Bem vindos a casa do Capita. O pequeno lar virtual de um nerd à moda antiga onde se fala de cinema, de quadrinhos, literatura, videogames, RPG (E não me refiro a reeducação postural geral.) e até de coisas que não importam nem um pouco. Aproveite o passeio.
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segunda-feira, 13 de maio de 2013
A Melhor Versão
Foi no domingo de tarde...
Estavam sentados no banco em frente ao prédio em que os pais dele moram. Ela de short jeans e regata listrada de amarelo, laranja e rosa, all star vermelho no pé, cabelo preso mais ou menos por uma tiara de plástico preta deixando ela parecida com a Gwen Stacy desenhada pelo John Romita Sr., ele, ao lado dela, jeans, camiseta vermelha, tênis vermelho, cabelo preso num meio rabo de cavalo, meio coque improvisado cheio de mechas soltas.
Ela comia um Cornetto de Prestígio, ele comia as unhas. Ela falava:
-Eu nunca mais vi um filme... Não lembro o nome, mas era uma fantasia espaço/medieval... Tinha umas motos voadoras e tudo, mas era meio capa e espada, com aranhas gigantes e um ciclope... Acho que o ciclope era do bem, e não do mal, e tinha um príncipe de calça justa que eu acho que era o Patrick Swayze, querendo resgatar uma mocinha enjoadinha que tinha sido capturada por um monstrão lá que era só uns olhos vermelhos... Tu sabe que filme é esse?
-Sei, mas não era o Patrick Swayze... Não sei o nome daquele ator, o filme chama Krull, eu acho.
-Krull... Isso não era um com aquele gostosão que fazia o Hércules da Xena? - Ela inquiriu, passando o polegar na coxa e recolhendo um pedaço de sorvete que escapara da casquinha cônica e o levando a boca de uma maneira inadvertidamente sensual.
-Não, alemoa... Esse com o Kevin Sorbo, o Hércules da Xena, era Kull, o Conquistador, um personagem do Robert E. Howard, mesmo criador do Conan.
-Hmmm... Krull... Vou procurar no IMDB, depois...
-Arram...
-Fez alguma coisa ontem?
-Não... Fiquei em casa. Vi um filme, não lembro qual... Depois joguei video game até amanhecer, aí vi Um Grande Garoto na TNT, e fui dormir...
Ela fez uma careta:
-Video game... Eca.
-É por coisas como essa que tu nunca mais vai conseguir tirar as minhas calças.
Os dois riram. Ele ainda estava sorrindo com um olho fechado quando o sol escapuliu brevemente de entre as nuvens e iluminou-lhe o rosto. Ela falou:
-Eu fui ao cinema.
-Ver o quê?
-Em Transe.
-Bacana, né?
-Ai, não achei, não, viu? Achei meio chatão. Mas o Vincent Cassel sempre vale o ingresso...
-Só tu acha o Vincent Cassel bonito... Nem a Monica Belucci acha ele bonito...
-Tu não sabe de nada, Jon Snow. O Cassel é puro charme.
-O Cassel é francês até a medula com aquele cabelo enrolado e aquele narigão de furar tampa de iogurte.
-Gatão...
-Quem era o outro feioso que tu achava bonito?
-Ele não é feioso. É o Tim Roth.
Ele gargalhou:
-Mas que barbaridade... O Tim Roth... Aquele inglês esquálido... Até meio corcunda ele é, guria!
-Ai, que nada, o cara é outro gatão...
-Meu Deus... Cada vez faz mais sentido tu ter namorado comigo...
-Por falar nisso...
-Aí... Não... Por favor...
-Ned, eu preciso falar disso...
-Ah... Didi...
-Não... Olha... Eu te pedi desculpas por ter te mostrado o negócio que ela escreveu, tá?
-E eu aceitei!
-Não te exaspera comigo...
-Eu não tô "exasperado"... Não tô, mesmo... Eu te desculpei... Tá desculpada... Desculpadíssima. Não tô chateado contigo, não tô bravo, não tô nada. Deixa isso pra lá.
-Mas... Olha... Essa semana, eu li o resto... Eu li tudo.
Ele ergueu a sobrancelha olhando pra ela.
-Eu tinha te contado tudo...
-Não... Tá, tinha... Mas é que é diferente... O ponto de vista dela é diferente do teu.
Ele se endireitou no banco:
-Como diferente?
-Ned... É diferente... Pra mim, que sou mulher, é mais identificável...
-Como assim?
-É que tipo... Tu não vai ficar bravo comigo?
-Não posso prometer isso... - Ele riu.
-É... Tá, assim: O teu ponto de vista, muitas vezes, é... Hum... Contaminado... Contaminado é uma expressão muito forte? Enfim, ele é contaminado porque, afinal de contas, é a tua versão, então... Quer dizer, tu te coloca numa posição-
-Quando a gente conta uma história sempre nos colocamos no papel de protagonista? É isso? - Ele perguntou, interrompendo.
-É... - Ela concordou. Tomou fôlego pra continuar, mas ele continuou:
-E como a história que eu conto não termina bem, o papel no qual eu me coloco é de mártir e ela acaba virando a vilã?
Ela apertou os lábios, e ergueu as sobrancelhas, deixando claro que ele acertara. Ele suspirou:
-É... Eu devo fazer isso... Não é consciente, sabe? Não é mesmo...
-Eu sei que não. - Ela assegurou. -Acho que é um reflexo, baseado na situação toda e tudo mais... Mas sabe... O que eu queria falar, era que o ponto de vista dela é diferente. Ainda é um ponto de vista, mas sabe... O "personagem central", não é ela, ou tu... É o amor dela por ti... O amor de vocês. E isso, sabe... Ver isso por outra ótica que não a tua... É enriquecedor, sabe... Como se tu pudesse ouvir os dois lados de uma guerra, por exemplo, e não só a versão do vencedor.
-Eu não me sinto particularmente vencedor nesse momento...
-Tu entendeu o que eu quis dizer...
-Sim, entendi.
-E olha... Tu... Vocês... Não deviam deixar isso morrer, sabe... Porque é enriquecedor. É uma história enriquecedora... E não devia ficar assim... Em aberto.
Ele olhou pra ela, que, com fingido desinteresse, virou pra frente e terminou de comer o sorvete. Quando terminou, limpou os lábios com as costas da mão, e limpou a mão na barra das meias. O que era muito engraçado de ver uma menina bonita fazendo. Ela apoiou as costas no espaldar do banco, e juntou as mãos entre as coxas, balançando as pontas dos pés. Ele disse:
-Eu falei com ela, ontem.
Ela pareceu iluminar-se:
-Falou? O quê?
-Ah... Não importa... Falei como eu me sinto em relação a ela... Que me magoa ela duvidar do que eu sinto...
-Ai, criatura, larga mão de ser amargo!
-Eu não consigo... De qualquer forma, falei que amo ela... Que sempre vou amar.
-E...? - Ela perguntou, com as mãos erguidas e girando os pulsos.
-E nada... Ela foi muito gentil... Delicada como só ela sabe ser... Disse que não está com ninguém... Provavelmente pra me poupar da dor de ser substituído-
-Cala a boca.
Ele sorriu, mas ela estava séria. Continuou:
-Tu sempre faz isso. Tu assume as coisas e independente do que te digam tu não acredita e te agarra à pior versão possível não importa que seja falsa. Tu fez a mesma coisa comigo quando eu fui pra Argentina. E agora tá fazendo com ela. Se te magoou tanto quando ela fez isso contigo, tu devia saber que não se deve fazer isso com os outros.
Aquilo doeu. A boca dele ficou amarga. O estômago, leve. Ele baixou os olhos e assentiu:
-É... Tem razão...
Ficaram em silêncio. Ele sentado do lado dela. Jogado no banco. Ela, com as costas muitos retas, e as pernas largadas para a frente, os joelhos juntos, fazendo um "x". Ele disse:
-Acho que vou subir...
Ela o deteve:
-E aí... Tu não terminou.
Ele deu de ombros:
-Nada... Nada. Fizemos juras de amor... Eu amo ela... Acho que ela me ama, também... Enfim... Tu tinha razão... O avião decolou. Terminou.
-Não diz isso... Tu fez isso.
-É. Eu fiz. Não disse que foi tu, nem que foi ela. Fui eu. Não altera os fatos, porém, não é? Vou subir. Dormi pouco essa noite. Quer que eu te leve até a tua casa, ou pelo menos até depois do viaduto?
-Não... Obrigada. Me leva ali na esquina que eu vou pegar um táxi.
Andaram juntos. Quando pararam na esquina, ela disse:
-A tua versão não é ruim... A dela fala mais pra mim, já que eu sou mulher. Mas as duas são boas. O final é que não presta.
Ele sorriu. E nos minutos que um táxi livre levou pra aparecer, ela detalhou sua versão pro final da história. Na qual os dois cansavam de negar o inevitável, e aceitavam que eram feitos um para o outro, e após alguns desencontros, ele descobria o dia em que ela estava indo embora, e ia ao Salgado Filho impedi-la em embarcar, e os dois se beijavam diante de um painel amarelo do aeroporto, cujas únicas lágrimas que veriam, seriam de felicidade.
Quando o táxi apareceu, ele sinalizou e abriu a porta pra ela. Lá de dentro ela disse:
-Minha versão é melhor que a de vocês dois, e eu nem mesmo escrevo um blogue.
Ele sorriu, inclinando-se na janela do carro:
-Tem razão. A tua versão é disparado a melhor.
Ela o abraçou em volta do pescoço e beijou-lhe na bochecha barbada:
-Dá um beijo na tua mãe.
Então dirigiu-se ao motorista e deu seu endereço.
Enquanto via o carro sumir na esquina adiante, ele virou sobre os calcanhares e voltou pra casa.
"Ela tinha razão, meu amor... A versão dela é melhor. Vamos deixar essa valendo, OK? Quando nos perguntarem, vamos dizer que foi assim que aconteceu."
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