Bem vindos a casa do Capita. O pequeno lar virtual de um nerd à moda antiga onde se fala de cinema, de quadrinhos, literatura, videogames, RPG (E não me refiro a reeducação postural geral.) e até de coisas que não importam nem um pouco. Aproveite o passeio.
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quarta-feira, 21 de julho de 2010
Rapidinhas do Capita
Ele a encarou por um instante que pareceu durar séculos. Ela estava próxima, muito próxima. Ele sabia que bastaria erguer o braço, e ele a alcançaria, poderia tocá-la, sentir seu cheiro e seu sabor. Ele poderia saciar o desejo que tomava conta de seu corpo, aliviar-se antes que aquele desejo passasse a ditar suas ações.
Sim.
Bastava uma palavra, talvez um gesto, e ele iria possuí-la, ou, talvez, ela fosse possuí-lo, afinal, era uma comunhão, uma relação em que ambos seriam possuidores e possuidos. E ele ansiava por essa comunhão, ele mal podia resistir.
Ele sabia que era errado, sabia que as consequências não seriam agradáveis, mas o prazer que ela proporcionaria á ele, por fugaz que fosse, valia os riscos, valia qualquer risco. E ele faria qualquer coisa para tê-la consigo.
Esticou o braço e disse ao sujeito atrás do balcão:
-Me vê aquela empada ali, ó.
Suas coronárias, sua esposa e seu cardiologista diriam que ele era um louco, mas poucos segundo depois, quando ele sentia a massa dissolvendo-se em sua língua e mastigava o queijo e o frango temperados, não ligava para nada, e poderia morrer feliz.
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Sandra sentou frente á frente com Alcebíades. Ela o mediu de costas, quando entrara no restaurante, ele, de fato, tinha cabelo castanho, como sua foto mostrara, e, de fato, parecia ter mais de 1,80m, como dissera no chat.
Era o primeiro encontro ás escuras de Sandra, mais que isso, o primeiro encontro que ela marcara pela internet. Ela nem sabia se deveria ter ido, conversara com o sujeito uma dúzia de vezes no chat, outras tantas por MSN, três ou quatro por telefone, e agora ali estava ela, de salto alto, maquiagem, vestido preto mezzo provocante, mezzo comportado, cabelo com gel e tudo mais a que tinha direito indo encontrar um sujeito que se chamava Alcebíades.
Ele se levantou quando ela chegou, se cumprimentaram com simpáticos beijinhos no rosto "três, pra casar." ele disse quando ela fez menção de parar no segundo. Bonitinho, algo infantil, algo tia velha e gorda, Sandra achou simpático e pitoresco vindo de um homem de trinta e poucos anos.
Alcebíades era exatamente como na foto. Claro, mandara pra ela três ou quatro fotos bem escolhidas, seus melhores ângulos, provavelmente, lhe favoreciam mas não faziam milagres. Ele era um sujeito comum. Não era particularmente bonito, mas tinha cabelo em toda a cabeça, era mais alto que ela, não era um gordão, embora estivesse alguns quilos acima do peso, e, enfim, chamava-se Alecebíades.
Esse nome, pensou Sandra, era um tipo de crachá pra um homem sério. Um homem que seria bem quisto na vizinhança, um homem que poderia ser o sustentáculo moral de uma família. Ele ensinaria seus filhos a tomarem decisões sábias e sensatas, seus netos viriam á ele em busca de conselho. No futuro seus bisnetos e tataranetos, quando titubiassem ante uma decisão particularmente difícil, se perguntariam "O que o vô Alcebíades faria numa situação dessas?", e somente então escolheriam o rumo a tomar.
Sandra achava que Alcebíades ensinaria os filhos a fazerem nós e usar a bússola, que mostraria á eles como sobreviver em situações extremas com acampamentos. Ela poderia não ter paixão em um relacionamento com Alcebíades, mas certamente teria segurança, e, com mil demônios, aos trinta e dois anos, solteira e sem achar ninguém por quem se interessasse de verdade, Sandra estava disposta a aceitar segurança em detrimento de todo o resto.
-Boa noite. - Disse ela.
-Melhor agora. -Ele respondeu.
Conversaram animadamente. Ele era meio aborrecido de vez em quando, mas ela não se importava. Lá pela sobremesa, porém, ele falou:
-Olha, preciso te dizer uma coisa...
-Fala.
-E sobre o meu nome...
-O que tem ele?
-Na verdade... Olha, é uma bobagem eu devia ter contado antes, mas fiquei com vergonha, enfim... Olha, eu não me chamo Alcebíades, me chamo Carlos. Carlos Eduardo. Meus amigos me chamam de Cadu. Todo o resto é verdade. Mas Alcebíades é só um nick, meio besta, eu sei, mas foi o que me ocorreu no chat quando pensei em um nome pra não em expôr demais, então... É isso. Te desapontei?
-Não... Não, imagina, que bobagem. Carlos Eduardo, então?
-Ou Cadu.
-Cadu.
Ela e ele passaram a noite conversando, depois do jantar foram ao cinema, e mais tarde ele a deixou em casa. Ela foi natural e agradável a noite toda, mas quando ele perguntou se podiam se ver de novo na sexta ela mentiu que estaria ocupada, ele insistiu no sábado, mas ela disse que tinha que pagear as primas que chegariam do interior, mas que ligava pra ele e marcariam algo pra semana seguinte.
Ele foi embora, e ela, ao entrar no prédio, colou as costas na porta e suspirou fechando os olhos.
Nunca mais se viram.
Carlos Eduardo... Cadu, tanto fazia. Ela poderia encarar uma dose de chatice de um Alcebíades, mas de um Cadu nem morta.
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Seus textos são ótimos e a história da empada realmente me surpreendeu.
ResponderExcluir''O que o vô Alcebíades faria numa situação dessas?'' Para, ''O que o avó Carlos Eduardo faria numa situação dessas?'' Realmente tem muita diferença. Sandra teve razão em rejeita-lo. :)