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quinta-feira, 4 de maio de 2017

Eu Sei


Ela saiu do banho rescindindo o aroma fresco da manteiga corporal com a qual se besuntava para hidratar a pele após a exposição à água quase incandescente com a qual se lavava.
Enrolada na toalha, andou até o quarto, sentou-se em frente à penteadeira e ligou a TV no programa do Datena apenas pelo ruído e a ilusão de estar mantendo-se informada mesmo sem prestar nenhuma atenção ao programa.
Sacou o frasco de um creme hidratante caríssimo de trás das caixas de perfume que se amontoavam sobre o móvel diante do espelho e apertou o frasco lançando um jato da substância na palma da mão. Esfregou uma mão na outra e massageou a substância oleosa nos cabelos recém cortados até ficar satisfeita com a consistência adquirida, e os penteou com esmero apenas para, após incontáveis passadas com o pente, jogar o cabelo pro lado com a cabeça.
Levantou-se e fechou a veneziana da janela, tirando a toalha. Nua, caminhou nas pontas dos pés sobre o carpete até o guarda roupa, abrindo a gaveta das roupas íntimas.
Escolheu com diligência uma lingerie que se adequasse à suas pretensões, naquela noite, estava procurando algo que fosse bonito, sensual, mas não excessivo.
Havia dias para usar lingeries excessivas. Libertar aquela vadia interior.
Hoje não era um desses dias.
Hoje, ela diria a um rapaz que o amava.
Já sabia que gostava dele há bastante tempo. Já sabia que o amava havia ao menos uma semana. Mas resolvera que era hora de verbalizar.
Deixá-lo saber disso, também.
Não precisava ouvir de volta.
Se em contrapartida ele sorrisse em silêncio, pra ela já estaria bom, contanto que ele não estivesse com cara de pânico sob o sorriso.
Preferia não ouvir nada do que um "eu também" engolido em seco, ou um "uau, eu nem sei o que dizer"... Se bem que se ele dissesse isso de maneira sincera, e de forma a fazê-la perceber que ele estava sendo sincero...
Enfim.
Ela não precisava ouvir um "eu também te amo" seguido do som das trombetas dos anjos em seguida. Mas precisava tirar aquilo do peito.
Especialmente porque não achava que fosse gostar dele, imagine então amá-lo.
Ele era o vizinho das camisetas de super-herói. Parecia que compartilhava o guarda-roupa com um personagem do The Big Bang Theory, tinha um cachorrão enorme e, ela descobriu mais tarde, estantes repletas de brinquedos na sala de casa.
Ele tê-la ajudado com a mudança fora muito fofo, mas a verdade é que ela era uma mulher bonita, estava acostumada a receber galanteios.
Por vezes se aproveitava de seus dotes físicos para obtê-los.
Mas ele tinha uma qualidade... Uma certa hombridade silenciosa... E ela acabou o achando atraente, ainda que não fosse bonito.
Além disso, era um sujeito muito educado. Trabalhava, estudava, era alto... Ela gostava de homens altos... E, apesar de estar alguns quilos acima do peso, tinha braços bonitos, ombros largos e pernas de jogador de futebol.
Quando ela descobriu que ele, a exemplo dela, era fã de Johnny Cash, ficou difícil ignorar que valia a pena ao menos tentar uma aproximação e ver no que dava.
Acabou dando mais certo do que ela podia supor.
Ele era um cara muito legal.
Era divertido, atencioso, cavalheiro, e, ela descobriria mais adiante, o lance de ser geek não interferia no sexo, que não era nada mau.
Em pouco mais de dois meses, descobrira-se apaixonada pelo nerd do andar de baixo, que suou em bicas ajudando com a mobília quando ela se mudara.
E hoje diria que o amava.
Dava pra acreditar?
A lingerie escolhida era amarela.
De algodão com renda lilás.
Um jeans gelo, e uma camiseta preta que ele mesmo a presenteara algumas semanas antes, com estampa de Game of Thrones.
Colocou por cima um agasalho preto, e calcou meias sem cano e tênis de corrida da Nike. Sentada na cama sorriu ao ver seu reflexo no espelho do guarda-roupa. Não se imaginava vestindo algo tão despojado antes de dizer a um homem que o amava, mas a relação entre os dois era assim.
Despojada.
Eles riam juntos, se beijavam e abraçavam, adormeciam um na casa do outro vendo TV, saíam pra correr e passear com o cachorrão dele, e chegaram a fazer queda-de-braço em uma ocasião feito dois adolescentes que eram, não amantes ou namorados, mas melhores amigos, e ela se percebeu subitamente feliz em partilhar uma relação como aquela com outra pessoa.
E se deu conta de que o amava.
Apanhou a chave de casa e a bolsa, apagou as luzes e desceu as escadas saltitando.
Bateu na porta da casa dele, e sorriu quando ele abriu, fazendo sinal para que ela entrasse enquanto segurava seu cachorro, quarenta quilos de pelos e entusiasmo efusivo. Ela entrou e andou até o sofá. Ele deu uma guloseima mentolada em forma de osso para o cachorro para acalmá-lo, e sentou-se ao lado dela.
Sorria quando se inclinou pra frente e estalou um beijo em seus lábios, perguntando o que ela queria fazer naquela noite. Ela sorriu dizendo que queria ficar em casa, e ele não pareceu desapontado.
Essa era outra coisa que, pra ela, parecia nova.
Qualquer programa parecia agradá-lo, contanto que eles estivessem juntos. De vez em quando ela se via tentada a experimentar os limites daquelas reações e propor situações absurdas para ver até onde toda aquela boa disposição iria, mas refreava-se.
Não queria ser chata.
Não com ele.
Pediram pizza de um lugar que ele gostava. "A melhor pizza de pepperoni de Porto Alegre", ele alardeava. Ela não era tão fã de pepperoni quanto ele, mas também gostava, e ele sempre deixava ela escolher dois sabores.
Comeram a pizza assistindo um documentário sobre as eleições na França. Por alguma razão ele se interessava sobremaneira pelo cenário sócio político do mundo, se entusiasmava vendo aquelas coisas e ria muito vendo programas que ela, francamente, não achava tão bons, como o Real Time com Bill Maher e Last Week Tonight, mas o mais estranho é que ela não achava aquilo estranho.
Viu-se achando todas aquelas características idiossincráticas adoráveis casa uma à sua maneira, e percebeu-se, enquanto ria sentada ao lado dele no sofá que dividiam com o grande cão amarelo, feliz.
Feliz de uma maneira que só pôde categorizar como completa.
E tomada daquela felicidade, pousou a mão bem feita no rosto dele, que virou-se sorrindo, o olhou fundo nos olhos e disse, sem esperar resposta ou agenda, apenas porque sentia demais em seu peito:
-Eu te amo.
Ele a olhou, parecia surpreso, mas não assustado, pegou a mão dela do próprio rosto, e disse com um sorriso pro lado:
-Eu sei.
Na hora, enquanto ele sapecava um beijo na palma da mão dela, e a puxava pra si, beijando-lhe os lábios, o pescoço e os ombros, ela não entendeu.
Levaria algum tempo até que assistissem Star Wars juntos e ela soubesse de onde aquilo saíra.
Ainda mais tempo até que ela entendesse que a epifania dele se deu porque era um dia quatro de maio, o dia de Star Wars, e quase um ano para que ele dissesse que a amava e ela respondesse da mesma forma, completando o círculo.
Mas não importava.
A verdade é que desde o primeiro momento aqueles dois já sabiam.
Feliz dia de Star Wars, Leias e Hans, Anakins e Padmés, Lukes e Mara Jades galáxia afora.

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