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segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Resenha Cinema: Os Novos Mutantes


Algum tempo atrás, ao fazer a resenha de X-Men: Fênix Negra, eu mencionei como os filmes dos mutantes da Marvel realizados pela Fox eram semelhantes a um relacionamento abusivo, onde os fãs eram a vítima que, a despeito de ser frequentemente destratados, eventualmente voltavam a se colocar em uma posição de risco pensando nos bons momentos que haviam passado juntos.
Nas mãos da 20° Century Fox, os X-Men alcançaram píncaros de qualidade dramática como Logan, momentos de diversão que pareciam extraídos das páginas de gibis, como Deadpool, X-Men 2, X-Men Primeira Classe e Dias de Um Futuro Esquecido, chegaram às profundezas da bazófia com coisas como X-Men III, Wolverine Imortal, e X-Men Origens: Wolverine, e flutuaram por águas de cândida indiferença "nhé" com Fênix Negra, Apocalypse, Deadpool 2 e X-Men: O Filme, que a despeito de sua importância e qualidades, tem o mesmo nível de investimento de um piloto do Syfy...
Seja como for, após quase duas décadas explorando os mutantes criados por Lee e Kirby no distante ano de 1963, a Fox foi comprada pela Disney, tornando-se parte do pecúlio do MCU e deixando fãs ansiosos pela possibilidade de ver os alunos do professor Xavier fazerem parte do multi bilionário universo cinematográfico da Marvel.
Tudo parecia muito bem encaminhado, exceto por um detalhe:
Em suas tentativas de tornar os mutantes, sua grande fatia do mercado super-heróico, mais rentável, a Fox resolvera experimentar com os filmes.
A raposa havia dado sinal verde para filmes até então impensáveis, como o melodramático faroeste de estrada de Logan, e a anárquica comédia de ação censura +18 de Deadpool, ambos sucessos de público e crítica, e, ao mesmo tempo, liberara o diretor Josh Boone (de A Culpa é das Estrelas) e o roteirista Knate Lee para fazer o primeiro filme de horror estrelado por mutantes, esse Os Novos Mutantes.
O longa, teve seu primeiro e interessante trailer divulgado há mais de três anos, em treze de outubro de 2017, com lançamento programado para abril de 2018, mas aí, com a compra da Fox pela Disney, Os Novos Mutantes entraram em um limbo.
Ao contrário dos outros lançamentos mutantes de 2018, o longa não era mais um capítulo de uma série, casos de Fênix Negra e Deadpool 2, mas a tentativa de emplacar uma nova franquia.
Com atmosfera de filme de horror, e escopo diminuto na comparação com outros filmes de super-herói, Os Novos Mutantes foi sendo empurrado com a barriga pela Disney, sofrendo sucessivos adiamentos e chegando até a namorar com um lançamento direto na plataforma Disney + até que, em meio à reabertura parcial dos cinemas em ano de Covid-19, o estúdio do Mickey resolveu apostar com o longa, jogando-o nos cinemas em um momento onde ninguém pode julgar um fracasso de bilheteria.
Ontem, eu era uma das cerca de doze pessoas na sala de cinema para conferir o longa...
Os Novos Mutantes abre com a jovem Danielle Moonstar (Blu Hunt) sendo despertada por seu pai (Adam Beach) em meio ao que parece ser um tornado ou alguma catástrofe natural de grandes proporções. Dani foge, se separa de seu pai, perde a consciência, e quando desperta, está algemada à uma cama em um hospital. Eventualmente a doutora Cecilia Reyes (Alice Braga) surge para explicar à jovem que ela está em uma instalação psiquiátrica que tem por função abrigar jovens mutantes cujos dons representam um risco à segurança deles mesmos, e de outros e ensiná-los a controlar suas habilidades.
Há apenas outros quatro pacientes no local, Sam Guthrie (Charlie Heaton), um jovem sulista que causou um acidente em uma mina com seu poder se se ejetar em altas velocidades como um míssil, Rahne Sinclair (Maisie Willians), uma transmorfa escocesa capaz de assumir forma lupina, Roberto da Costa (Henry Zaga), um playboy brasileiro que se inflama e alcança temperaturas comparáveis a uma mancha solar, e Illyana Rasputin (Anya Taylor-Joy), uma jovem russa com a habilidade de transitar para uma realidade paralela de onde é capaz de drenar magia...
Esses cinco adolescentes estão encarcerados com Reyes porque, em algum momento, causaram a morte de alguém, e não estão aptos ao convívio com outras pessoas. Se encarcerar adolescentes que, além dos hormônios comuns à idade, ainda têm habilidades super humanas já não parece uma ideia das mais tranquilas, as coisas começam a ficar ainda mais perigosas conforme a chegada de Danielle desencadeia uma série de eventos sinistros, e todos os internos passam a ser confrontados pelos seus piores temores enquanto questionam quem está, de fato, por trás de seu cativeiro...
Olha, podem me julgar, mas eu gostei do filme.
Eu francamente não entendo porque a Fox enterrou Os Novos Mutantes e lançou Fênix Negra. O filme de Josh Boone pode não ser uma grande maravilha, mas dentro de sua proposta e escopo, ele funciona bem o suficiente para distrair por uma hora e trinta e quatro minutos de maneira muito mais competente do que outras inchadas e equivocadas incursões do universo X nas telonas.
Grande parte do que faz o longa funcionar é justamente a ideia de que o longa existe em um cantinho do X-Verso e está perfeitamente confortável ali, contando uma história centrada nesses cinco jovens estranhos.
Eu gosto de uma história a respeito de párias, do pessoal que senta no fundão da sala de aula não porque é descolado demais pra sentar na primeira fileira, mas porque não sabe se encaixar na ribalta, e Os Novos Mutantes é uma boa trama para esses tipos.
O elenco é bastante interessante, em especial Maisie Willians, que entrega uma atuação terna e honesta para Rahne (eu lia os gibis dos Novos Mutantes e achava que a pronúncia era "rãne", fiquei chocado ao descobrir que era "wrein".), e especialmente a magnética Anya Taylor-Joy como a agressiva e marrenta Illyana (que, quando conjura sua armadura mística interdimensional, recebe o mesmo efeito sonoro da transformação de Colossus nos primeiros longas da série, numa piscadela sutil aos fãs que conhecem a relação dos dois personagens nos quadrinhos.), mas estão todos bem em seus papéis. 
Nem tudo são flores, e o longa tem uma série de idiossincrasias e pequenos furos, mas nada que o torne a bomba inassistível que o período na prateleira da Fox pode levar a crer. A aura de filme de terror claustrofóbico ajuda a justificar a escala reduzida, os efeitos visuais são OK, e as relações entre os protagonistas são bem construídas o suficiente para que a audiência se importe com todos eles muito mais do que com alguns dos antigos personagens dos X-Filmes. Se a primeira metade do filme é excessivamente formulaica, em seu segundo ato o longa abraça a estranheza inerente de sua proposta e entrega uma interessante e bem-intencionada fita de gênero.
Talvez seja efeito do longo período de abstinência, mas eu gostei da experiência de ver Os Novos Mutantes no cinema, e não tenho pudores em dizer que, a despeito das eventuais falhas, valeu o preço do ingresso.

"Isso não é um hospital, Pocahontas, é uma jaula."

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