Bem vindos a casa do Capita. O pequeno lar virtual de um nerd à moda antiga onde se fala de cinema, de quadrinhos, literatura, videogames, RPG (E não me refiro a reeducação postural geral.) e até de coisas que não importam nem um pouco. Aproveite o passeio.
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quarta-feira, 13 de abril de 2011
Comunicação (Ou a falta dela)
O Antenor e a Dorotéia estavam naquela fase do casamento em que, surpresa, era se ele segurasse a porta pra ela entrar no restaurante. Surpresa, era se ela não estivesse usando calça de moletom cinza com elástico nos tornozelos quando ele chegasse do trabalho. Surpresa, era se ele dissesse "Oi, meu amor! Tudo bem?", e não "Tem cerveja? Bota no 39 pra mim?" quando entrasse em casa. Surpresa era se ela lhe desse um beijo de boa-noite, ao invés de cair na cama já roncando apesar do dilatador nasal.
A certa altura, esse distanciamente era esperado, até normal, os filhos, em plena criação, demandavam muito da atenção do casal, restando menos para eles dividirem um com o outro.
O problema é que Antenor e Dorotéia já tinham os filhos criados, o Matheus e a Sônia, o guri, mais novo, havia ido fazer um embiei (Não entrava na cabeça da Dorotéia que era "MBA" em inglês) no Canadá, se apaixonou por uma americana e já discutiam a possibilidade de juntar o trapos e viverem lá, e a Sônia passara em um concurso da Petrobrás e fora morar na Bahia, onde Antenor avisou que jamais colocaria os pés, de modo que ou ela vinha visitar os pais nas férias, ou dava um computador com banda bem larga pra ele falar com ela por MSN, ou então só o veria por fotos. E, mesmo assim, depois de terem os filhos criados e encaminhados, eles continuaram afastados, como se tivessem desaprendido alguma coisa.
Isso entristecia a Dorotéia, que lembrava do Antenor garotão, um poço de presença de espírito, irônico, meio sarcástico acabando com a vida dos professores do colégio onde haviam estudado juntos com suas observações perspicazes á respeito da matéria ensinada. Ela achava o máximo. Achava o máximo, também ele não ser um desses CDFs que usam a personalidade e a inteligência pra se defenderem do mundo, não... Antenor era atlético, jogava futebol, corria, fazia parte do time de marcha-atlética do secundário. Ela ainda lembrava de quando se beijaram pela primeira vez, ele, a segurando pelo pescoço na parada do ônibus, fingindo esganá-la em alguma brincadeira boba, de repente perguntou, "tá machucando?", e, ao ouvir que não, colou seus lábios nos dela, e perguntou "E agora?", e ao ouvir nova negativa, a beijou de verdade. De língua e tudo, imagine, logo de cara assim... Naquele momento ela soube, sempre iria querer aquele sujeito audacioso ao seu lado.
Dorotéia suspirava e se perguntava onde fora parar aquele Antenor.
Com Antenor não era muito diferente. Ele lembrava da Dorotéia. Que chamava mais atenção que qualquer outra das meninas do colégio sem apelar pra aqueles macetes idiotas que todas as outras usavam. Jamais vira Dorotéia fazer nenhum movimento vulgar, jamais a vira agir feito idiota, nem leiloando sua atenção como tantas outras faziam. Oh, não. Dorotéia era senhora de si. Ela, com seus cabelos castanhos bem lisos, com seu batom claro, com sua sobriedade, era dona de todas as salas onde entrava. Os guris não tinham olhos pra nenhuma outra, eram incapazes de tira os olhos dela na aula de educação-física, quando ela, com seu sorriso de comercial, suas calças legging e polainas de lã hipnotizava a todos com suas formas ágeis. Ele, ainda hoje não sabia duas coisas. De onde ele arrancara coragem para beijá-la naquela vez, na parada de ônibus, e o que ela vira nele.
E assim, os dois seguiam, tão próximos uma vez, tão distantes agora.
Até que Dorotéia resolveu que precisava fazer alguma coisa. Tentar reavivar aquele sentimento que existira entre os dois.
Ela resolveu fazer, em segredo, aulas de pole dance. Achou que, como ainda era uma mulher ágil e esguia, poderia dar-se ao luxo de fazer um agrado ao marido, mexer com suas fantasias sem parecer uma salcicha bock de lingerie. E poderia, era bonita, ainda mantinha muito da estampa dos tempos de colégio á despeito dos mais de trinta anos que haviam se passado.
Dorotéia foi religiosamente às aulas de pole dance, treinando inclusive em casa, durante a faxina, alguns movimentos pélvicos que pareciam mais desafiadores. Pintou o cabelo de um louro cinza que lhe caiu muito bem, tentava caprichar um pouco mais na roupa, evitando as calças de moletom com elástico no tornozelo, por exemplo.
Acabou que, Dorotéia, tão concentrada que estava na própria repaginação (ela odiava essa palavra, mas enfim...), acabou percebendo quase de sopetão, que Antenor também estava meio diferente.
