rita, e ela o estava esperando às sete horas naquela noite, quando iriam ao cinema ver um filme, depois jantariam e então, Abel a beijaria longamente, agora preparado, não de sopetão como fora na quarta-feira, e estaria namorando oficialmente com a guria mais linda do bairro, quiçá da cidade, antes das onze horas.
As coisas porém, foram dando errado no decorrer da noite.
Abel se atrasara, pegara na lavanderia as roupas erradas, e, ao sair do banho percebeu que só tinha vestidos floridos para usar no encontro. Teve que correr á lavanderia de bermuda e regata sob um frio de quatorze graus para destrocar o pacote.
Chegou quinze minutos atrasado à casa de Rita, que o recepcionou com um sorriso.
Demoraram para conseguir um táxi que pudesse levá-los ao shopping onde ficava o cinema, e, quando conseguiram, viram-se nas mãos de um motorista que fazia apenas sua terceira viagem com passageiros e errou o caminho.
Chegaram ao cinema vinte e oito minutos após o começo do filme, e escolheram outra coisa pra ver. Rita sugeriu que vissem o que estivesse começando naquela hora, independente do que fosse.
Acabou em uma poltrona, ao lado da menina mais delicada da Cidade Baixa assistindo Predadores, um festival de sangue, tripas e gosma regado á testosterona, tiros e frases de efeito. Á certa altura ele teve a impressão de que Rita dormia.
Quando saíram do cinema já era mais de dez da noite, e a praça de alimentação estava fechada, saíram à caça de um lugar onde jantar e acabaram em uma churrascaria duas quadras de shopping, e, após sentarem e pedirem as bebidas, ele descobriu que Rita era vegetariana.
Comeram do buffet de salada enquanto conversaram sobre política (Rita de esquerda, Abel de direita.), religião (Rita espírita, Abel protestante.), até futebol (Ela gremista, ele colorado.). Antes da sobremesa Abel sabia, inconscientemente, que colocara tudo a perder. A proverbial gota d'água, entretanto, veio quando ele, ao sair do restaurante, em uma ato reflexo, largou a porta deixando ela bater violentamente contra a cabeça de Rita, que mexia na bolsa e nem sequer pôde desviar.
No caminho de volta, Abel e Rita permaneceram em silêncio ouvindo o taxista maldizer a EPTC que o multara pela décima nona vez.
Foi pensando nisso tudo que Abel, ao ouvir a sentença de Rita de que precisavam conversar, soube, em seu íntimo, que ela seria delicada e gentil, e diria á ele que não o veria novamente.
E, pra ser franco, ele sabia que não merecia vê-la de novo. Já era demais pra alguém como ele, um tremendo chato, intransigente e auto-indulgente, ter tido o priviégio de sair com Rita, mais que isso, de beijá-la nos lábios cálidos e macios que emolduravam aquele sorriso de pôster de "gentileza gera gentileza". Ele se antecipou:
-Eu sei. Eu sei e entendo.
-Sabe o quê?
-O que tu vai dizer. Que tu não quer mais me ver. E eu entendo, Rita. Sério mesmo.
-Abel...
-Não, não. Tu tem razão. Olha, me desculpa por tudo, tá? Bom sair contigo, a gente se vê por aí.
Abel levantou-se e fez menção de começar a andar, mas foi impedido por Rita, que o segurou pela mão, levantou-se e o beijou, uma vez mais, de surpresa.
Abel, sem reação, apenas a encarou, aturdido.
-Vamos ver se pegamos a sessão de Toy Story no domingo?
-Vamo...
-Me pega as cinco, então. Aí a gente chega lá com tempo.
Ela beijou ele de novo, o levou até o portão e se despediu com um "me liga amanhã.".
Abel saiu caminhando como se flutuasse, tendo, em seu íntimo, a sensação de que aquele desfecho fazia toda a semana valer a pena, e seguiu pra casa sorrindo, apesar de não ter entendido como chegara até ali.
O que Abel não entendia, é que não há sentido nas coisas, que as pessoas são tão diferentes e ininteligíveis quanto podem ser, e que o que pra ele, tinha sabor de tragédia e fiasco, pra Rita, tinha sabor de romance.
E eles se dariam bem. Muito bem.
quarta-feira, 21 de julho de 2010
Rapidinhas do Capita
Ele a encarou por um instante que pareceu durar séculos. Ela estava próxima, muito próxima. Ele sabia que bastaria erguer o braço, e ele a alcançaria, poderia tocá-la, sentir seu cheiro e seu sabor. Ele poderia saciar o desejo que tomava conta de seu corpo, aliviar-se antes que aquele desejo passasse a ditar suas ações.
Sim.
Bastava uma palavra, talvez um gesto, e ele iria possuí-la, ou, talvez, ela fosse possuí-lo, afinal, era uma comunhão, uma relação em que ambos seriam possuidores e possuidos. E ele ansiava por essa comunhão, ele mal podia resistir.
Ele sabia que era errado, sabia que as consequências não seriam agradáveis, mas o prazer que ela proporcionaria á ele, por fugaz que fosse, valia os riscos, valia qualquer risco. E ele faria qualquer coisa para tê-la consigo.
Esticou o braço e disse ao sujeito atrás do balcão:
-Me vê aquela empada ali, ó.
Suas coronárias, sua esposa e seu cardiologista diriam que ele era um louco, mas poucos segundo depois, quando ele sentia a massa dissolvendo-se em sua língua e mastigava o queijo e o frango temperados, não ligava para nada, e poderia morrer feliz.
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Sandra sentou frente á frente com Alcebíades. Ela o mediu de costas, quando entrara no restaurante, ele, de fato, tinha cabelo castanho, como sua foto mostrara, e, de fato, parecia ter mais de 1,80m, como dissera no chat.
Era o primeiro encontro ás escuras de Sandra, mais que isso, o primeiro encontro que ela marcara pela internet. Ela nem sabia se deveria ter ido, conversara com o sujeito uma dúzia de vezes no chat, outras tantas por MSN, três ou quatro por telefone, e agora ali estava ela, de salto alto, maquiagem, vestido preto mezzo provocante, mezzo comportado, cabelo com gel e tudo mais a que tinha direito indo encontrar um sujeito que se chamava Alcebíades.
