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segunda-feira, 11 de abril de 2011

O fim está próximo


Estava parado em uma esquina qualquer depois do trabalho. Era um desses dias de começo de outono, em que, apesar de estar calor, há um certo prazer em andar ou quarar no sol apenas para otimizar a potência da sombra próxima. Era o que eu havia feito. Caminhei no olho do sol, sem buscar abrigo na sombra das marquises que margeavam a rua. Fui sob o sol, antevendo a sombra de uma árvore na próxima quadra.
Cheguei à árvore da esquina, e me detive por alguns minutos enquanto conferia alguma coisa ao telefone. Ao meu lado, também na sombra, havia uma mulher de meia idade. Já tinha, por certo, idade para ter cabelos brancos, mas eles estavam metodicamente tingidos de um castanho acobreado. Ela usava um óculos de sol, desses com as pontas da armação reviradas vagamente pra cima, que era o modelo à qual minha avó costuma se referir como "óculos de gatinha". Ela usava uma blusa preta e uma calça jeans que só estaria apropriada se ela tivesse visto menos outonos. Ela usava sandálias prateadas com pedrinhas brilhosas nas tiras e carregava no colo um cachorro. Não sabia que cachorro era aquele. Não conheço a raça. Tenho aversão a cachorros pequenos, e o dela era pequeno. Pequeno o suficiente pra ser carregado no colo. Mais tarde, pesquisei no Google que cachorro seria aquele, e descobri que era um Lulu da Pomerânia. Fazia sentido. Até o nome era desagradável. O cachorro, tinindo de limpo, com o pelo alvíssimo no colo da mulher, tinha laços nas orelhas, lenço no pescoço, e calçava sapatos.
Sim. O cachorro calçava sapatos.
OK, pessoas são idiotas, eu mesmo tenho um cachorro e tenho ele em mais alta conta do que muitas pessoas que eu conheço, por isso, e também por que não quero acabar como aquelas pessoas com placas de "O Fim Está Próximo" penduradas no peito, tenho tentado relevar as coisas que considero cretinas. Ignorei, pois, a mulher, o cachorro, e os sapatos de ambos. Continuei cuidando da minha vida.
Foi então que se aproximou um homem, era humilde, trajava calças jeans surradas, chinelos, uma camiseta suja de tinta. Ele vinha andando e carregando consigo uma sacola de lona, e, por alguma razão, achou aquele abjeto animal no colo da mulher simpático. Ele ergueu a mão direita e acenou com o indicador para o cão, que, como qualquer cão, fez festa, abanando o rabo e se agitando no colo da dona. O homem, vendo que seu gesto fora bem recebido pelo animal, se aproximou com a intenção de acariciar o pêlo aparentemente macio do bicho.
Foi então que a mulher, em um ato quase automático, se esquivou, tirando o cachorro do caminho da carícia do sujeito, que olhou pra ela espantado e perguntou se o cão mordia.
-Sim - ela disse. - É uma fera.
A expressão no rosto do homem deixou claro que ele não acreditou que o cachorro era feroz. Deixou claro, também, que ele não era bem vindo ao espaço da mulher sequer para acariciar o seu animal de estimação. Ele suspirou, abaixou a cabeça, e disse "Tá bem", enquanto retomava o seu caminho.
A mulher, então, olhou pra ele pelas costas, e franziu o nariz com nojo. E virou-se pra mim, que olhava toda a cena, e fez uma expressão erguendo as sombrancelhas e abaixando os cantos da boca, como quem diz "Veja se eu posso...". Eu fiquei, confesso, sem ação. Aquele arremedo grotesco de pessoa me olhou procurando por apoio à sua ação? Aquela criatura me olhou e viu em mim, um igual? Se foi o que aconteceu, eu devia me sentir bem? Eu pensei em dizer alguma coisa. Juro que me ocorreram torrentes de insultos que quase nunca me passam pela cabeça. Eu pensei em lhe perguntar por que ela negara ao homem e ao cachorro o prazer do contato. Pensei em perguntar se ela achava que o homem, assim como, aparentemente, o chão, podiam causar algum tipo de dano ao seu cachorro. Mas tudo o que consegui fazer, foi fechar a cara o máximo possível, e balançar a cabeça da esquerda pra direita enquanto retomava o meu caminho.
Enquanto caminhava, conjecturei que era exatamente aquele tipo de coisa que me fazia perder qualquer tipo de esperança na raça humana. Não são as grandes tragédias. Não são os grandes massacres, as guerras ou as epidemias. Não são os gigantescos desvios de verba e os escândalos de corrupção de proporções bíblicas. Não. São as pequenas mesquinharias diárias de cada um. As maldades e baixezas mínimas. Aquela pequena gota de malícia e vilania que todos cometem daqui e dali.
É por isso que eu gostava de imaginar que há um fim próximo. É por isso que eu sentia um certo prazer sádico (talvez a minha parcela de malícia e vilania?) em acreditar em um fim de mundo, um armageddon, uma hecatombe da qual não haveria escapatória. É por que eu acho que a humanidade não merece o que tem. O tempo que tem, as oportunidades, o planeta... A humanidade não é digna disso tudo. Mas ultimamente, eu não me sinto mais tão ávido pelo apocalipse.
Acho que a culpa é tua, amor, e do que tu me faz sentir cada vez que eu ouço a tua voz, ou leio um recado teu...

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