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quinta-feira, 14 de junho de 2012
Todas as Coca-Colas
-Tu sabe qual é o sentido da vida, Pê Erre? - Foi o que perguntou o Everaldo, empilhando bolachas de chope em uma torre diante de si.
-Vindo de ti? Não... - Respondeu o Paulo Roberto, bebendo um gole de Coca-Cola, e concluindo: - Mas tenho certeza de que tu vai me iluminar a respeito.
-Pra puta que te pariu, tu e a tua ironia de farmácia, Pê Erre. - Protestou Everaldo, erguendo brevemente os olhos da sua frágil obra de engenharia. - O sentido da vida, Pê Erre, é não se arrepender das coisas, irmão. Não tem nenhuma outra merda que foda a vida de um sujeito como arrependimentos. O arrependimento é uma âncora, Pê Erre, e só se tu souber te livrar dele, é que tu vai ser capaz de ser feliz. E ser feliz é a porra do sentido da merda da vida.
-Lindo. Em que se pese o quanto é estranho ouvir isso de um maníaco depressivo que nem tu, Everaldo.
-Tomar no teu cu. Eu não sou depressivo, porra nenhuma, eu sou realista. - Protestou Everaldo.
-Arram, sei. - Disse Paulo Roberto, bebendo mais um gole de refrigerante.
Ficaram os dois em silêncio. O Paulo Roberto comeu uma castanha da cesta de plástico no meio da mesa. Everaldo acrescentou mais um par de bolachas de chope à sua torre, cada vez mais parecida com a torre de Pisa. Finalmente parou e encarou Paulo Roberto enquanto bebia um gole de chope enquanto o inquiria:
-E aí?
-E aí o quê? - Não entendeu, Paulo Roberto.
-Por que que eu sou depressivo, filho da puta?
Paulo Roberto riu.
-Tu não é depressivo, Everaldo. Eu me expressei mal. Mas tu há de convir que... - Ia continuar mas deteve-se. Disse apenas:
-Deixa pra lá. Esquece. Tu não é depressivo.
-Esquece é o caralho, eu hei de convir com o quê? Desembucha aí, Porra, não fode.
Paulo Roberto pensou em tergiversar, mas sabia que não funcionaria. Suspirou olhando pra cima, imaginava o quão longe aquela conversa iria:
-Tu há de convir que é estranho tu dar receitas sobre o sentido da vida ser felicidade.
Everaldo desviou os olhos da torre de bolachas:
-Hmmm... Por que? Porque eu sou um sujeito mais retraído, mais pé no chão?
-É uma forma de colocar as coisas - Ponderou Paulo Roberto. -Outra, mais apropriada, seria dizer que tu é um sujeito miserável e ensimesmado...
Everaldo ergueu os olhos e encarou Paulo Roberto. O amigo ergueu as mãos:
-Não adianta me olhar assim, velho. Olha, Everaldo. Não faz muito tempo, nessa mesma mesa tu me perguntou se eu era feliz, me acossou até eu dizer que não, e, ficou implícito naquela conversa que tu também não é feliz, velhinho, ou tu vai me dizer que tu só é sorumbático e carrancudo quando tá comigo, e que na verdade tu é um sujeito alegre e pra cima?
Everaldo sorriu:
-Bom... Eu ter a porra da receita não significa que eu saiba como prepará-la, Pê Erre. Eu acreditar que a merda do sentido da vida é ser feliz, não quer dizer que eu saiba como alcançar essa porra ou que eu possa.
-Então - Raciocinou Paulo Roberto -Tu escolheu um sentido pra vida, felicidade, e uma forma de alcançá-lo, sem arrependimentos, apenas como maneira a não precisar, de fato, concretizá-lo... Talvez pra se eximir de responsabilidade de dar sentido pra tua vida além de trabalhar, vir por bar comigo e sofrer com aquele teu time mequetrefe de segunda divisão.
-Vai tomar no olho desse teu cu cheio de felpa, vai Pê Erre?
Os dois riram. Everaldo bebeu de um só gole o conteúdo do seu copo e fez sinal pro garçom. Paulo Roberto balançou sua garrafa de refrigerante e suspirou:
-Mas quer um alento, irmão?
-Qual, Pê Erre?
-Eu acho que tu tá enganado e ainda não precisa esperar por uma morte lenta e solitária entregue à neurose. O sentido da vida não é não guardar arrependimentos. Pra não se arrepender de nada neguinho teria que, ou acertar sempre, ou ser desprovido de consciência e senso crítico. Talvez até seja ser feliz o sentido da vida, mas acho que isso a gente consegue de outras formas...
-Por exemplo? - Quis saber o Everaldo entregando o copo de chope vazio ao garçom mas retendo a bolacha.
-É ter alguém especial com quem dividir as suas coisas, manja? No teu caso, niilismo, neurose, misantropia...
E no teu caso, palhaço? - Provocou Everaldo.
-Um pouco disso, também, claro... - Respondeu Paulo Roberto. -Mas mais coisas. Como referências, preferências e todas as Coca-Colas que eu for tomar daqui até o dia da minha morte.
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