Ele se levantou quando ela chegou, se cumprimentaram com simpáticos beijinhos no rosto "três, pra casar." ele disse quando ela fez menção de parar no segundo. Bonitinho, algo infantil, algo tia velha e gorda, Sandra achou simpático e pitoresco vindo de um homem de trinta e poucos anos.
Alcebíades era exatamente como na foto. Claro, mandara pra ela três ou quatro fotos bem escolhidas, seus melhores ângulos, provavelmente, lhe favoreciam mas não faziam milagres. Ele era um sujeito comum. Não era particularmente bonito, mas tinha cabelo em toda a cabeça, era mais alto que ela, não era um gordão, embora estivesse alguns quilos acima do peso, e, enfim, chamava-se Alecebíades.
Esse nome, pensou Sandra, era um tipo de crachá pra um homem sério. Um homem que seria bem quisto na vizinhança, um homem que poderia ser o sustentáculo moral de uma família. Ele ensinaria seus filhos a tomarem decisões sábias e sensatas, seus netos viriam á ele em busca de conselho. No futuro seus bisnetos e tataranetos, quando titubiassem ante uma decisão particularmente difícil, se perguntariam "O que o vô Alcebíades faria numa situação dessas?", e somente então escolheriam o rumo a tomar.
Sandra achava que Alcebíades ensinaria os filhos a fazerem nós e usar a bússola, que mostraria á eles como sobreviver em situações extremas com acampamentos. Ela poderia não ter paixão em um relacionamento com Alcebíades, mas certamente teria segurança, e, com mil demônios, aos trinta e dois anos, solteira e sem achar ninguém por quem se interessasse de verdade, Sandra estava disposta a aceitar segurança em detrimento de todo o resto.
-Boa noite. - Disse ela.
-Melhor agora. -Ele respondeu.
Conversaram animadamente. Ele era meio aborrecido de vez em quando, mas ela não se importava. Lá pela sobremesa, porém, ele falou:
-Olha, preciso te dizer uma coisa...
-Fala.
-E sobre o meu nome...
-O que tem ele?
-Na verdade... Olha, é uma bobagem eu devia ter contado antes, mas fiquei com vergonha, enfim... Olha, eu não me chamo Alcebíades, me chamo Carlos. Carlos Eduardo. Meus amigos me chamam de Cadu. Todo o resto é verdade. Mas Alcebíades é só um nick, meio besta, eu sei, mas foi o que me ocorreu no chat quando pensei em um nome pra não em expôr demais, então... É isso. Te desapontei?
-Não... Não, imagina, que bobagem. Carlos Eduardo, então?
-Ou Cadu.
-Cadu.
Ela e ele passaram a noite conversando, depois do jantar foram ao cinema, e mais tarde ele a deixou em casa. Ela foi natural e agradável a noite toda, mas quando ele perguntou se podiam se ver de novo na sexta ela mentiu que estaria ocupada, ele insistiu no sábado, mas ela disse que tinha que pagear as primas que chegariam do interior, mas que ligava pra ele e marcariam algo pra semana seguinte.
Ele foi embora, e ela, ao entrar no prédio, colou as costas na porta e suspirou fechando os olhos.
Nunca mais se viram.
Carlos Eduardo... Cadu, tanto fazia. Ela poderia encarar uma dose de chatice de um Alcebíades, mas de um Cadu nem morta.
sexta-feira, 16 de julho de 2010
Novo Mundo.
Ele, nos seus quarenta e cinco, cinquenta anos. Senta em uma banqueta desconfortável do lado da cama dela, ela, com seus sete, quiçá oito anos de idade. Ele senta, afaga sua cabeça enquanto ela se ajeita na cama. Ela se posiciona sob as cobertas e o olha com alguma ansiedade. Ele começa:
-Era uma vez...
-"Era uma vez"? Sério isso, pai?
-Quê? É assim que se começa uma história.
-Quié isso, pai, te liga. Não é assim que se começa uma história faz séculos...
-Do que tu tá falando, guria? Toda a vida se começa uma história desse jeito. "Era uma vez..." e daí se dá sequência.
-Não, pai, era assim, era. E já faz tempo.
-Tá. Eu mudo o começo, então. Houve um tempo-
-Mas isso é igual a "era uma vez".
-Quem é que tá contando a porcaria da história?
-Tu, mas tu tem que pensar em cativar teu público alvo.
-Cativar meu... Cativar o público alvo. OK. Tu é meu público alvo. Como tu gostaria que eu começasse a história?
-Ah, sei lá... De uma maneira menos batida, puxa, parece que a gente tá no século passado...
-Eu nasci no século passado.
-E eu no novo milênio, pai. Mas tudo bem. Se tu não quer investir na nossa comunicação e vai deixar que eu cresça com os traumas causados por uma criação carente de uma presença masculina mais ativa, o que pode acarretar um sem-número de problemas na minha maturi-
-Tá, tá, chega. Eu começo a história de outro jeito, tá bem?
-Tá.
Ele respirou fundo, se ajeitou na banqueta tentando minimizar os danos que ela inevitavelmente causaria na sua coluna, e começou empostando a voz:
-O prícipe estava cavalgando nos campos que circundavam o reino de seu pai, era um-
Ela suspirou e afundou no travesseiro.
-Hmmnnn...
-O quê foi, agora?
-Nada, não, pai. Continua.
-Era um dia ensolarado, mas nuvens negras e espessas se avizinhavam no... Não. Tu deu uma resmungada. O que houve?
-Nada, eu não resmunguei.
-Resmungou, sim. O que foi?
-Nada é só... Príncipe, pai? Sério? Príncipe? Tu vai centralizar a tua história em uma figura tão estabelecida, batida e pouco carismática, como um príncipe?
-Vai ter mais coisas, além do príncipe... O que tem de errado com príncipe?
-Ah, pai... Todo o conceito de realeza que essa imagem evocava no passado se perdeu nos dias de hoje, né? Olha as famílias reais com as quais a nova geração tem contato. São todas decadentes, alvos de tablóides e revistas de fofocas. Ninguém mais acredita na nobreza das realezas estabelecidas atualmente, nem nas realezas do passado, que, como mostram os historiadores já estavam muito mais pra saqueadores vestidos com seda e ouro que qualquer outra coisa, isso quando estavam vestidos com seda e com ouro.
Ele não era capaz de esconder o próprio choque. Era informação demais. Ele levara uns bons quinze anos pra perder o encantamento com príncipes, reis e princesas.
-Onde foi que tu aprendeu isso, guria?
-Ai... Rélo-ôu! Na internet, né, pai? Milhões, bilhões, trilhões de informações na ponta dos dedos.
-Meu Deus do céu...
-E nem queira entrar no conceito de religião, pois é outra coisa que-
Ele não queria mais ouvir aquilo, precisava mudar o rumo da conversa:
-Tá, parou. Que tipo de herói tu gostaria de ter na tua história?
-Sei lá, pai. Alguma coisa que não seja óbvia como um príncipe. Pode ser... Sei lá, um vampiro.
-Vampiro? Mas vampiro é um monstro chupador de sangue.
-Era, pai. Vampiro era um monstro chupador de sangue. Hoje em dia os vampiros são rapazes sensíveis e vegetarianos que se apaixonam e defendem a mulher amada com unhas e dentes.
-Nisso de defender com os dentes eu até acredito, ah, ah, ah, ah, ah.
-Pai...
-Tá, desculpa. Mas é um conceito muito sem-graça. Cadê os vampiros que eu conhecia? criaturas desalmadas, de pele pálida, que à luz da lua saíam de seus caixões para saciar sua sede de sangue no pescoço dos incautos?
-Esse conceito também ficou no passado.
-Puxa, e eu gostava tanto do Drácula.
-Ah, eu também.
Seu rosto se iluminou, finalmente ele e a filha tinham algo em comum.
-Sério? Que bom. Pensei que o Drácula tivesse ficado no passado.
-Capaz, pai. Todas as meninas adoram o Drácula, ele é lindo.
-Pôxa, quem diria... E eu achava aquele ator tão feio.
-O Gary Oldman?
-Não, o Christopher Lee.
-Quem é esse?
-Esquece.
-Olha pai... Deixa pra lá. Eu leio alguma coisa antes de dormir e pronto. Pode deixar.
Ela se debruçou e apanhou um grosso volume que estava sob a cama. A capa era negra e tinha uma fita vermelha rasgada esvoaçando. Ele se levantou da banqueta apanhando-a, beijou a filha na fronte e caminhou para fora do quarto. Fechava a porta quando teve um estalo. Deu meia volta e entrou novamente, tirou o livro da mão da filha e posicionou a banqueta onde estava antes. Respirou fundo e começou a falar:
-Samuel, Sam, para os amigos, andava pela rua tentando proteger-se da chuva sob as marquises da parte mais velha e dacadente da cidade, alheio aos perigos que o cercavam. Quando saíra da cama naquela manhã, ele mal imaginava o que o aguardava pelas próximas vinte e quatro horas...
A menina se endireitou na cama e o olhou, á princípio com pouco caso, mas foi empolgando-se conforme o pai usava todas as habilidades ao seu alcance para tornar aquela narrativa mais e mais interessante.
Ele misturou elementos de 24 Horas, Serpico e Romeu & Julieta, seu personagem ganhou as feições e o físico de James Franco quando a menina perguntou se ele era gato, o vilão da trama, um traficante de sangue que matava meninas na Bielorrússia para suprir vampiros enrustidos nos Estados Unidos, tinha o charme, os trejeitos e o sotaque de Jude Law, e a mocinha, Natalia, era uma jovem bielorrussa que escapara por pouco de ter o mesmo fim das irmãs nas mãos do vilão, lutava Krav-Magá e entrava na pancadaria tanto quanto o herói.
A história se desenrolou passando por bairros industriais onde o crime estava em cada esquina, lugares exóticos como Tahiti e Havaí, houveram confrontos físicos, romances proibidos que não se consumavam e frases de efeito.
O pai ilustrou tudo, correu pelo quarto enrolado em cobertas, chutou a mobília e praguejou em ídiche quando interpretava um mendigo judeu, em mais de uma oportunidade a mãe da menina teve que ir ao quarto e pedir que o marido baixasse a bola.
O pai usou referências da trilogia Bourne para narrar as lutas, cantarolou Johnny Cash para embalar a dança do casal protagonista, e finalizou a trama com um confronto épico dentro de uma estação orbital soviética desativada, que culminou com um sabre-de-luz atravessado no peito do Jude Law vilão, empunhado pela mocinha, não pelo herói.
A menina adorou. Quando terminou disse que precisava tomar um copo d'água para se acalmar e dormir. Abraçou o pai, deu-lhe um beijo, e disse antes de ele apagar a luz:
-Tu é o pai mais foda do mundo.
Ele pensou em repreender o palavrão, mas a Pitty já tinha estabelecido essa palavra com "F" como normal no vocabulário jovem, e, pra ser franco, ele estava feliz demais com o elogio.
Largou a banqueta na cozinha, e se encaminhou para o sofá, onde veria um pouco de TV antes de dormir. Ele vivia em um mundo que ainda não entendia totalmente, e que mudava todo o dia, em que sua filha de sete anos, com meia dúzia de cliques em um mouse acessava informações que ele levara anos para descobrir, onde vampiros eram heróis românticos e vegetarianos e príncipes eram figuras pouco recomendáveis. Ele era um dinossauro num mundo de atualizações minuto a minuto, e pouco entendia das regras que mudavam a todo o instante, mas uma coisa ele sabia:
Ele não entregaria a criação de sua filha à Stephenie Meyer sem luta, ah, não mesmo.
quinta-feira, 15 de julho de 2010
Ateísmo?
É feio ser ateu. Quando você diz que é ateu, as pessoas te olham atravessado, como se tu estivesse cometendo algum gravíssimo (Rá!) pecado.
A falta de fé, em um mundo onde praticamente todas as pessoas têm algum tipo de fé, não é bem vista. O ateu é um pária. É um sujeito que não acredita em nada, e portanto, não merece crença. O ateu é visto como uma pessoa sem moral, como alguém que não é digno de confiança, que alguma aprontou, já que só isso explica a ideia de um louco, de renegar a existência de Deus. Ou Buda, ou Jeová, ou Tupã, ou Alá, ou Zeus, ou o Polvo Paul, ou seja lá o que for... Pelo menos é essa a impressão que as pessoas crentes parecem ter com relação a quem é descrente.
Outra coisa interessante são os mal-entendidos em que nós, ateus, nos envolvemos. Eles são fruto do fato de que vivemos em uma sociedade que justifica suas preferências de uma forma bastante simples:
Avacalhando as crenças alheias.
Tu já deve ter visto uma cena parecida, alguém diz:
-Eu sou da Igreja Universal.
-Universal? Sério? Ahahahahah.
-Tá rindo do quê? Tu é católico, pedófilo e nazista!
É, nós somos assim, é mais fácil atacar a preferência alheia do que justificar a própria com argumentos. E, no campo religioso, isso é ainda mais evidente, e abre o precedente pros mal-entendidos que eu mencionei antes.
Alguém fala sobre espiritismo. Eu falo, com todas as letras, que acho isso uma tremenda bobagem. O conceito de reencarnação, a história de hospitais espirituais, e reencontro com familares mortos, psicografia e o escambau, pra mim é uma rematada tolice, e se até na TV as pessoas têm o direito de despejar suas crenças religiosas na nossa cara, eu suponho que tenho direito a demonstrar minha descrença quando achar conveniente.
Faço meu pequeno discurso anti-espiritismo, e imediatamente, alguém se alia ao discurso, armando-se com meus argumentos, falando, também, contra o espiritismo, dizendo que grande pataquada ele é, e usando a imensa bobagem que é conversar com fantasmas para justificar, pasmem: O evangelismo.
Opa! Eu não sou evangélico. Comprar uma garrafa com água do rio Jordão pelo telefone, pra mim, é uma bobagem tão imensa quanto entrar na fila para receber uma hóstia, ou receber um passe, ou colar a testa no chão pra pedir perdão por pecados que se pensou em cometer.
Aí, eu digo pro evangélico ao lado que sentar na frente da TV todo dia pra ouvir Edir Macedo, Silas Malafaya ou R. R. Soares, pra mim, é um equívoco tão grande quanto comprar os livros do Kardec e do Xavier.
Aí perguntam qual é a minha religião, e voilá:
Surge a mais notável faceta dos ateus. Nós somos a única vertente que consegue a proeza de unir todos os credos. O evangélico e o espírita apontam suas metralhadoras giratórias contra mim, incapazes de conceber a ideia de que eu não tenho religião, e acho todas elas uma perda de tempo sem par.
O que eu posso dizer pra justificar a minha não-crença? O que eu posso tentar mostrar aos convertidos que eles ainda não tenham visto? Como posso explicar a eles que, a cada minuto de cada dia, eu sou colocado face á face com um mundo onde não há milagres, mas apenas cruéis coincidências?
Eu adoraria abraçar, sem precisar de provas, uma deidade de paz e amor que fiscaliza nossas ações, pune os ímpios e recompensa os bons, mas sério, alguém vê algum sinal, por ínfimo que seja, de mágica divina no nosso dia a dia? Alguém consegue olhar a humanidade, podre como é, e pensar que ela é trabalho de uma entidade superior?
Alguém consegue abrir o jornal, ou assistir ao noticiário, e pensar em qualquer tipo de justiça divina?
As pessoas acreditam em religiões porque precisam da crença. Precisamos acreditar que o perverso poderoso que está acima da lei dos homens será punido por uma esfera superior, precisamos acreditar que o sofrimento será recompensado, e precisamos desesperadamente crêr que voltaremos a ver aquela pessoa amada que se foi.
A religão existe para manter o ser humano sob controle, porque o ser humano não sabe se comportar. Eu entendo a necessidade da religião, acredito que a ignorância das pessoas clame por algum tipo de promessa mágica que garanta o civismo, cada vez mais raro.
Se bem que até para o dogma religioso as pessoas encontram brechas, como as crenças compostas. Você conhece, também, o tipo. A pessoa gosta de determinadas partes de uma religião e as segue, ao mesmo tempo frequenta o templo de outra, e ainda abre o jornal no horóscopo todo dia de manhã, montando um credo que não lhe obriga a mudar seu comportamento, mas criando um que se adapta ao seu modo de vida, não importa o quão torto ele seja.
Eu não. Eu não acho que precise de promessas de recompensa nem de ameaças de punição para agir direito, eu não sou tão alheio ás leis da natureza a ponto de precisar acreditar em uma nova e eterna vida depois da que estou vivendo agora. Eu valorizo meu hoje, e fui educado para saber viver em sociedade, não preciso de ninguém me fiscalizando pra eu me sentir forçado a fazer o que é certo. Tampouco quero continuar vivendo depois que meu corpo morrer. Estou extremamente confortável com a ideia de fim, e a única vida após a morte que espero é a lembrança de meus entes queridos, não preciso nem quero mais nada. Entretanto não quero ser confundido com os ateus de ocasião, aquelas pessoas que renegam todas as religiões, não por que não acreditam em nada, mas apenas por que têm medo de tudo aquilo com que lhe ameaçam, seja o umbral, o inferno ou a casa do Capita, e ignoram todas as religiões apenas para não sentir o peso da própria consciência
É tão ruim ser ateu quando se age da forma mais correta possível sem esperar recomensa ou temer punição? Eu suponho que, se há um Deus, Ele não se importa se eu rezo de joelhos, de olhos fechados ou com a testa no mármore, ele quer apenas que eu me comporte para com meus semelhantes, e isso eu faria mesmo sem as normativas de uma religião, afinal, é a forma certa de fazer as coisas quando você quer que a coletividade funcione.
terça-feira, 13 de julho de 2010
Normalidade.
Era domingo de noite, quase nove horas quando Meredite chegou. Ela hesitou um sengundo antes de colocar a chave na porta, mas quando o fez, girou-a de uma vez só, decididamente.
Ela entrou em casa arrastando a mala de rodinhas, caminhou tranquilamente até a estante perto da porta, deixou a chave no claviculário, encostou a mala na parede, respirou fundo, e entrou na sala.
Deitado no sofá, assomava a figura de um homem. Ele era alto, tinha cabelos pretos lisos cortados bem rentes á cabeça, uma estrutura física atarracada, sólida. Dormia pesadamente, roncando alto.
Na mesinha de centro, á frente do sofá, várias latas de cerveja e sacos de salgadinho vazios, cinzeiros cheios, e anéis d'água, provavemente suados pelas latas quando estavam cheias e geladas.
Ela pensou no quanto aqueles anéis d'água a teriam revoltado algumas semanas atrás, quando ela podia se dar ao luxo de se preocupar com tais bobagens, quando sua vida fazia sentido.
Agora, ali estava ela, parada no meio de sua sala, ela nem sequer tinha certeza se ainda podia chamar aquela sala de sua, olhando com tristeza para o que fora a sua vida.
Ela andou até o quarto, onde abriu o armário e começou a sacar de lá as roupas que lhe pertenciam. Dobrou e empilhou as peças sobre a cama, foi até o gaveteiro, de onde subtraiu suas roupas íntimas e meias, capturou os sapatos do fundo do guarda-roupa, e os colocou, também, sobre a cama.
Ela fazia tudo mecanicamente, olhando unicamente para seu próximo objetivo. Andou até a penteadeira e apanhou perfumes, cremes e maquiagens. Colocou tudo junto à suas demais posses. Sentou na cama e respirou fundo, novamente.
Estava dando um grande passo, estava abandonando uma vida que contruíra ao longo dos últimos anos, que lhe demandara esforço, abnegação e comprometimento, mas, subitamente, nada mais daquilo fazia sentido. Não depois do que acontecera.
Apanhou a pilha de cima da cama, e andou de volta pra sala, andando a passos rápidos, em direção à sua mala.
Ajoelhou-se do lado da mala,a briu-a e enfiou suas coisas lá dentro sem muito método. Fechou a mala com pressa e se levantou. Assim que se pôs de pé oviu a voz que a fez gelar.
-Meredite?
Era ele, o homem que acabara com seus sonhos com meia dúzia de palavras depois de três anos de casamento. Ela titubeou, mas acabou virando para encará-lo. Quiçá pela última vez.
-Oi, Rodolfo. Só vim pegar umas coisas... Não queria te acordar.
-Meredite, o que foi? Por que tu tá indo embora?
-Ah... Depois de tudo que aconteceu... Eu não achei que... Sei lá.
-Amor. Isso ficou pra trás. Volta pra mim. Tudo vai voltar ao normal. Prometo.
-Mas e... E aquilo?
-Acabou. Acabou.
Ela fez uma cara de quem não acreditava.
-Sério. Acabou. Acabou hoje de tarde.
-Então...
-Acabou, amor. Espanha campeã. Na prorrogação. Gol do Iniesta.
-Posso voltar, então?
-Tu nunca precisava ter ido embora.
-Ah... Tá bem, então.
-Vem, vem desmanchar essa mala, vamos tocar a vida.
-A gente precisava comemorar.
-Tá bem. Vamos sair pra comer. Mas depois do Fantástico, que eu quero ver as matérias sobre a final.
Normalidade é isso aí.
sexta-feira, 9 de julho de 2010
Rapidinhas do Capita
-Ah, para com isso. Cristiano Ronaldo?
Ele parecia, mesmo, bravo.
-Acho lindo. O que que tem demais?
Ela viu que ele estava bravo.
-O cara é uma bichona, todo afetado, fica se olhando no telão do estádio. Pelo amor de Deus, viu...
-Só disse que ele é bonito.
-Não, tu não disse que ele é bonito, tu ficou babando quando abriu a revista. Ainda se fosse pelo Pato, que pelo menos saiu do Inter, mas não, aquela bichona portuguesa que até pintar as unhas dos pés, pinta.
-Ai, que bobagem...
-Não, o cara pinta as unhas, se depila, passa o tempo inteiro ajeitando o cabelo, e tu... Não, te larguei, olha. Bah.
-Que machismo. Ele se cuida, só isso. E funciona, por que ele fica bonito.
-Que se cuida, o que? O cara... Eu me cuido. Corro duas vezes por semana, jogo futebol uma vez por semana, tomo banho todo dia, corto as unhas, uso desodorante. Ele se depila. SE DEPILA! Que nem tu. Deve até fazer mais fiasco na hora de tirar a cera quente e tu fica suspirando por aquele boiola.
-Não me interessa se ele é machão ou não, só acho ele bonito, só isso.
-Sempre essas bichonas. Que nem o vampiro viado do Crepúsculo, o cara disse que é alérgico a vaginas e tu acha ele o ó do borogodó. Outro tremendo bicha. Uma baitola, e tu suspirando, achando ele gato e não sei mais o que. Fala sério.
-Amor...
-Quê.
-Eu te acho bonito, também. Tu quer me confessar alguma coisa?
-Cala a boca.
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-Ai, tá doendo.
-Calma, relaxa que a dor passa.
-Não, tá doendo muito.
-Tá, mas tu tem que ficar parada, se tu fica te remexendo toda aí mesmo é que machuca.
-Mas como - Ai!- Como que eu vou ficar parada com esse troço enfiado?
-Tá, então - Peraí. -Fica quieta um pouco pra eu poder tirar.
-Tira logo, tá doendo muito.
-Tô tirando, pera só um pouquinho.
-Fácil pra ti falar, tá dentro de mim.
-Tá quase saindo, quase saindo..
-Ai, tira logo!
-Saiu.
-Aaaaaaah.
-Pronto. Agora vê se aprende á tirar farpa do dedo, escandalosa.
A maldade está nos olhos de quem lê.
quarta-feira, 7 de julho de 2010
Enganos.
Ela sentiu, em meio a todo o burburinho da multidão na casa noturna, a despeito de todo o ruído que o Black Eyed Peas fazia nos auto-falantes ensurdecedores, ela sentiu uma presença cada vez mais próxima.
Ela percebeu, de imediato, alguém se posicionando atrás dela. Era alguém, muito provavelmente um homem, que parava atrás, dela, perto demais para ser apenas alguém querendo entrar na fila do bar.
Ela congelou, por um breve instante, pensando se deveria virar sobre o salto de seus sapatos e enxotar o metido, mas a verdade é que ela meio que gostou daquela proximidade, o homem atrás dela cheirava bem, e ela estava, a bem da verdade, precisando de uma presença masculina.
Talvez o destino tivesse colocado aquele assanhado ali, atrás dela, na fila do bar naquela noite. Uma noite em que ela se sentiu tão sozinha que vestiu uma blusinha preta, jeans apertados, calçou salto alto e encheu o cabelo de gel para ir à uma casa noturna, pra ver pessoas, dançar, e, com mil demônios, por que não? Encontrar alguém com quem dividir alguns descartáveis momentos prazerosos.
Mas não era do feitio dela fazer aquilo, e as últimas duas horas vinham sendo um tremendo saco.
Ela ficara a noite toda indo da pista para as mesas, sem falar com ninguém, e dançara, com entusiasmo, apenas umas duas ou três músicas entre todas as porcarias que tocaram. Agora, quando decidira tomar uma água mineral, aquilo acontecia. Ela não sabia como encarar. Então aconteceu:
Ele mordeu ela, ali, naquela parte em que o pescoço junta com o ombro. Foi uma mordida de leve, fraquinha, não doeu, apenas fez cócegas quando ele agarrou a pele dela entre os dentes, e ela sentiu a região se repuxar de leve, mas ele largou antes mesmo de ela saber se era dor o que sentia.
Ela gostou daquilo, fez ela se sentir bem, como a fez sentir bem quando ele a envolveu pela cintura com os braços e encostou seu corpo bem apertado no dela, e ela sentiu sua respiração na nuca, e seu hálito quente remexendo-lhe os cabelos.
Ela poderia passar muito tempo como estava. Na certa iria querer mais após algum tempo. Iria querer estar á sós com ele, travar contato íntimo, saber se ele podia ser delicado e firme como estava sendo quando a mordia e abraçava com ternura e decisão, e se podia ser infantil e sexy como era quando a mordia na nuca. Ela sabia tudo o que era capaz de realizar. Ah, sabia. Não era uma desfrutável, mas tinha alguma experiência em atividades de alcova. Sabia o que tinha a oferecer, e confiava em suas habilidades. Podiam se dar bem, muito bem, ela só precisava daquilo, de um empurrão, para se tornar a mulher que queria ser, para dar a ele o que ele queria, retribuir aquilo que ele oferecesse a ela.
Ela se virou, e o olhou nos olhos. Ele, com os cabelos escuros em desalinho, a pele alva, a encarou por um instante com os olhos castanho-escuros fixos nos olhos verdes dela. Ele titubeou por um instante, e finalmente abriu a boca para falar.
"Sim.", ela ensaiou em sua mente. "Sim.", "Mil vezes sim!", ela responderia á qualquer coisa que ele dissesse.
-Bah, desculpa.... Olha, foi mal, viu, mal mesmo. Nossa, que vergonha, pensei que fosse a minha namorada. Olha, desculpa, mesmo, tá? Foi mal.
Ele saiu desatinado pelo salão da danceteria, com o rosto enrubescido de vergonha, andou alguns metros e achou uma moça, mais ou menos da mesma altura que ela, cabelos igualmente escuros e encaracolados, era mais nova, e tinha o rosto bem diferente, também usava blusa preta e jeans. Ele abraçou ela, escondendo o rosto no pescoço dela, então, a apontou, e ambos acenaram para ela, ele com um sorriso amarelo e a moça rindo muito.
Ela acenou de volta, sorrindo de maneira fingida, então virou-se de volta para o balcão e gritou:
-Uma dose de vodka. E rápido, por favor.
Estava arrasada.
terça-feira, 6 de julho de 2010
Dias
Ele sabe que a ama. Isso basta? Será que amar apenas basta? E se basta, será que basta, pra ela, o amor que ele tem á oferecer? Ele inadequado, incompleto, distante. Quererá ela ser amada por ele?
Ele, que pouco ou nada tem de cálido para oferecer, ele com sua frieza distante, com suas faces múltiplas e com sua distração perene. É de qualquer valia ser amada por ele?
Ele não sabe. Se mantém á distância. Acena aqui e ali, em breves intervalos que faz quando ousa sair de sua carapaça como uma tartaruga proverbial, devagar e sempre, mas sempre e devagar para onde? Para onde ele vai? Para onde quer ir? Quer ir, enfim, á algum lugar?
Nesse mundo cão, tão repleto de horrores diários, roubando de cada um de nós a sensibilidade, a chance, a faculdade de ser tocado seja pelo que for, seja quando for, será que se pode sonhar em ir á algum lugar, será que podemos almejar chegar á algum lugar, ou devemos apenas nos conformar com o fato de que não navegamos à parte alguma, estamos apenas á deriva e podemos apenas lutar e agradecer á Deus, se existe algum, pelo fato de permanecermos á tona ao custo de uma peleja que nos endurece e gela á cada hora de cada dia?
Se há destino, qual será o dele? Se não há destino exceto aquele que construímos, que destino ele tem condições de contruir para si? E que direito ele tem de trazer alguém para dividir esse destino com ele? Nesses dias sombrios, e nos dias mais sombrios que virão, quem sabe por que dificuldades todos irao passar? Quem sabe o que reserva o futuro?
Ele quer ir á agum lugar? Quer estar em algum lugar?
Sim. Aos braços dela, na presença dela.
Mas roubar-lhe a paz, trazê-la para a sua turbulência particular... Não parece certo, não parece direito.
E ele segue, curvado ante o peso da solidão, abraçado á própria prudência, sob a sombra de um amor que pode ser... Pode ser que não...
Dá-lhe Brasil!
Ressaca de eliminaçao de Copa do Mundo... Sério? Alguém, de fato, sofre com isso?
Francamente, eu não sou um dos seguidores dessa nova corrente que acha "cool" torcer contra a Seleção Brasileira. Normalmente ela passa despercebida pra mim. Vou lá, assisto os jogos, quase nunca me sento e torço pra Seleção como torço pro meu clube do coração, mas jamais seco o Brasil (Exceto na Copa de 2006, sou fã do futebol do Zidane e queria ver ele fazer patê da Seleção de festeiros do Parreira.), nessa Copa, porém, resolvi, em solidariedade ao Dunga, torcer pro Brasil.
Dunga, pobre homem, que foi a Geni da imprensa esportiva Brasileira antes, durante e (principalmente) depois da participação Brasileira na Copa, e que, em mais de uma oportunidade, pra ira dos jornalistas, devolveu cara-á-cara nas coletivas, a hostilidade que lhe era dispensada desde 1990 em todos os veículos da mídia. Enfim, torci pra Seleção por causa do Dunga, e também por que sou um cara que admira tabus futebolísticos, e queria manter a escrita de que o Brasil é a única Seleção á vencer uma Copa fora de seu continente, tabu que, por culpa do ganês Gian (Jian, Gean?) e do seu pé torto na hora de decidir a classificação com o Uruguay, vai cair inevitavelmente.
Enfim, torci pro Dunga, torci pra essa nossa Seleção de operários, carregadores de piano, e de jogadores arroz-com-feijão e qualquer outro bordão esportivo que sirva pra designar o atleta menos qualificado técnicamente, comemorei os gols e lamentei a desclassificação pra Holanda.
