Pesquisar este blog

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Influência



-Tâmo fodido, Pê Erre. - Disse o Everaldo sombrio enquanto largava mais um copo de cerveja vazio em cima da mesa. - Tudo fodido. - Completou, ainda.
-E por que tu chegou à essa conclusão, Everaldo? - Perguntou, a contragosto o Paulo Roberto, olhando em volta, já antevendo alguma bobagem.
-Tu viu TV na última semana, Pê Erre?
-Não. Mas tenho certeza de que tu viu.
-Eu vi. Vi sim, caralho. Alguém tem que se manter informado dessa porra toda...
-Mas TV não era um... Como tu chamava? "Veículo de desinformação idiotizando o povo para transformá-lo em massa de manobra de um complexo industrial maligno"?
-Então tu tava ouvindo, filho da puta, ainda bem. Prova que tu não é tão escroto quanto parece, ás vezes.
-Grato.
-Te fode. Mas tu viu ou não viu TV, caralho?
-Vi por cima. Não tenho saco pra TV, só uns noticiários.
-Então, porra! É dos noticiários mesmo que eu quero te falar! Qual a notícia mais mostrada ultimamente? Qual o lance que mais ocupa espaço na mídia?
-Aumento dos combustíveis?
-Não, porra, isso só aqui no Brasil, tô falando em termos globais, punheta.
-Não sei, não sei... A certidão de nascimento do Obama? O casamento real, lá na Inglaterra?
-Isso, caráleo! Isso! O casamento real! Tu consegue perceber o que tem por trás disso, Pê Erre?
-Bom... Pompa e circunstância, eu suponho... Aquecimento do turismo na Grã-Bretanha, interesse da população em geral, especialmente dos menos instruídos...
-Não, porra! Não! Quais os interesses implítiços, quer dizer, implítidos, Implícitos em tanta divulgação? Por que as redes de TV vão interromper seus noticiários pra mostrar a merda do casamento?
-Sei lá... Pra, caso o Bin Laden apareça de penetra eles possam mostrar ao vivo?
-Não Pê Erre! Não! Não, porra! Tu não vê? É pra valorizar a instituição casamento! Pra valorizar a porra da instituição família, Pê Erre! Pra fazer com que as pessoas se casem, caráleo!
-Então a família Real britânica quer que as pessoas se casem?
-Não, Pê Erre, deixa de ser burro, porra! A família Real é só joguete. O interesse é da mídia!
-A mídia quer que eu me case?
-Quer, Pê Erre! Quer! Eles querem que tu te case, que tu tenha uma caralhada de filho, que tu coloque eles todos na frente da televisão pra que eles também casem, e também tenham uma caralhada de filho, e assim sucessivamente enquanto eles enchem os bolsos com o dinheiro dos patrocinadores, que enchem os bolsos com o teu dinheiro de consumista desenfrado e burro em um círculo vicioso de interesses excusos onde tu, a Fátima e o Miguel não são nada além de gado!
-Quem é o Miguel?
-O dono da porra do bar, Pê Erre!
-E a Fátima?
-É uma porra de pessoa imaginária que se alinha na mesma categoria que tu e o Miguel, cacete!
-Bom, tua teoria não me parece factível. Por que eu tenho que ser casado pra consumir? Eu consumo sendo solteiro.
-É por que, casado, tu perde o livre arbítrio, Pê Erre! Casado tu te torna um zumbi! Tu vai estar sempre estressado, a tua mulher não vai querer dar pra ti e tu vai ficar irritadiço, vai procurar satisfação em coisas mais simples, como um cigarrinho, uma cervejinha, um aparelho de som, uma porra de um tênis cheio de mola no garrão...
-Eu já uso tênis com mola no calcanhar, é bom pra coluna uma barbaridade...
-Te fode, Pê Erre! Era um exemplo. Tô falando, o complexo idustrial maligno que rege o mundo te quer casado, casado tu tem que trabalhar mais, pra satisfazer as tuas necessidades básicas, fazer um agrado pra nêga véia e garantir o lado dos pirralhos. Casado tu concome mais e pensa menos, Pê Erre, por isso a insistência midiática com a merda do casório real!
-Se a TV me quer casado é só colocar uma Juliana Paes ou uma Cléo Pires sem roupa no meu caminho, é muito mais convincente do que mostrar o príncipe da Inglaterra se casando. - Disse Paulo Roberto, casualmente enquanto apontava o copo e a garrafa vazuios sobre a mesa.
-Mas não é pra tu ver, caráleo! É pras mulheres! Elas é que vão ver essa merda e depois vão sair pra rua com conto de fadas na cabeça e trouxas que nem tu na mira!
-Que nem eu?
-É, Pê Erre, me desculpa, mas tu é um trouxa no que toca às mulheres. Mulher faz o que quer de ti.
-Ah, faz mesmo. Melhor ser feito de gato e sapato pela mulherada do que envelhecer uma bicha enrustida que nem tu.
-Vai tomar no olho desse teu cu, Pê Erre.
O garçom depositou mais uma cerveja na frente de Everaldo e outra Coca-Cola na frente de Paulo Roberto.
Nisso, três moças entraram no bar, eram bonitas as três, entraram lépidas serpenteando por entre as mesas do bar até o balcão, onde abancaram-se lânguidas e pediram caipifrutas. Uma delas, de longos cabelos negros e felinos olhos castanho-esverdeados fitou Paulo Roberto.
A princípio ele suspeitou que não fosse com ele, mas apenas até dar-se conta que atrás de si não havia nada, senão a parede.
Encarou a mça de volta, primeiro sério, então, após alguns minutos, com um sorriso. Flertou com ela por alguns breves minutos, e surpreendeu-se ao perceber que era correspondido. Até que, uma das acompanhantes da moça deu um grito estridente e pediu que o Miguel aumentasse o som da TV atrás do balcão.
-Olha lá, Cândida!
A Cândida, a morena que flertava com Paulo Roberto olhou pra TV. Um noticiário mostrava magens do casamento de William e Kate. As três penderam a cabeça pra esquerda e fizeram "Óóóóóóóóóóóóiiiiinnnnn!" em uníssono.
Everaldo debruçou-se sobre a mesa e sussurrou em lá-lá-lás a marcha nupcial.
-Vai tomar no teu cu, Everaldo.
O Paulo Roberto nem sabia por que ainda andava com o Everaldo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário