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segunda-feira, 3 de junho de 2019

Resenha DVD: Vidro


Corpo Fechado é, de longe, meu filme favorito do diretor M. Night Shyamalan, e Fragmentado, foi provavelmente o melhor filme dele desde... Bem... Corpo Fechado... Apesar de eu gostar bastante de Sinais. De modo que eu não tenho, de fato, nenhuma desculpa para não ter ido assistir ao filme no cinema além de preguiça e antipatia pura, gratuita e injustificada por Sarah Paulson. que meio que dominava os trailers do longa, primeira sequência de fato e de direito da carreira do cineasta que, durante um bom tempo, deteve a "honraria" de ser o único diretor cuja filmografia inteira, eu vira no cinema (isso durou apenas até Fim dos Tempos, que, eu mantenho, não acho tão ruim quanto falam.).
Primeira sequência "de fato", porque é apenas na última cena do longa estrelado por James McAvoy e Annia Taylor-Joy que descobrimos que Fragmentado se desenrola no mesmo universo de Corpo Fechado, filme estrelado por Bruce Willis na esteira do sucesso de O Sexto Sentido no ano 2000. Quando Vidro começa, não demora a percebermos que estamos no mesmo universo daqueles dois filmes, e nem para nos darmos conta de que Vidro é muito mais uma sequência de Fragmentado, do que do filme sobre David Dunn.
De cara estamos junto com Kevin Wendell Crumb (James McAvoy), ou alguma de suas múltiplas personalidades. Kevin é um caso único na história do transtorno de personalidade dissociativa, com 24 personalidades coexistindo em seu corpo após abusos na infância, 25 se considerarmos a Besta, último alter ego de Crumb a ver a luz do dia, um monstro canibal capaz de sobrar barras de aço, escalar paredes de concreto e suportar disparos de espingarda à queima-roupa. Após os eventos de Fragmentado Kevin e A Horda, a união de suas personalidades dispostas a adorar a Besta estão à solta na cidade da Filadélfia, e prestes a realizar um novo sacrifício para a criatura que se auto intitula o protetor dos defeituosos e desajustados.
Mas A Horda não tem, nesse momento, a mesma vida fácil do seu filme solo.
David Dunn (Bruce Willis), o ex-vigilante de estádio indestrutível agora toca uma loja de equipamentos de segurança com seu filho Joseph (Spencer Treat Clark, retornando ao papel de dezenove anos atrás), uma atividade que divide com uma carreira paralela de super-herói. Conhecido pela mídia como "O Supervisor", David vem agindo nas sombras para proteger os inocentes há quase duas décadas, e está a par das atividades da Horda, e tem a Besta em seu radar.
É ainda no primeiro ato do filme que David encontra o cativeiro onde A Horda mantém quatro jovens como reféns e confronta a persona bestial de Kevin. A luta (mal coreografada como costumam ser as sequências de ação dos filmes de Shyamalan) termina com os dois homens caindo nas mãos da doutora Ellie Staple (Paulson), uma psiquiatra especializada em uma forma muito particular de psicose: A crença de ser um super-herói.
Os dois são enclausurados no hospital psiquiátrico Raven Hill, onde serão submetidos a uma intensa terapia que visa curá-los de sua obsessão, mas outro interno do hospital, Elijah Price (Samuel L. Jackson), também conhecido como Sr. Vidro, tem outros planos.
Vidro é a sequência de um filme excelente e outro ótimo, tem uma premissa muito boa, mas é executado de maneira pobre.
Não me entenda mal, não há nada de intrinsecamente ruim no longa de Shyamalan não fosse justamente seu potencial para ser tão, tão, tão melhor do que ele de fato é.
Veja, quando o longa começa, o espectador já tem conhecimento de que David Dunn tem força sobre-humana, invulnerabilidade, e a capacidade de identificar criminosos através do toque. Também já sabemos que a Besta é à prova de balas e forte o bastante para escalar paredes cravando os dedos no concreto. E ainda assim, passamos uma hora ouvindo a personagem de Sarah Paulson tentando convencer Dunn e Crumb de que eles são homens normais, e, pior de tudo, conseguindo fazê-los duvidar das habilidades que moldaram os filmes solo de cada um.
O fato de Shyamalan passar mais de uma hora nessa toada, com Staple dando inúmeras variações do mesmo discurso enquanto vemos Crumb ser bombardeado com flashes que o fazem alternar entre suas personalidades múltiplas e Bruce Willis em mais uma atuação estilo piloto-automático, não chega a ajudar, tampouco o fato de o hospital Raven Hill ser provavelmente o hospital psiquiátrico mais sem-graça da história do cinema, ou a obsessão de Shyamalan em nos mostrar flashbacks dos filmes anteriores ao invés de desenvolver a história desse longa.
E há um porquê para isso:
O fato de que Shyamalan retoma, em Vidro, a insistência com os finais surpresa.
É difícil assistir ao desfecho de Vidro, e não imaginar que ele escreveu o resto do filme com aquilo em mente e ficou enchendo linguiça com jargão psiquiátrico e quadrinístico entre o prólogo e o terceiro ato de maneira despropositada até chegar onde gostaria. E aí, surge o maior problema de Vidro:
Seu final impossivelmente anti-climático.
Se houvesse uma conclusão épica para a história, talvez fôssemos capazes de perdoar mais facilmente o ritmo devagar, quase parando do (não) desenvolvimento da trama, e nem sequer me refiro ao grande confronto que acontece no fim do filme, novamente, uma cena de ação que se ressente da mão tenebrosa de Shyamalan para ação, e de uma edição confusa, com personagens aparecendo e desaparecendo de cena, mas à qualidade duvidosa de suas revelações.
Enquanto assistia Vidro, eu consegui me divertir graças à ambição que o filme demonstrava em determinados momentos. Há lampejos de qualidade em Vidro, que se comparam aos grandes momentos de Fragmentado, e de Corpo Fechado, geralmente os protagonizados por McAvoy, que segue entregando tudo o que havíamos visto no longa anterior, e mais (infelizmente com menos parceria, já que Anya Taylor-Joy é relegada à quase figuração) e a Spencer Treat Clark, que mantém muito de sua atuação mirim de anos atrás em sua versão adulta de Joseph.
É é pena que esses lampejos sejam raros, e aparentemente involuntários. Vidro consegue ser moroso e anti-climático, sem ser absolutamente ruim, seu maior inimigo é que, pelo universo em que transcorre, e pelas ideias que apresentava, é um produto final muito menor do que poderia ter sido, e isso, talvez, seja a pior coisa que pode acontecer a um filme.

"-Essa era uma história de origem o tempo todo."

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