Fiquei contrariado com os repórteres que seguiam cobrando as presenças de Ronaldinho Gaúcho (mico de circo, ex-jogador de futebol.), Neymar (Queria ver o Neymar jogando contra a defesa da Costa do Marfim.) e Ganso (Sério? O Ganso que desapareceu nos torneios de Seleções de Base do ano passado?) e me revoltei com manifestações como a de Fausto Silva, bufão dominical, contra o treinador do Brasil.
Mas, francamente, ressaca pela eliminação? Pessoas revoltadas, chorando, vertendo lágrimas por causa de um jogo de futebol? Sério? Não existem coisas mais importantes? Sei lá... Tem eleições em outubro, parece chover no molhado, eu sei, o lance é que toda a vez que tem Copa do Mundo tem eleições no Brasil, e o pleito acaba eclipsado pela escolha do novo treinador, primeira convocação, primeiro jogo, e problemas muito mais sérios são superados por uma coisa que, pra todo mundo que não está envolvido profissionalmente, é entretenimento.
Enquanto todos os setores da imprensa e da sociedade miram suas metralhadoras giratórias no Dunga e no Felipe Mello, Gilmar Mendes, do STF dá uma liminar pra Heráclito Fortes burlar a lei da ficha limpa e se eleger de novo. Vocês eu não sei, mas Heráclito Fortes me revolta muito mais que Felipe Mello.
Pense nisso.
sábado, 3 de julho de 2010
Resenha DVD: Legião
Foi lá pelo final do ano passado que vi o trailer de Legião e pensei:
Caraca, que bacana, esse filme vai ser maneiraço!
O filme, cuja produção eu vinha acompanhando a algum tempo, criava a sua história em cima de uma obscura profecia que dizia que Deus perdera a sua fé nos homens e enviaria suas tropas celestiais à Terra para dizimar essa humanidade tão estragada (E quem pode culpar o Homem, né?).
O mote era bacana, e o elenco maneiro, encabeçado por Paul Bettany, de quem sou fã desde que o vi roubar acena do falecido Heath Ledger em Coração de Cavaleiro, e que ainda tinha Dennis Quaid, Lucas Black e Tyrese Gibson.
Enfim, fiquei esperando pelo filme, descobri, em fevereiro desses ano, que ele seria lançado no Brasil direto em DVD, o que aconteceu, se não me engano, entre maio e junho, e, desde então, tento, sem sucesso, colocar as minhas garras nele, mas é difícil de encontrá-lo na locadora, outro bom sinal.
Ontem, finalmente me deparei com Legião, e consegui levá-lo pra casa. Resultado?
Bueno, pode-se dizer que a minha expectativa sobre o filme (Primeira aventura do supervisor de efeitos especiais Scott Stewart na direção.) tenha sido demasiada, mas, acho que não.
Senão vejamos. O filme narra a história de como Michael, o nosso conhecido São Miguel Arcanjo (Preguiça de traduzir o nome do arcanjo mais fodão da mitologia Cristã, hein ô?), desobedece ao Todo-Poderoso quando Este o envia à Terra para matar um bebê que pode garantir a sobrevivência da humanidade, tipo uma segunda vinda de Cristo.
O problema é que, ao desobedecer Deus, Miguel coloca á si e á criança que deseja proteger, na mira de uma legião de possuído (Por anjos, não por demônios.) e de Gabriel (Já notaram que Gabriel é sempre o Anjo malvado nesse tipo de filme? Em Constantine era a mesma coisa...).
Destituído de suas asas, Miguel se arma com metrancas, pistolas, bazucas e facas para proteger o bebê, ainda no ventre de sua mãe, Charlie, uma garçonete que trabalha em um restaurante na beira do deserto, onde eles são acossados pela ira do Senhor.
A premissa é excelente, podia ser um tremendo filme, com o elenco que tem, e o mote que tem, se houvessem um bom roteirista pra lapidá-lo e um diretor com mão firme pra realizar, tinha tudo pra ser um filmão. Infelizmente, o diretor faz uso de pirotecnia e tiroteios em excesso, e apóia o seu filme em frases de efeito (Algumas recicladas como "Eu nem acredito em Deus." "Tudo bem, Bob, ele também não acredita em você.", semelhanças com a frase de Constantine àcerca do Diabo?) e sequências de ação, ás vezes nem tão boas.
No final das contas temos um elenco promissor, e uma história promissora em um filme que de médio não passa, e que ainda tenta, no final, deixar brechas pra uma continuação que, se Deus quiser, não verá a luz do dia.
Espere ele passar na TV á cabo, ou assista Constantine ou Dogma de novo. Vale mais á pena.
"-Você quer ser o filho que dá ao Pai o que ele pede ou o que Ele precisa?""
sexta-feira, 2 de julho de 2010
Alarde.
Heitor acordou sentindo os olhos grudentos. Esfregou eles com força, e sentiu sua cabeça doer. Era dia claro, mas ele não fazia nem a mais remota ideia de que horas poderiam ser. Tentou lembrar se era sábado ou domingo. Mas não terminou o raciocínio, lembrou-se por que bebera tanto na noite anterior. Karine. Sua ex-namorada, que o abandonara na frente de casa, após ele apanhá-la no trabalho. A vadia o fizera andar até o trabalho dela, e então até a sua casa, para só então dispensá-lo. Aquela vaca sem coração. Por que não ligara, ou melhor ainda, por que não mandara um SMS? Seria melhor do que usá-lo como guarda-costas naquela boca brava em que morava. Imagine se ele fosse assaltado após um pé-na-bunda? Além do pé-na-bunda, doloroso por si só, ainda poderia ter sido assaltado e aviltado de suas posses. Poderia ter sido baleado, imagine.
Karina, a vaca de sangue frio.
Ele resolveu afogar as mágoas, afogar como jamais afogara antes. Foi para a primeira casa noturna que encontrou e bebeu, bebeu como se não houvesse amanhã, bebeu á ponto de seu fígado lhe enviar um memorando perguntando se estava tudo bem. Heitor bebeu. Dançou, também, ele que nunca dançava, pois Karina não deixava, dizia que ele dançava mal, que ficava ridículo, pois dane-se, Karine, Heitor dançava, dançava como um Fred Astaire com labirintite, mas dançava, e estava feliz.
A noite era um borrão, ele lembrava de ter beijado alguém, e lembrava de ter sentido nádegas em suas mãos. Sim, Karine, Heitor aproveitara a noite do pé-na-bunda como aproveitara poucas durante o relacionamento que partilharam, "ah,ah,ah,ah,ah,ah!", ele pensou em gargalhar como vilões de filme B.
Karine precisava ficar sabendo, precisava ficar sabendo que ele não estava morto, que apenas poucas horas após ela abandoná-lo de forma sub-reptícia e vil, ele já estava vivendo novamente, e bem!
Mexeu-se na cama, e notou que estava nu. Se perguntou se vomitara e por isso tirara as roupas. Foi quando sentiu o toque do látex em seus genitais, e percebeu que usava um preservativo.
Seria possível?
Heitor não apenas beijara e segurara nádegas entre suas mãos, mas também mantivera intercurso? Que palavra idiota, ele pensou. "Intercurso". Comera alguém, sim, assim soava melhor, mais despojado. Ora, intercurso.
Sim, ele comera alguém. Karina precisava saber daquilo. Ela ficaria arrasada ao perceber que Heitor tinha tantas possibilidades quanto haviam estrelas no céu, ele a escolhera apenas por gostar dela, e a vaca o apunhalara pelas costas como uma víbora!A imagem de uma serpente manuseando uma adaga não lhe convenceu, mas enfim, ele achou a figura de linguagem válida.
Ouviu um suspiro atrás de si, virou-se para ver sua amante.
Era um cavalheiro. Um senhor de aproximadamente 50 anos. Grisalho, de bigodes. Dormia profundamente, quase roncando.
Heitor sentiu o sangue gelar em suas veias. Quis gritar e sair correndo, mas achou melhor manter o silêncio.
Karine não precisava saber de nada. Ele não era de ficar alardeando suas conquistas, de qualquer forma.
quinta-feira, 1 de julho de 2010
Resenha Cinema: Kick-Ass - Quebrando Tudo
Ontem corri pro cinema e peguei uma sessão das cinco da tarde de Kick-Ass - Quebrando tudo, antes que vampiremos e ogros dominassem todas as salas de cinema de Porto Alegre e eu tivesse que esperar até o lançamento do DVD pra conferir a adaptação da graphic novel de Mark Millar e John Romita Jr. que descontrói a figura do super-herói.
Também era uma boa chance de assistir mais um filme de Matthew Vaughn, o ex-produtor dos filmes britânicos de Guy Ritchie, e diretor de Nem Tudo É O Que Parece e Stardust, que fugiu de X-Men 3 e Thor, e que agora deve dirigir X-Men First Class pra FOX (Se não resolver escapulir alguns meses antes das filmagens.).
O filme, como a HQ, narra a história de Dave Lizewski (Aaron Johnson), um nerd, órfão de mãe, e aluno do ensino médio que resolve se transformar em super-herói.
Como no quadrinho, Dave não possui nenhuma espécie de super-poder, tampouco habilidades especiais de luta, ele é apenas um moleque com muita boa vontade e ingenuidade de sobra, que acredita que boas intenções, um traje colorido e um par de porretes o tornarão um combatente do crime.
O caminho trilhado por Dave é repleto de percalços (surras, facadas e atropelamentos estão no menu), mas, a adrenalina de ser um super-herói, popular, campeão de acessos no youtube, defensor dos fracos e oprimidos o ajudam á superar a dor, e Dave mantém a identidade e as atividades de Kick-Ass, seu codinome.
Ele ainda inspira outros wanna-be (É assim que escreve?), como Red Mist (Christopher Mintz-Plasse, o McLovin de Superbad), e faz seu caminho se cruzar com o de vigilantes de verdade, como a insólita dupla Hit Girl (Chloë Grace Moretz, genial, a filha que todo nerd pediu á Deus) e Big Daddy (Nicholas Cage, maneiro, se divertindo á valer brincando de Adam West), e com o mafioso Frank D'amico (Mark Strong, competente), que tranforma todos os mascarados de Nova York em alvo.
O filme é divertidíssimo, e a história de Kick-Ass, repleta de referências ao cinema, á tecnologias como youtube, i-phone e com cenas de luta extremamente violentas e movimentadas cai como uma luva no cinema, que ainda ganha com o enquadramento e a trilha sonora, que nos quadrinhos, não existem. As sequências de luta estreladas pela Hit-Girl são simplesmente brilhantes, o protagonista, Aaron Johnson, convence como adolescente nerd, e não dá pra não sentir a empolgação dele em certas sequências, mas o filme tem lá seus defeitos, e são, justamente, nos pontos em que difere do quadrinho.
A origem de Big Daddy e Hit Girl era mais interessante no quadrinho, eu gostava do mistério que cercava Red Mist no gibi, e curtia o peso que esse mistério dava á sequência do incêndio, ao identificar para o público, e até para Dave, Red Mist como parceiro de Kick-Ass, isso se perde no longa.
Há ainda a alteração da sequência em que Kick-Ass e Big Daddy estão aprisionados, que, no filme, dá muito mais destaque á Hit Girl e seu pai, tirando os holofotes do personagem principal, que, meio que pra compensar, ganha uma participação pirotécnica e exagerada no embate final com D'amico. E, na minha opinião, o ponto mais baixo do longa, que foi o final "Tudo no lugar", outra vez, diferente do gibi.
Por que raios Vaughn, que brigou com todos os estúdios dos EUA pra rechear o filme com a violência explícita e os palavrões cabeludos que queria, se sentiu na obrigação de remover todo o cinismo e pessimismo do final, que apresentava exatamente essa inversão que Kick-Ass tinha com relação aos desfechos super-heróicos tradicionais, dando ao protagonista um "final feliz" à moda hollywoodiana? Consciência pesada por colocar uma guriazinha de onze anos á falar como um estivador e disparar armas como se fosse chow yun-Fat nos filmes de John Woo? Vacilou, Matthew.
Enfim, são pormenores que podem incomodar nerds xaropes como eu, mas devem passar despercebidos ao público em geral, que deve até preferir o final do filme em comparação á HQ. Em suma: Assista se tiver chance, é divertido, movimentado, e mesmo a violência de que muita gente reclama, é usada como ferramenta de diversão.
Esse filme pode não ser perfeito, mas chuta bundas.
"-Como eu falo com vocês?
-Entre em contato com o escritório do prefeito. Ele tem um sinal especial que brilha no céu, é em forma de uma pica gigante."
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