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quinta-feira, 12 de abril de 2012
Nem Tudo
Quando criança o Alceu estudava em uma escola que ficava a uma distância razoável de sua casa. Não era como se fosse em outra cidade, mas era em outro bairro. Podia-se chegar lá relativamente rápido usando-se transporte público, a questão é que, nem sempre o Alceu tinha grana pra isso, de modo que ele ia, geralmente a pé, de casa à escola. Não era uma grande caminho. Coisa de vinte, vinte e cinco minutos de caminhada. Em seu itinerário o Alceu passava por uma área aberta, onde havia um monumento e geralmente alguns sem-teto acampados sob um viaduto próximo. Nessa área aberta, não era raro o Alceu se deparar com restos de sangue, e animais mortos, provavelmente fruto das caçadas noturnas dos cães que os mendigos criavam. Era difícil o Alceu não passar pelos restos mortais de um pombo, rato ou outros bichos de pequeno porte.
Uma manhã, porém, em um mês de agosto particularmente gelado, Alceu viu um animal maior morto. Ao aproximar-se impelido pela curiosidade infantil através da onda de mal-cheiro proveniente tanto da falta de higiene dos mendigos quanto do animal morto, deparou-se com um gato. Um gato desses de pelos amarelos. Tinha uma lesão fatal no pescoço e outras próximas do olho que estava virado pra cima.
Ver animais mortos era comum para o Alceu, mas não animais domésticos. Cães e gatos eram bichos que o Alceu tinha com alguma conta, então, lhe entristeceu a visão daquele gato morto quase a ponto de fazer-lhe verter lágrimas. Mas apenas quase. Alceu seguiu seu caminho rumo à escola.
No dia seguinte, porém, passou novamente ali, e mais uma vez olhou o gato morto. E repetiu o trajeto e a parada para ver o animal diariamente, observando em detalhes a decomposição do gato. Observou-o inchar, sentiu o mau-cheiro piorar, viu quando o abdômen se rompeu revelando vermes, e conforme a pele do bichano se ressecava e se soltava enquanto o pelo se acumulava à margem do corpo até que restassem apenas ossos dispostos em formato de gato, e depois nem isso.
Tudo aquilo não levou um mês. E ainda que fosse um gato desconhecido, um animal pequeno ao qual Alceu jamais vira vivo, aquilo de algum modo ensinou-lhe uma lição que ele carregaria pra toda a vida:
Tudo nessa vida é passageiro. E tudo está fadado a morrer, se decompôr e sumir na esteira do tempo. Tudo.
Essa lição manteve Alceu seguro, dentro de um senso de observação científico que encara a tudo com normalidade e distância. Alceu, ao longo dos anos, recusou-se a sofrer por saber que tudo é transitório.
Até encontrar alguém especial, alguém capaz de tocá-lo e cativá-lo. Alguém que fez com que Alceu percebesse que nem tudo deve minguar e desaparecer.
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