Bem vindos a casa do Capita. O pequeno lar virtual de um nerd à moda antiga onde se fala de cinema, de quadrinhos, literatura, videogames, RPG (E não me refiro a reeducação postural geral.) e até de coisas que não importam nem um pouco. Aproveite o passeio.
Pesquisar este blog
sexta-feira, 6 de novembro de 2015
Resenha Cinema: 007 Contra SPECTRE
Assistir a um filme de 007 é uma tarefa (ou um lazer) que demanda uma dose nada desprezível de suspensão de descrença. Desde 1962, Sean Connery e o satânico Dr. No até 2002, Pierce Brosnan e um novo dia para morrer (ou 2003, Pierce Brosnan e tudo ou nada, já que o game era um perfeito filme de Bond da fase corrente...), o absurdo e o exagero eram personagens tão recorrentes e importantes na mitologia do mais longevo espião do cinema quanto M, Q, Moneypenny, os automóveis estilosos, as locações exóticas, as belas mulheres e os vilões extravagantes.
Isso mudou bastante em 2006. Quatro anos após Pierce Brosnan pendurar o smoking e a Walther PPK, James Bond ganhou os músculos de aço e a carranca de Daniel Craig, e, mais do que isso, ganhou ao menos um pé no chão.
O longa de Martin Campbell escrito por Neal Purvis, Robert Wade e Paul Haggis mostrava um James Bond que tentava se inserir e ser relevante em uma imitação passável do mundo real. O vilão de Mads Mikkelsen era um traficante de armas, a bond girl de Eva Green tinha personalidade e estofo, e James Bond tinha profundidade, sentindo medo, raiva e se apaixonando por uma mulher de verdade.
007 Cassino Royale é provavelmente o melhor filme da série Bond em todos os tempos, mesmo que não seja o melhor Bond Movie (são coisas absolutamente distintas), e preparou o terreno para o Bond carrancudo e frio que vimos seguir o rastro de Mr. White (Jesper Christensen) até 007 - Quantum of Solace, cujo final preparava o terreno para um James Bond com mais cara do James Bond de antigamente, o que de fato aconteceu em 007 - Operação Skyfall.
O grande problema dos filmes estrelados por Craig é justamente o fato de eles terem começado fincando os pés no chão, e paulatinamente irem tirando. Claro, eu disse ali no começo que é necessário suspensão de descrença para assistir um Bond Movie, mas conforme as produções se declaram abertamente como sequências umas das outras, me soa como um pouco de leviandade que se demande uma porção um pouco maior de indulgência do público a cada segmento. A despeito de serem as sequências mais diretas da série (ao menos desde que Roger Moore se vingou pela morte da esposa de George Lazenby) Cassino Royale e Quantum Of Solace tem muito pouco a ver, em termos de atmosfera, com Skyfall e com SPECTRE.
No quarto longa de Craig como James Bond, o segundo dirigido por Sam Mendes, Bond está na Cidade do México durante o feriado do Dia dos Mortos.
Obviamente o agente de sua majestade com permissão para matar não está lá a lazer.
007 tem uma missão herdada da M anterior (Judi Dench), e um alvo.
Após demolir um quarteirão da cidade, matar quatro pessoas, quase derrubar um helicóptero e causar um incidente diplomático, Bond volta a Londres para se encontrar com o novo M (Ralph Fiennes), levar a sua tradicional dura, e ser suspenso pela enésima vez.
Por mais compreensivo que o M da vez seja, ele está travando uma luta interna para manter a unidade 00 em funcionamento após a fusão dos setores MI-5 e MI-6.
Max Denbigh (Andrew Scott, o Moriarty de Sherlock), novo chefe de segurança britânico acredita que os operativos com permissão para matar estão obsoletos, e pretende encerrar a divisão o quanto antes.
Mesmo suspenso, Bond não sossega, com a ajuda de Moneypenny (Naomie Harris) e Q (Ben Whishaw) segue o rastro do assassino morto no México até Roma, na Itália, onde encontra a viúva do bandido, a bela Lucia (Monica Bellucci), e tem um encontro com o passado na forma de Franz Oberhauser (Christoph Waltz), também conhecido como Ernst Stavro Blofeld (ora, vamos. Todo mundo já sabia).
Esse encontro leva Bond até seu antigo inimigo, Mr. White (Jesper Christensen), e à filha do bandido, Madeleine Swann (Léa Seydoux), em uma corrida para encontrar o onisciente Blofeld antes que ele consiga colocar em prática seu plano de domínio global.
Funciona? Bom... Mais ou menos.
Bem, e qual o problema de SPECTRE?
É difícil precisar... Talvez a mão de Paul Haggis faça falta ao roteiro escrito a oito mãos por Neal Purvis, Robert Wade, John Logan e Jez Butterworth. O script do longa reduz a história do filme a uma sucessão de brigas e perseguições costuradas por referências aos filmes anteriores da série e uma superexposição que chega a ser irritante mesmo para o padrão dos Bond Movies.
Os cenários se empilham sob a fotografia de Hoyte Van Hoytema sempre com tons pastéis e nós vamos de geleiras à desertos e cidades históricas viajando de carro, avião ou trem e nada faz diferença, mesmo as melhores sequências de ação do longa, a cena sem cortes que abre o filme, e a luta com Hinx (Dave Bautista) no trem, parecem datadas, coisas que já vimos em outros filmes da franquia.
O aceno de um Bond frio, calculista e letal, porém humano, que havíamos visto em Cassino Royale e (em menor grau) Quantum of Solace se desvanece sob a figura do arquétipo de terno apertado ou gola rulê que mata, quebra ou fode tudo o que passa pela sua frente de maneira tão inexorável que, quando o roteiro sugere que de fato existem sentimentos entre Bond e Madeleine, isso soa forçado, gratuito, e até bobo.
Além disso, se o adágio que diz que um filme de Bond é tão bom quanto seu vilão está correto, temos aí outra explicação para os problemas de SPECTRE. Christoph Waltz pode ter sido rotulado como um ator que sempre repete o mesmo papel, mas o faz com um carisma magnético do qual é totalmente despido no longa. As motivações vingativas do personagem são tão pueris e tolas que o vilão, que pouco aparece, não consegue ser ameaçador nem quando ganha a sua tradicional cicatriz no olho, ou monta uma elaborada armadilha para Bond nas ruínas do MI-6.
A despeito de ser uma aventura divertida em sua sucessão de viagens pelo mundo, brigas, tiroteios e piadinhas, 007 Contra SPECTRE acaba sendo uma promessa não cumprida na comparação com o primeiro longa do segmento Craig de 007. Ao invés de evoluir e desenvolver o personagem, o que aconteceu foi o exato oposto, conforme o homem por trás do espião foi empalidecendo ante uma sugestão de conspiração com muito mais forma do que conteúdo.
Daniel Craig, que falou um bocado de bobagem após a gravação de SPECTRE, ainda tem contrato para mais um filme. Pode ser a chance de cumprir a promessa de 2006, ou enterrá-la de vez sob o peso de mais de cinquenta anos de um produto claramente desgastado.
Assista no cinema apenas se também for um fã de 007.
"-Se você não partir agora, morreremos juntos.
-Eu posso pensar em formas piores de morrer.
-Então você é obviamente louco, senhor...?
-Bond. James Bond."
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário