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quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Chaga


Não tinha, ainda, comentado sobre o caso de racismo flagrado na Arena durante o jogo entre grêmio e Santos na semana passada...
Não o havia feito por uma única e triste razão:
A verdade é que casos de racismo por parte das torcidas organizadas do tricolor sem teto são reincidentes e quase habituais, ao menos aqui no Rio Grande do Sul, onde a complacência de certos veículos de imprensa quanto às repetidas manifestações de preconceito por parte da torcida azul dá uma sensação de doentia normalidade quando, por exemplo, o zagueiro Paulão, ex-grêmio, hoje no Inter, é chamado de macaco ao deixar o campo de jogo.
Acontece que o goleiro Aranha não é gaúcho. Não é colorado ou gremista, não cresceu ouvindo, assistindo e lendo os veículos de comunicação da aldeia, de modo que jamais viu como inofensivo, aceitável ou normal ser diminuído e hostilizado por conta da cor de sua pele.
Foi por isso que ele reagiu ao ser ofendido pela torcida posicionada atrás de si durante a partida. Por isso ele, após ser ignorado pelo árbitro, levou sua indignação à imprensa. E por isso, após ser orientado pelo departamento jurídico do seu clube, foi à delegacia prestar queixa.
Porque não é normal, inofensivo nem aceitável ser ofendido por conta da sua cor, ainda que, por essas bandas, volta e meia se julgue dessa forma.
Ontem, o ex-presidente do grêmio Cacalo, disse em sua participação no programa Sala de Redação, que o que Aranha fez foi um "teatrinho", uma "reação desproporcional", e que a ofensa racista é parte do "folclore" do futebol, arraigada na cultura do esporte a anos.
Deve ser muito fácil para um branco de vida mansa julgar como teatral e desproporcional a reação de um negro vitimado por injúria racial, mas quanto ao racismo ser parte do folclore do futebol, quanto à ofensa racial ser normal e vir de tempos, talvez seja verdade...
Houve um tempo, infelizmente não muito distante, em que os jogadores negros deviam jogar em ligas separadas dos atletas brancos. Todos os clubes eram racistas, incluindo aí o Internacional.
Mas até pouco tempo atrás as mulheres não podiam votar...
Até pouco tempo atrás crianças cumpriam turnos de trabalho de doze horas em minas de carvão...
Até pouco tempo atrás as pessoas morriam de gripe...
E nenhuma dessas coisas, e tantas outras facetas negativas da nossa História deixaram saudade e são celebradas como folclóricas, e duvido que uma reação forte contra qualquer uma delas fosse classificada como "teatral" ou "desproporcional" hoje em dia.
Não vamos dar ao racismo tratamento diferenciado por estar "arraigado à cultura do esporte".
Que os racistas sejam encontrados e punidos. E não apenas a moça flagrada pelas câmeras da ESPN berrando "macaco" a plenos pulmões atrás do Aranha. Ela é apenas uma cabeça oca no meio de milhares de outros cabeças ocas, não deve ser demonizada, e muito menos punida sozinha.
Que se castigue e corrija pela força da lei a todos os racistas, torcedores de qualquer clube, ocupando qualquer degrau da escada social. Apenas assim se arranca mais uma chaga dolorida da carne castigada dessa nossa sociedade tão humana e desprezível.

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