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terça-feira, 14 de maio de 2019
Alguém Pior
Em certa fase de minha infância, não me pergunte por que, eu adquiri uma predileção toda particular por determinado estilo de vestuário de gosto indiscutivelmente duvidoso.
Eu me tornei um apaixonado por roupas de cores muito, muito vivas, geralmente com toques de néon luminosos, estrias geométricas sobrepostas e, sempre que possível, mais de três cores em cada peça.
Pode parecer estranho, mas era o começo dos anos 90, e a moda que tinha sido medonha na década anterior ainda não melhorara muito. Tudo era muito largo e colorido, dos tênis aos chapéus, e com onze anos de idade, eu me lembro de me vestir, basicamente, na C&A (é, eu era pobre assim), de modo que praticamente todas as minhas peças de roupa tinha o logo da ////Ace e eram algo fosforescentes como um fungo alienígena, me lembro de ter um par de tênis brancos incrivelmente sem graça, nos quais apliquei dois cadarços, um amarelo-limão e outro rosa-pink que combinava com um boné, também rosa pink, da Hang Loose que parecia ter sido aplicado com Super Bonder no meu crânio.
Não bastassem os tênis e o chapéu chamativos, eu também usava camisetas com estampas fluorescentes, como uma camiseta de manga longa verde-musgo onde lia-se "Colorado", fazendo referência ao estado norte-americano, não ao meu clube do coração, em laranja néon, e uma vasta e extravagante coleção de bermudas havaianas que eram abismais em suas gloriosas estampas.
À certa altura descobri uma loja perto da casa dos meus pais, onde vendiam essa espetacular coleção de bermudas que misturavam laranja, amarelo, rosa, azul e verde com motivos florais, geométricos ou psicodélicos que eram exatamente o que eu, do alto de minhas noções infantis de estilo pautadas pela influência de Sérgio Mallandro, desejava de uma peça de roupa.
Não preciso dizer que pedi todas e aproveitando-me do trauma de minha mãe e avó de que eu sempre queria brinquedos, jamais vestuário, de presente, acredito ter conseguido ganhar ao menos meia-dúzia daquelas peças inexplicáveis em um curto espaço de tempo, e até meu pai, que jamais fora um grande presenteador, chegou a me dar uma daquelas bermudas medonhas que faziam a alegria de meu guarda-roupa.
Nenhuma daquelas peças, porém, era a minha favorita.
A grande joia de minha coleção de bermudas inexplicáveis fora uma peça mais longa e com mais bolsos, e era roxa como um hematoma, decorada com flores azul-piscina e ramos verde-limão num contraste de ferir a vista de quem olhasse diretamente.
Não preciso dizer com que tipo de orgulho enverguei aquela bermuda hedionda por dias a fio, complementando o visual com meias amarelas, camisetas verde-concórdia e chapéus rosa-pink, sempre faceiro e alheio ao ridículo de que a singularidade de minha péssima noção de estilo faziam-me passar fosse porque ninguém na Escola Paula Soares fosse exatamente um exemplo de consciência fashion (excetuando-se o professor Benítez, de História, que inclusive fazia bicos como modelo das lojas Tevah), fosse porque desde a tenra idade eu tivesse uma habilidade ímpar de não ligar para as opiniões de outrem.
Seja como for, meu grande momento de decepção fashion deu-se quando Júlio, outro moleque gorducho na quinta-série, surgiu com uma indumentária composta por short e camisa de estampas idênticas à de minha bermuda.
Meu mundo ruíra. Não era eu, mas Júlio, o ícone de estilo havaiano da quinta-série, e restava-me assimilar tal derrota, ou passar a me vestir todo de brim, que, na verdade, foi o que fiz quando ganhei uma jaqueta jeans com dois bolsos frontais onde cabia confortavelmente um gibi de formatinho, mas me desvio do assunto... O ponto é que, na época, passou-me despercebido que, o fato de Júlio ter pais mais despreocupados com o fato de o filho se vestir como se tivesse sido vomitado por um unicórnio, não era uma derrota, mas uma lição:
Sempre há alguém pior do que nós.
Hoje, eu posso olhar pra trás, e compreender que Júlio e sua indumentária de duas peças roxa, azul e verde são testemunho de que, por mais improvável que possa parecer, em alguma parte, há alguém sentindo mais saudade, mais desejo, enfim, mais apaixonado do que eu.
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