Chegava atrasado do serviço duas, três vezes por semana. De repente, aos sábados, arrumou um futebol com "a velha turma", que convenientemente lhe tomava a tarde inteira. Perdeu peso, comprou camisas novas que fugiam do padrão branco com listras, e até perfume andava passando.
Se Dorotéia estava desconfiada, acabou engolindo as próprias incertezas para se dedicar ao seu plano. Estava quase dominando a arte do pole dance, era apenas questão de não ficar procurando pêlo em ovo e se concentrar no que fazia. Traria o velho Antenor de volta.
Após mais de dois meses de preparo, Dorotéia finalmente tinha tudo pronto. Pediria o poste portátil da professora emprestado, oferecera-se para alugá-lo, mas a instrutora, admirada com a dedicação de Dorotéia falou que o seu poste portátil precisava vê-la dançar pro Antenor, já que ela própria não poderia.
Dorotéia comprou uma lingerie sensual, sapatos de salto alto combinando, e uma lâmpada vermelha pra colocar no abajour na hora do show, fez depilação com cera em um instituto de beleza, e não em casa com Vit como fazia sempre. Cortou o cabelo, comprou uma maquiagem bonita, após experimentar trinta outras, e apenas então deu-se por satisfeita.
Com tudo pronto, chegou à conclusão de que o ideal seria fazer seu pequeno espetáculo pro Antenor na sexta-feira, pois tinha esperança de passar uma boa parte da noite em claro.
Sexta pela manhã, entrou no banheiro para perguntar ao marido se ele chegaria cedo. Pensou em sugerir, com fingido desinteresse, que ele comesse bastante carne vermelha naquele dia para que não houvesse necessidade de nenhum aditivo químico à performance dele. Mas aí, o choque. Antenor estava de pé na frente do espelho do banheiro, cortando os pêlos do nariz com uma tesourinha mínima, daquelas próprias para isso.
Ela o olhou sem palavras por um momento, até que ele perguntou:
-Que foi, nêga?
Dorotéia levou uma fração de segundo de boca aberta para finalmente articular:
-Tu vai chegar cedo em casa, hoje?
-Não, não... Tenho reunião. Vou chegar lá pelas nove, nove e pouco. Por quê?
-Nada, não...
Dorotéia saiu enfurecida em direção ao quarto. O calhorda do Antenor certamente tinha uma amante. Era óbvio. Ele jamais ligara para os pêlos do nariz. Mesmo com ela chamando sempre a sua atenção. Agora os caçava metódicamente, um por um, com tesoura especial, embaixo da lâmpada do espelho do banheiro. Era bem feito pra ela. Que se dera ao trabalho de pensar em reavivar alguma coisa com aquele pulha sujo. Ela estava velha, e acabada, ele não iria querer nada com ela. Tinha a trocado por duas de vinte, via uma na segunda e na quarta, e a outra na quinta e no sábado.
Não respondeu quando Antenor lhe deu tchau ao sair de casa. Á tarde jogou no lixo a lingerie sensual. Guardou os sapatos por que tinham sido caros, e a maquiagem por que tinha gostado muito. Na segunda devolveria o poste portátil à professora. O guardaria em algum lugar onde Antenor jamais ia, à área de serviço, por exemplo, lá ele passaria despercebido. Depois de chorar muito a tarde inteira, resolveu se ocupar, e fez uma faxina de proporções épicas na casa.
Á noite, quando Antenor chegou dando um sonoro "Alô.", Dorotéia mal respondeu. Estava de calças de abrigo com elástico no tornozelo, fazendo faxina na cozinha.
-Nêga, o que tu quer fazendo faxina à essa hora?
-Foi quando deu. Não pisa aí com os pés sujos da rua que eu recém limpei.
-Não quer tomar um banho, se arrumar e sair pra desopilar um pouco?
-Não. Tô cansada. Vou terminar aqui, tomar banho e dormir.
-OK. - Aquiesceu Antenor.
Ele saiu da cozinha, foi até o corredor do pédio, abriu a lixeira na escada e jogou fora os ingressos pro cinema que tinha comprado, e também as flores. Se encostou na parede com as mãos nos bolsos da calça se perguntando se Dorotéia teria um amante. Ele, a princípio, achou que ela pudesse andar se exercitando, cuidando da aparência e tudo mais por sua causa. Até começou, em segredo, á frequentar a academia, três vezes por semana, encontrou alguns amigos de antigamente que ainda jogavam futebol em um parque do Centro aos sábados, e começou a jogar com eles, também. Resolveu se cuidar pra não parecer pai de sua esposa, tão linda, que rejuvenescera dez anos de cabelo cortado e pintado. Hoje, dera-se até ao trabalho de aparar os pêlos do nariz, como ela sempre pedia, pra não pagar mico no jantar que teria com ela depois do cinema. E agora essa... Ela limpando a casa de noite, cansada... Onde teria passado a tarde?
Dormiram sem falar no assunto, e estão infelizes até hoje...
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''Movimentos Pélvicos Desafiadores''. Não, Laís, não procure isso no google em horário de expediente.
ResponderExcluirAhahahahahahahahahahaha!
ResponderExcluirAguenta até chegar em casa, pelo menos, o que a Rosângela vai pensar? Partículas Pym, movimentos pélvicos desafiadores...