Pesquisar este blog

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Intervalo


Ela estava sentada no banco de ferro da praça, com ele deitado no banco, a cabeça pousada sobre o colo dela.
Ele, bem mais alto do que o banco era longo, conseguia pousar os pés no chão com facilidade. O mormaço da tarde lhe pegava bem no rosto, de modo que ele tinha os olhos fechados.
O fato de eles terem almoçado há pouco e ela passar as unhas de leve por sua barba, apenas o fazia sentir mais vontade de adormecer.
Ela deve ter percebido que ele começaria a dormir a qualquer minuto, ou então ele cochilou e roncou. Porque ela falou, totalmente de supetão:
-Mais amor, por favor.
Ele, sem abrir os olhos, respondeu:
-Eu te amo.
A resposta silenciosa se estendeu de tal modo que ele abriu um olho e viu que ela, ainda que permanecesse cofiando-lhe a barba, olhava adiante. Ele ergueu de leve a cabeça, e mirou na direção onde ela olhava. Na parede de uma garagem próxima, um cartaz dizia aquelas exatas palavras:
Mais amor, por favor.
Ele suspirou enquanto deitava novamente a cabeça:
-É uma boa pedida.
Ela ficou em silêncio mais alguns momentos, e quando falou, deu pra ver que ela tinha tentado segurar, mas não conseguiu:
-Tu nunca me disse isso enquanto a gente namorou.
Ele abriu os olhos. Já tinham tido aquela conversa.
-É... Eu sei. - Ele disse, num jab verbal. - Eu... É engraçado. Eu tinha dificuldade pra expressar meus sentimentos com palavras... - Completou.
Ela riu:
-"Tinha"... Que bonitinho. - Disse, cínica.
Ele riu de volta. Mas continuou:
-Sabe... Eram muitos, muitos, muitos "eu te amo" que eu tinha guardados dentro de meu coração à certa altura da minha vida... Muitos, juntados ao longo de muitos e muitos anos. Amor, pra mim, é coisa séria... Séria demais, até sisuda. "Eu te amo" dá poder a quem ouve. Agrilhoa quem diz. Ao menos quando é dito de coração.
Ela, atenta, continuava acariciando-lhe a barba.
Ele continuou:
-Me lembro da primeira vez que disse "eu te amo" de coração. Estava na rua, na avenida Praia de Belas, com a minha primeira namorada de verdade. Achei por bem dizer. Era noite, dia de semana. Estávamos sentados lado a lado, de mãos dadas numa calçada. E eu percebi que amava ela... E não pude não dizer.
Ela sorriu:
-E como foi?
-Não muito bom - Ele riu de volta. -Ela não retribuiu. Me disse que, quem dizia "eu te amo", o dizia esperando ouvir o mesmo em resposta.
-É verdade. - Ela assentiu, casual.
Ele concordou:
-É...Eu esperava. Mais tarde, quando, julgo, ela percebeu e teve certeza de que também me amava, ela me disse... Mas aí o estrago estava feito.
-Estrago? - Ela riu do exagero.
-Muito - Ele assentiu. -Eu nunca mais disse "Eu te amo".
-Não é verdade. - Ela protestou. -Tu disse.
Ele olhou direto pra ela. Sorriu:
-Mas nunca à uma namorada. Por um longo tempo. Passei três outras relações mantendo silêncio absoluto de rádio.
-É... - Ela confirmou. -Eu sei.
-Mas sabe... - Ela continuou. -Dizia "eu te amo" em profusão a amigos e amigas. Mas nunca mais à uma amante...
-"Amante"... - Ela interrompeu, sarcástica.
-É... - Ele confirmou, ignorando a pitada de veneno. -Porque, como eu disse, eram muitos e muitos os que tinham ficado armazenados... Nem sempre eu dizia de coração cheio, e por vezes afastei pessoas que me interpretavam errado.
-Sério? - Ela perguntou, incrédula. -Tinha gente que achava que tu tava apaixonado assim, logo de cara?
Ele assentiu.
-Pior que tinha... Ah... Paciência. "Eu te amo" é coisa séria, sisuda e agrilhoadora mas merece pronúncia, né? Os mal entendidos são mazelas da vida. Antes todos os mal-entendidos do mundo se originassem de um "eu te amo" mal interpretado.
Ela riu em concordância. Ele continuou:
-Por muito tempo, eu só disse "eu te amo" a amigos... Mas sabe... Não quer dizer que eu não amei ninguém no intervalo.
Ela sorriu pra ele, e se recurvou da maneira como só ela era capaz, alcançando-lhe a ponta do nariz com os lábios e estalando-lhe um beijo.
Ficaram ali parados em silêncio. Ele voltou a fechar os olhos sabendo que em poucos minutos teria que levantar e voltar ao trabalho. Após alguns momentos disse:
-Eu te amo, alemoa.
-Também te amo, ogro. - Ela respondeu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário