Bem vindos a casa do Capita. O pequeno lar virtual de um nerd à moda antiga onde se fala de cinema, de quadrinhos, literatura, videogames, RPG (E não me refiro a reeducação postural geral.) e até de coisas que não importam nem um pouco. Aproveite o passeio.
Pesquisar este blog
terça-feira, 28 de maio de 2019
Que Seja Doce
Faltavam vinte minutos para a uma da tarde. Era um sábado e temperatura amena no outono e ele já começava a antever as vantagens de estar livre pelas próximas quarenta e quatro horas e meia. Elucubrava a respeito do que fazer com seu tempo pelas próximas horas, antevendo uma passada na locadora, talvez uma ida ao cinema, quando o assobio de seu celular o tirou de seus pensamentos.
"Quer me encontrar?" dizia a mensagem de texto estampada no display judiado, mas ainda funcional de um smartphone que, após mais de quatro anos, se recusava a parar de funcionar fazendo jus ao seu papel de celular de Bruce Wayne em Batman v Superman.
Ele leu a mensagem e sorriu. Digitou usando apenas o polegar direto a resposta: "Sempre".
Os minutos seguintes voaram. Ele atendeu dois telefonemas, conversou, à porta do trabalho com o vizinho do estabelecimento ao lado pedindo troco, e depois apanhou a própria mochila e ganhou a rua.
Ela estava apenas alguns metros adiante, e quando se viram, abriu um sorriso muito grande e muito lindo que era apenas uma das muitas coisas que ele amava a respeito dela. Se cumprimentaram com um beijo, ele encurvando-se, ela pondo-se nas pontas do pés.
-Quer ir almoçar? - Ele perguntou.
Ela confirmou que queria emprestando um tom de sofreguidão e alívio à própria voz que o fez rir. Quando ele perguntou onde ela gostaria de almoçar, ela fez uma cara de pidona que, ele sabia, levaria aquela conversa por um rumo do qual ele não era particularmente fã, mas ao qual muito provavelmente se sujeitaria.
-Eu tava pensando - Ela disse a seu modo todo particular enquanto já andavam pela avenida -Que a gente podia ir almoçar na Matheus.
-Na Matheus? - Ele perguntou, querendo confirmar que ela se referia à Matheus Confeitaria e Café algumas quadras adiante.
-Sim! - Ela confirmou entusiasmada, colocando muitos outros "I"s em sua pronúncia.
Ele, que se não era avesso a doces, também não era o maior dos fãs, sorriu conformado. Havia formado compromisso com ela de procurar pela padaria definitiva da cidade algum tempo antes, e supôs que era parte do acordo, eventualmente, almoçar em uma confeitaria. Sabia que ela poderia facilmente almoçar um pedaço de bolo e dar-se por satisfeita, ao menos por uma meia hora, até sentir fome de novo.
-Tá bem. - Concordou com um sorriso e mais um beijo.
Andaram os quarteirões que separavam seu local de trabalho da Matheus conversando e rindo. Era difícil pra ele não estar dando risada quando estava com ela, fosse por causa da maneira engraçada como ela dizia certas coisas, ás vezes involuntariamente, como a forma arbitrária como categorizava pessoas na rua como "ínguas" ou "vacas", carregada de um desdém que seguia lhe parecendo deslocado na figura miúda, doce e delicada, fosse porque ela simplesmente o deixava feliz.
Entraram na confeitaria sentindo o cheiro do café que, até para quem não era um amante da bebida, caso dele, era agradável, e escolheram uma mesa de canto onde ele largou sua mochila antes de se dirigirem ao balcão onde pedidos deveriam ser feitos. Ela parecia um pinto no lixo de tão faceira ante a grande quantidade de bolos, roscas, doces e tortas na vitrine refrigerada, ele olhava avidamente ao redor a procura de qualquer coisa salgada que fosse maior do que um empada, um risoles serviria, um carrocho quente empanado ou um bolo de batata, mas nada feito.
As únicas guloseimas grandes na Matheus eram bolos e tortas. Era uma confeitaria, afinal de contas.
Ela se virou de olhos brilhando e sorriso aberto quando viu a expressão dele. Ele era dolorosamente transparente quando não estava satisfeito com alguma coisa. Ficava sempre amuado, variava apenas o grau de amuamento. Aquele ali, ela sabia reconhecer, era um nível baixo, um ou dois, no máximo.
Ela conteve o próprio sorriso:
-Só tem doce, né? A gente pode ir a outro lugar... O Ateliê das Massas é pertinho... E tem o McDonald's ali no Rua da Praia... - Ela disse, ainda sorrindo.
Ele olhou pra ela, olhos, sobrancelhas, nariz e lábios. Era tudo bonito individualmente, em conjunto era um sonho vivo acomodado em uma embalagem pequenininha. Não, ele não gostava de almoçar doces, mas conhecia bem demais o amor de sua vida. Sabia que dali a pouco ela sentiria fome novamente e então eles poderiam dividir um prato salgado. Que mal havia em mudar a ordem e o tamanho do intervalo entre os pratos da refeição num dia do final de semana para se divertir com a mulher que amava?
Sorriu de volta pra ela:
-É... Mas aqui tem torta de bombom - Disse, apontando casualmente para um doce particularmente bonito na vitrine. -E eu quero muito comer aquilo ali...
Ela riu. Ele pediu uma fatia da torta de bombom e um quindim, ela pediu bolo de cenoura com cobertura de chocolate. Sentaram, como sempre lado a lado à mesa com suas bebidas, ela com um capucino, ele com uma Coca-Cola seiscentos Ml. que, ele sabia, não beberia inteira nem que quisesse.
Deram as primeiras garfadas em suas sobremesas. Ela olhou muito séria pro bolo:
-Não é a melhor padaria de Porto Alegre. - Sentenciou.
-Confeitaria, meu anjo. - Ele corrigiu.
-Não é a melhor padaria/confeitaria de Porto Alegre. - Ela repetiu com o adendo.
-Não - Ele concordou mastigando sua torta.
Ela olhou pra ele, sorrindo, os lábios lambuzados de chocolate muito além do que seria apropriado para um adulto comum, mas perfeitamente ajustado nela:
-Mas é bom, né? - Inquiriu, sorriso aberto.
Ele passou o polegar nos lábios dela, chupando o dedo e então a beijando. Respondeu:
-Melhor coisa da vida.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário