Bem vindos a casa do Capita. O pequeno lar virtual de um nerd à moda antiga onde se fala de cinema, de quadrinhos, literatura, videogames, RPG (E não me refiro a reeducação postural geral.) e até de coisas que não importam nem um pouco. Aproveite o passeio.
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terça-feira, 28 de setembro de 2010
Reminiscências e confidências...
Quatro amigos acampando, todos já com seus quase trinta anos, se conheciam desde sempre, eram amigos desde sempre, acampavam todo ano desde sempre.
Haviam feito inúmeras atividades durante aquele dia, nadaram no lago, escalaram uma parede rochosa, e caminharam, por Deus, como caminharam. Caminharam á ponto de suas botas de trekking ficarem quase macias. No final do dia montaram acampamento, fizaram uma pequena fogueira com galhos recolhidos do chão, usaram seus fogareiros para cozinhar macarrão instantâneo, e ficaram observando as estrelas, recuperando-se do dia estafante e jogando conversa fora enquanto comiam. Deve ter sido o Jorge que começou o assunto. Entre todas as mulheres do mundo da ficção, ficção englobando literatura, cinema, TV, o que for: Quem você queria pegar de jeito?
-Por que, pra mim, entre todas, todas, mesmo, seria a Gilda.
-Quê Guilda? -Perguntou, confuso, Roberto.
-Gilda, rapaz, a... A mulher lá... Pô... Do filme lá, "Nunca houve uma mulher como Gilda"... Tirando a luva... Sabe qual?
-Não.
-Rita Hayworth. -Acudiu Sérgio.
-Isso! Essa aí. Ela. -Assentiu Jorge.
-Mas peraí, Jorge... Na tua proposta a gente pega a personagem ou a atriz? E pega em que período de tempo? Ou é extemporâneo?- Quis saber Augusto, que ainda não se manifestara.
-Como...? Não complica, Augusto. Se eu quero pegar a Gilda eu pego a Gilda do filme, lá de mil novecentos e cinquenta e coisa.- Estabeleceu Jorge.
-Quarenta e seis.- Corrigiu Sérgio.
-Quê?
-Mil novecentos e quarenta e seis. Gilda não é da década de cinquenta, é de quarenta e seis. Ou quarenta e sete, mas acho que quarenta e seis.
-Tá, então, se tu escolhe a Gilda, não é a Rita Hayworth de hoje em dia-
-Até por que, ela morreu em oitenta e sete...
-Cala a boca, Sérgio. Mas então, tu não pega a atriz, tu pega a personagem como ela era. Se tu escolhe a Wilma Flintstone não é a dubladora dela, nem um pedaço de papel desenhado, é uma Wilma Flintstone de carne e osso. Enfim, pra mim é a Gilda, e pra vocês? Roberto, pra ti?
-Hmmm... Deixa eu ver -Disse Roberto fechando um olho pra pensar.- Eu tô na dúvida... Acho que a mina aquela de O Senhor dos Anéis.
-A Liv Tyler?- Perguntou Jorge.
-Não, a outra. A loira.
-A Cate Blanchet?- Ajudou Augusto.
-Não, meu... A outra...
-A Miranda Otto?- Experimentou Sérgio, surpreso.
-Acho que sim... A que matava o louco de preto montado no dragão, aquele, né? É ela mesma. Mas a personagem, não a atriz.
-Éowin, eu acho... Mas é a mulher mais feia do filme, tchê!- Protestou Sérgio, inconformado.
-Como feia? Não tem nada de feia. E ainda matou o dragão. E o cara da máscara de ferro lá. A mulher é fodona e eu gosto dela, pronto, falei e tá falado. E tu, Sérgio?
-Pra mim é a Brida.- Respondeu Sérgio, olhando pra baixo como se estivesse com vergonha.
-Quem é Brida, pelo amor de Deus?- Quis saber Jorge.
-Brida O'Fern, do livro Brida.- Respondeu, incomodado Sérgio.
-Brida... Brida do Brida? Do livro do Paulo Coelho?- Inquiriu Augusto.
-... É.- Confirmou Sérgio, tímido.
Todos riram às gargalhadas.
-Pára que tu leu Paulo Coelho?- Provocou Roberto.
-Todo... Todo mundo leu Paulo Coelho nos anos noventa.- Defendeu-se Sérgio.
-Eu nunca li Paulo Coelho.- Retrucou Jorge.
-Isso é por que tu abandonou os livros na quarta série depois que o Marcos Rey parou de publicar na série vagalume, Jorge, alguns de nós continuaram.- Discursou Sérgio.
-É... Mas Paulo Coelho...? Sério...?- Observou Augusto.
-Não é tão ruim... Até tem uns lances bem divertidos. É uma leitura meio fast food, mas não faz mal. E a Brida era gostosérrima.
-É. Tá, tá bem, vá lá, então. Gilda pra mim, a loira que mata o dragão e o cara do mau, lá, do Senhor dos Anéis pro Roberto, e pro Sérgio a Brida O'Connor.
-O'Fern. -Corrigiu Sérgio.
-Cala Boca, leitor de Paulo Coelho. E pra ti, Augusto? Quem é?
-Tinha esse gibi, no fim dos anos oitenta, começo dos anos noventa, Black Kiss, alguém leu?- Perguntou Augusto.
-Eu li... Bom, ler, mesmo eu não li. Eu vi. Era praticamente um gibi de sacanagem. Mas os jornaleiros não sabiam e deixavam a molecada comprar na banca, era uma forma de ver mulher pelada e sexo.- Relembrou Sérgio.
-Isso! Era de um desenhista famoso, o Howard Chaykin, e tinha, na história, essas duas loiras ninfomaníacas, a Dagmar e a Beverly, que passavam o tempo todo se pegando de calcinha e sutiã, cinta-liga e salto alto... Então, pra mim, tem que ser essas duas. A Dagmar e a Beverly.- Sentenciou Augusto com um brilho nostálgico nos olhos.
-É... Mas tu sabe que a Dagmar era um travesti, né?- Inquiriu Sérgio.
-Quê?- Exclamou Augusto horrorizado, sob os risos de Roberto e Jorge.
-É, ela era um travecão.- Manteve Sérgio.
-Mentira! Mentiroso!- Acusou Augusto, arrancando ainda mais risadas dos outros.
-Tô te dizendo, rapaz. No começo da última edição, ou era no final da terceira, não lembro. O cara grisalho, lá, o malvadão, pegava as duas, a Dagmar e a Beverly, dava uma surra nelas, e aí aparecia que a Dag era um traveco. -Relembrou Sérgio.
-Eu só li a primeira e a segunda edição...- Reconheceu Augusto, desolado.
-Então tu quer trocar?- Perguntou Jorge.
-Quero... Não. Peraí... A Beverly era mulher, né?- Perguntou ele á Sérgio.
-Sim, a Beverly era.- Confirmou Sérgio.
-Tá, então deixa a Beverly, só. Fico com ela.- Decidiu Augusto, tristonho.
Mudaram de assunto, terminaram de comer, conversaram por mais algumas horas e dormiram. No dia seguinte, mais caminhadas, banhos de lago, à tardinha arrumaram suas coisas entraram no carro alugado e voltaram pra casa. Sérgio dirigia, deixou Jorge em casa, depois Roberto, e por fim, Augusto. Quando se despediram Augusto disse:
-Lembra da parada lá do Black Kiss?
-Qual?
-Das loiras, lá... A Dagmar e a Beverly, lembra?
-Ah, tá. Sim, o que que tem?
-Vou te contar uma coisa, mas fica entre nós beleza?
-Arram...
-Eu sabia que a Dagmar era um traveco, mas eu nem ligo, meu. Era um traveco lindo. Eu mantenho minha escolha inicial, Dagmar e Beverly.- Sentenciou Augusto, com os olhos esbugalhados.
-Tá... Hã... Tudo bem, eu acho... Como tu preferir, velho.- Aquiesceu Sérgio, desconfortável.
-Beleza. Vou lá, então, abraço. Mas ó... Fica entre nós, hein?- Suplicou Augusto, saindo do carro.
-Claro, claro. Pode deixar, Morre aqui.- Prometeu Sérgio.
Mas no ano seguinte eles não chamaram o Augusto pro acampamento.
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Ai, quanto preconceito com o Augusto...
ResponderExcluirTem coisas que simplesmente não se sai dizendo por aí...
ResponderExcluirTá, mas depois de perguntarem tanto... e cara, amigos não são para guardar os segredos? Ao menos eu era do tempo que guardava segredo com assinatura de sangue.
ResponderExcluirMas como meu amado Mário Quintana já dizia...
DA DISCRIÇÃO
Não te abras com teu amigo
Que ele um outro amigo tem.
E o amigo do teu amigo
Possui amigos também...
Mario Quintana - Espelho Mágico
Acho que alguns seguem essa ideia ou perdem os amigos, como o Augusto.