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segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Open-Bar


Ele olhava para ela, do outro lado do bar. Ela, linda. Cabelos pretos, longos, escorridos por cima de ombros arredondados e costas de aparência flexível. De olhos felinamente castanhos e de lábios grandes e convidativos. Ela com sua blusa de lurex prata e suas calças negras combinando com as sandálias de salto obscenamente alto, ali, parada no bar, sugando do canudinho mais sortudo do mundo um drinque carnavalescamente colorido que seria centro das atenções não estivesse empalidecendo diante da beleza de sua companheira de balcão, linda, produzida e atraindo os olhares gulosos de homens por todo o ambiente.
E ele não tirava os olhos dela. Ele, com seus cabelos escuros, barba de alguns dias, óculos de grau e camiseta com a efígie do Boba Fett sob um blazer escuro e meio surrado, calças jeans e tênis. Bebia direto da lata uma Coca-Cola que nem diet, nem light, nem enriquecida com vitaminas era. Lata tradicional, vermelha. Ele e seu refrigerante eram o oposto dela, totalmente sem produção, totalmente comum. Quiçá algo repelente, especialmente para uma mulher linda como ela.
Ele a observara durante as últimas duas, talvez três horas daquela noite. Por alguma razão ele tinha a impressão de que ela, assim como ele, de maneiras diferentes, eram estranhos naquela festa. Era o lançamento de um programa de TV, um reality show.
Ele caíra ali por acaso. Trabalhava em uma empresa que fornecera equipamentos para algumas das provas humilhantes pelas quais os participantes do show teriam de passar, a empresa ganhara convites para o lançamento, e eles foram sorteados entre os funcionários. Acabou que ele, abstêmio de carteirinha, acabou a sexta-feira com um cobiçado convite para uma festa onde lia-se "Open Bar". Jamais gostara desse tipo de festa. Pra ele fetas "Open Bar" eram bocas-livre que atendiam unicamente aos anseios de eventuais bebuns mão-de-vaca e alcoólatras declarados. Pra ele, "Open Bar" era ambiente de mulheres desfrutáveis e homens sem moral onde era praticamente impossível conhecer uma pessoa interessante, e, mesmo se, por um inimaginável acaso, isso acontecesse, provavelmente a pessoa em questão seria interessante apenas quando alcoolizada, e sóbria seria uma tremenda chata.
Enfim, acabou indo à festa por por mórbida curiosidade acadêmica e dever profissional de representar a empresa onde ganhava seu sustento.
Desde que chegara á tal festa, encostara-se no balcão, onde sentia-se menos deslocado do que no meio da pista de dança ou nas mesas onde fotógrafos produtores e pseudo-celebridades circulavam tentando obter algum holofote. Ele escorou-se pacientemente e pediu o refrigerante que patrocinava o evento, e foi então que ele a viu. Do outro lado do balcão, dona de uma sobriedade e discrição que destoavam de todo o alarde e artificialidade do evento, a moça linda lá do início.
Ficou ali, confortavelmente, a observando com curiosidade e gosto, estudando seus movimentos comedidos e admirando sua graça.
Viu, divertido, ela se desvencilhar de um sujeito rude, que se aproximou como se fosse o dono da festa e passou o braço por sobre seus ombros nus. Percebeu a decisão de seus gestos quando removeu a mão do intrometido de sobre sua pele e pediu que ele se afastasse dizendo que não estava interessada.
Gostou também quando um distinto sujeito grisalho ofereceu-lhe um drinque, que ela recusou de forma circunspecta e educada.
Viu um jovem se aproximar hesitante e tentar puxar conversa, perguntando se ela sugeria algo para ele beber, e riu ao ouvi-la dizer que seria mais conveniente ele perguntar ao bartender.
Chegou á sentir uma ponta de desapontamento quando um sujeito vestindo uma camisa de seda amarela brilhante aberta até quase o umbigo, calças jeans rasgadas e botas de caubói conversou com ela durante quase cinco minutos, mas sorriu com certo alívio quando ela se desculpou pedindo licença para ir ao toilette e só voltou depois de o sujeito ir embora.
Chegou a pensar que talvez ela e ele tivessem mais em comum do que a escolha do lugar onde se sentaram e a esnação de inadequação que ambos passavam de maneiras distintas. Pensou que, quem sabe, ela, como ele, se sentisse um pouco deslocada em meio á multidões. Que fosse algo melancólica, mas nem por isso mal-humorada ou depressiva, e que apreciasse estar só de vez em quando, mas não fosse uma solitária, e que talvez, apenas talvez, ela pudesse se interessar por alguém que, á primeira vista, não parecesse lá muito interessante.
Imaginou essa possibilidade e sorriu enquanto pensava nela. Mas logo foi trazido á tona por uma verdade que, de seu ponto de vista, parecia inatacável:
Ela era uma moça linda, que brilhava á tona de toda a mediocridade daquela festividade idiota e tola. E ele era apenas um nerd de aparência ligeiramente abaixo da média que se divertia colocando os DVDs, gibis e CDs em ordem alfabética enquanto planejava que filme veria no cinema naquela semana. Nada tinham em comum, pensou resignado.
Levantou-se para ir embora, já passava das onze e meia e ele poderia nadar no refrigerante que bebera até ali. Remexeu os bolsos pra apanhar a carteira e depositar algum dinheiro no jarro de gorjetas dos garçons e bartenders.
Enquanto colocava uma modesta nota de dez no jarro, percebeu que, do outro lado do balcão, o alvo de suas atenções a noite toda, fazia o mesmo. De pé, colocava uma nota de dez no jarro do lado onde estava.
Ele sorriu balançando a cabeça.
Dirigiu-se á saída, distraidamente, parou para olhar um pôster do programa que motivara a festa, e, quando virou-se, esbarrou com ela.
A morena linda do outro lado do balcão. Com o choque, a bolsa dela caiu de suas mãos, mas ele, em um gesto rápido, agachou-se e aparou o objeto enquanto dizia um tímido "opa", ao mesmo tempo em que derrubava as próprias chaves e carteira.
Endireitou-se timidamente, devolvendo a bolsa e se desculpando.
-Desculpa, desculpa, mesmo. Foi sem querer, eu sou um desastrado completo.
Agachou-se para apanhar seus pertences do chão, sentindo o rosto aquecer-se de vergonha.
-Não tem problema. -Ela respondeu candidamente, também agachando-se e o ajudando á recolher suas coisas.
Entregou-lhe a carteira, ambos se levantaram.
Ele olhou pra ela por um instante, como se procurando algo sagaz para dizer, mas ela foi mais rápida:
-Boa noite. Que a Força esteja com você. -Ela disse dando uma piscadela, para então andar em direção à saída, não sem antes virar a cabeça e dar-lhe um sorriso doce.
Ele levou uma fração de segundo para entender a alusão dela, quando entendeu, iluminou-se! Ela reconhecera o Boba Fett em sua camiseta como personagem de Star Wars.
Ao pegar a carteira para guardar no bolso, percebeu, sob ela, um cartão.
No cartão lia-se o nome Edith, e tinha dois telefones impressos e mais um escrito á caneta com uma caligrafia segura.
Naquele instante ele soube. Por um desses inomináveis acasos do destino, conhecera a mulher de sua vida em uma festa "Open Bar".

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